Por Suzanne de Brunhoff
No início do “plano de austeridade” na França, em 1982, assistiu-se a uma verdadeira explosão da denúncia do corporativismo, cujo ponto culminante foi atingido em 1983. No banco dos réus: todos os grupos organizados que defendiam interesses “profissionais”. Empregados das caixas econômicas; operários qualificados relativamente bem pagos, que tinham uma garantia de emprego; funcionários públicos protegidos contra o desemprego; pessoal com o estatuto de empresas públicas, à frente dos quais vinham os da Eletricidade da França. Utilizava-se a má reputação corporativista na Europa ocidental, com algumas confusões interessadas.
Entre as duas guerras mundiais e durante a segunda, a ideologia corporativista foi aquela de movimentos de reforma de direita ou de extrema direita, inspirada em particular no fascismo italiano de Mussolini e, de uma outra maneira, no regime de Pétain na França ocupada pelo exército alemão. Sindicato oficial único, proibição do direito de greve, comissão tripartite operários-patrões-executivos para repartir a penúria, sob o domínio do governo petainista aliado ao regime alemão: ressurgimento caricatural de uma ideologia corporativista destruída pela Revolução Francesa de 1789 (que, entretanto, proibia os sindicatos operários) e depois pela industrialização capitalista.
Como as organizações profissionais foram proibidas pela lei Le Chapelier em 1790, diversas organizações serviram de substituto para os trabalhadores transformados em proletários no século XIX. Seus objetivos eram a defesa dos interesses “econômicos e morais” de todo “corpo profissional” (daí o nome de “corporativismo”), para limitar o efeito do capitalismo “selvagem” que esmagava os indivíduos isolados. Quando os operários tiveram o direito de se sindicalizar, tiveram que lutar contra a repressão patronal (como as listas negras que impediam a contratação de militantes) e a repressão do Estado, com a polícia e exército reprimindo greves. É em parte essa história atormentada do movimento operário que deu à palavra “sindicato” o sentido que ela tem hoje, ao passo que por volta de 1870 ela designava “… uma reunião de pessoas que têm interesses comuns e agem de acordo”, como os detentores de ações de uma empresa negociando essas ações fora da Bolsa. O que não tem nada a ver com o salariado.
Nos anos 80, pode-se dizer sem grande risco de erro que o ideal corporativista morreu. Mas o que está em causa são certas práticas chamadas corporativistas, baseadas em interesses econômicos próprios de uma organização profissional. Não se fala do “corporativismo” dos proprietários de imóveis agrupados em sindicatos, nem tampouco das organizações patronais. Em contrapartida, os sindicatos operários são acusados de corporativismo. Os sindicatos executivos, segundo Boltanski, foram organizados já em 1937, tendo os engenheiros como pólo de atração principal. No final de 1944, seu renascimento teve por objetivo agrupar os executivos para que de início se defendessem contra o movimento operário e o comunismo. Os executivos constituem uma forma particular de “salariado burguês”, defendem seu patrimônio cultural e financeiro contra os operários, mas diferem do patronato que possui o capital das empresas. Nos anos 1933-1939, eles eram a camada social portadora dos ideais corporativistas: voltados para o passado (ter relações com pessoas do mesmo grau social) e para o futuro (privilégios das capacidades técnicas), consideravam o Estado como uma espécie de mediador contra o laissez-faire e, ao mesmo tempo, contra o “coletivismo”, praticando uma dose moderada de intervenção.
Depois da Segunda Guerra Mundial, as organizações profissionais desenvolveram-se em relação com o novo intervencionismo do Estado e a extensão da noção de salariado para novas camadas sociais. A noção de salário assumiu um caráter extenso na França, incluindo os vencimentos dos funcionários públicos, os ordenados dos empregados, as gratificações dos criados. Do ponto de vista da contabilidade nacional, todas essas categorias recebem “rendas de atividade”, sobre as quais são recolhidas contribuições sociais. A extensão de um quase-salariado, que dissimula a heterogeneidade das situações sociais, mantém atividades de defesa “categoriais”, como movimento dos médicos hospitalares, “salarizados” em 1983. Eles utilizam a greve como forma de pressão sobre o governo, sem temor de serem confundidos com operários.
Existe atualmente um contraste entre o “corporativismo” como ideal de organização social e os “corporativismos” como práticas de defesa de situações ou de “direitos adquiridos”. Estes últimos são acusados indistintamente, mas a reprovação atinge sobretudo os operários. Questão de número. Mas também, em período de crise, questão de ponto de vista da lógica microeconômica e da manutenção de uma hierarquia social. Na França, a corporação dos “caras pretas” (mineiros de carvão) moveu uma greve em 1963 contra o fechamento de poços, cuja popularidade foi grande, inclusive entre uma parte da pequena burguesia. Não ocorreu o mesmo contra os fechamentos maciços dos anos de 1983-1984. Alguns lembraram as vantagens adquiridas dos mineiros, como o fornecimento gratuito de carvão e o custo elevado das pensões. Mas sem insistir muito. No caso de profissões duras e perigosas, o “corporativismo” é acusado sobretudo a partir do produto final fornecido pelos trabalhadores: carvão de má qualidade, extração cada vez mais difícil, custo menos elevado da importação. A depreciação mercantil do produto põe em causa os produtores. Se estes querem conservar seu emprego, então estão agindo contra “o interesse nacional” e por egoísmo de grupo.
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Não se pode compreender o sucesso encontrado pelos críticos do “corporativismo” sem se reportar às modalidades da administração da mão-de-obra em período de dificuldades econômicas, que se traduzem por uma concorrência encarniçada das empresas entre si. A queda da rentabilidade gerou uma forte pressão sobre os assalariados, com relação ao nível dos salários, à administração do emprego e aos auxílios do Estado-Providência (de Bem-Estar Social).
A dominação da ideologia do mercado é feita por múltiplos canais. A missão atribuída ao empresários capitalista é a de garantir a rentabilidade do capital. Sem isso, há fracasso e falências. O risco faz parte da empresa. Mas se os agentes econômicos são em princípio homogêneos, os assalariados também devem assumir riscos. Risco da concorrência no mercado de trabalho, queda das ofertas de emprego, diminuição do salário, conforme a indicação do preço do mercado. Sendo considerado como o proprietário do “fator trabalho”, o assalariado deve assumir sua parte nos riscos da empresa. Como agente econômico individual. Mas, mesmo que se raciocine assim, o empregador, considerando a relação assimétrica real já examinada, tem de fato um poder muito maior que o empregado.
Durante a crise, algumas práticas patronais correntes, mas até então disseminadas, procuram ser generalizadas e legitimadas. Assim, na França, o direito de demissão foi sempre exercido, já que cerca de 90% das demissões “econômicas” solicitadas eram concedidas. Mas o patronato pede mais: deseja que o direito de demitir seja exercido sem formalidades nem controles, segundo o modelo americano. De maneira mais geral, o que se procura, desta vez segundo o modelo japonês que se imagina, é a flexibilidade do emprego e condições de trabalho segundo as necessidades da empresa. Essa flexibilidade já existe sob diferentes formas, por exemplo, o trabalho por turnos de 3 x 8 horas ou o emprego de trabalhadores temporários. Mas isso é considerado insuficiente pela organização patronal francesa, porque é necessário um novo consenso sobre as condições de emprego que seja oficialmente ratificado por regras do jogo que tenham alcance geral.
Já se falou muito, e com razão, do “emprego clandestino”: faxineiras ou pintores de parede não declarados, além de muitos outros. Mas para as empresas industriais, mesmo aquelas que têm operários não declarados trabalhando em domicílio, uma inflexão das leis é de qualquer modo útil. Ela torna “natural” o tratamento do assalariado como responsável por seu próprio trabalho, a título individual, e proíbe-o de referir-se à tradição das classes antagonistas (patrões-trabalhadores assalariados) e a medidas “sociais” coletivas. Isso prepara o fim da indexação mais ou menos global (“por contágio”) dos salários sobre os preços, o fim dos aumentos mais ou menos uniformes dos salários e o fim do papel dos sindicatos propriamente ditos.
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A pressão da concorrência de crise estimula as empresas a transferir uma parte de suas dificuldades sobre os assalariados, além da extração “normal” da mais-valia. Nos Estados Unidos, apesar da queda da taxa de desemprego, por ocasião da retomada de 1983-1984, a diversificação dos salários continuou, segundo a regra seguinte: the double standard that’s setting worker against worker, ou seja “a diferença de salários que divide os trabalhadores entre si”. Um ganha 9,60 dólares por hora e outro que trabalha ao lado e faz o mesmo serviço ganha 13,99. Por quê? Outro trabalhador, que trabalha há 16 anos num supermercado de Cleveland, ganha 10,30 dólares por hora, enquanto os novos contratados recebem 4 dólares por hora. Mas o primeiro fica sabendo que vai trabalhar em tempo parcial, até ser demitido. O tempo de casa não dá mais direitos contrariamente à fórmula tradicional: the last hired, the first fired (o último admitido, o primeiro demitido). Nessas condições, se existe corporativismo, entendido como uma reação de defesa dos assalariados, é um efeito da pressão patronal e, ao mesmo tempo, do enfraquecimento da organização de classe.
Trecho do livro A hora do mercado: crítica do liberalismo. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora Unesp, 1991. Original de 1986.
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