Por KKE, via solidnet.org, traduzido por Thiciane Araújo
Um ano da guerra imperialista na Ucrânia: Aos povos, sangue e lágrimas – Ao capital, lucros
O Partido Comunista Grego (KKE) se mantém firme na vanguarda da luta contra a guerra imperialista
Doze dias antes de Vladimir Putin anunciar a “operação militar especial”, como denominou a invasão militar russa dos territórios ucranianos, o Rizospastis comentou as declarações do diplomata americano Kurt Volker, que afirmou que “a Rússia pode chegar a anexar um terço da Ucrânia”, estimando que a Ucrânia poderia perder sua saída para o Mar de Azov e que um corredor terrestre poderia ser formado ligando a Federação Russa à Crimeia.
Na época, uma de nossas observações foi que “não sabemos se tais declarações do diplomata americano indicaram quais serão as novas fronteiras ucranianas, se se trata de uma proposta de acordo dos EUA com a Rússia acerca da partição da Ucrânia – exigindo contrapartidas – ou apenas uma forma de pressionar a atual liderança ucraniana. O que sabemos, no entanto, é que geralmente as fronteiras não mudam sem que haja derramamento de sangue e que o papel de nosso país nesses acontecimentos é de grande importância para nosso povo”. (1)
Hoje, um ano após o início do conflito que está devastando os povos da Ucrânia e da Rússia, testemunhamos dezenas de milhares (ou, segundo outras estimativas, centenas de milhares) de mortos e feridos, bem como a destruição total de dezenas de cidades e vilas. A fronteira entre Rússia e Ucrânia efetivamente mudou durante as batalhas, visto que a Rússia passou a controlar, além da maior parte da região de Donbass (60% de Donetsk e 95% de Lugansk), as regiões de Kherson (75%) e Zaporozhye (80%). Todas essas regiões foram anexadas ao território russo por meio de decretos presidenciais de Putin, a despeito de suas declarações iniciais de que o objetivo da “operação militar especial” não era conquistar o território ucraniano. Ao todo, os territórios ucranianos atualmente sob controle militar russo representam 18% da Ucrânia (em comparação a 27% em março de 2022).
De fato, a “profecia” do diplomata americano se cumpriu quando a Rússia bloqueou a saída da Ucrânia para o Mar de Azov e criou um corredor terrestre ligando seus territórios à Crimeia, formalmente anexada à Federação Russa em 2014.
Em 3 de fevereiro de 2023, o ex-presidente da Federação Russa e atual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia Dmitry Medvedev comentou em tom de comemoração que “a economia ucraniana está se deteriorando rapidamente”. Isso se deve ao fato de que a Ucrânia já perdeu mais de 40% de sua capacidade industrial a nível nacional e cerca de 15% de seu PIB pré-guerra, além do acesso a mais de US$ 12 trilhões em matérias-primas, incluindo 63% de suas reservas de carvão e 42% de suas reservas de metais. (2)
Quem ganhou e quem perdeu?
Tal representante do capital russo mostra-se ávido diante do fato de que a Rússia capitalista, sob o pretexto do antifascismo e a ameaça de perseguir toda e qualquer voz de oposição no país, conquistou e controla integralmente o Mar de Azov, assim como milhares de quilômetros quadrados de terras férteis, recursos minerais e infraestrutura industrial que pertenciam à Ucrânia. Além disso, milhões de trabalhadores estão à disposição dos monopólios russos.
Outros se mostram igualmente ávidos:
- Os EUA, visto que os monopólios americanos do setor energético passarão a fornecer à Europa gás natural liquefeito a preços caríssimos. Os EUA receberam ainda a oportunidade de “reagrupar” e fortalecer o “vespeiro” da OTAN, que vinha enfrentando problemas de coesão até então.
- A União Europeia, que encontrou mais uma justificativa para promover sua “estratégia de crescimento verde”, com a qual lucram os monopólios europeus do setor energético – tanto os das fontes ”alternativas” (painéis solares, turbinas eólicas, etc) quanto os das fontes tradicionais – e outros setores do capital, como os armadores gregos, que fizeram fortuna em um ano de guerra.
- Os capitalistas de China, Índia, Brasil e outros países, que encontraram uma forma de importar matérias-primas da Rússia, sobretudo petróleo, por metade do preço, lucrando com a diferença no mercado internacional.
- As monarquias do Golfo, que expandiram sua “clientela”, e a burguesia da Turquia, que atua como “mediadora” e “polo” de interesses e mercadorias de ambos os lados.
- Todos os Estados capitalistas que dispõem de uma indústria bélica desenvolvida (EUA, Rússia, China, França, Alemanha, Turquia, Irã, etc) que produz e testa novas máquinas mortíferas nos campos de batalha, lucrando com o comércio da morte.
- A burguesia da Ucrânia, que blindou ainda mais seu poder. Por um lado, estreitou os vínculos entre seus interesses e os interesses de outras potências capitalistas do bloco euro-atlântico. Por outro lado, fomentou um clima de “união” nacional, recorrendo, em nome do “patriotismo”, da defesa da integridade territorial do país e da retomada de territórios, ao anticomunismo, ao chauvinismo, à apologia histórica aos colaboracionistas na ocupação nazista da Ucrânia, etc.
Evidentemente, o conflito militar entre as forças da OTAN e a Rússia continua, visto que a duração do conflito, os meios utilizados e, em última instância, as consequências econômico-militares impactarão diretamente nos ganhos e perdas de cada lado.
Quem perdeu até agora?
Alguns setores do capital também tiveram perdas nesse período. No entanto, trata-se de um fenômeno natural do capitalismo, em que há competição intra e transetorial e desenvolvimento desigual, não sendo possível que todos os setores do capital tenham ganhos em condições de anarquia e competição feroz, características da economia capitalista mesmo em tempos de paz.
Entretanto, quem mais sofreu perdas em um ano de guerra imperialista foram os povos, obrigados a pagar pelos lucros adicionais do capital com o sangue de seus filhos ou com o dinheiro de seu próprio bolso, uma vez que a guerra fez disparar os preços e a inflação a níveis exorbitantes, consumindo toda a renda da população.
O “tosão de ouro” contemporâneo
Desde o princípio, o KKE assumiu o compromisso inabalável de mostrar ao nosso povo as verdadeiras causas da guerra. Conforme observado na Resolução do Comitê Central do KKE sobre a guerra imperialista na Ucrânia: “O povo ucraniano vem pagando o preço pela competição e pelas intervenções sobre a divisão de mercados e esferas de influência entre, de um lado, os EUA, a OTAN e a UE com sua estratégia de ‘expansão euro-atlântica’ e, de outro lado, a Federação Russa capitalista com seus planos de exploração dos povos, a fim de fortalecer suas próprias coalisões imperialistas (União Econômica Eurasiática, Organização do Tratado de Segurança Coletiva) na região da antiga URSS”. (3)
O KKE destacou que “a intervenção militar russa marca essencialmente o início formal de uma guerra que vem sendo preparada por um ‘barril de pólvora’ de tensões acumuladas ao longo do tempo, cujo foco recai sobre a divisão de recursos minerais, reservas energéticas, terras, mão de obra, dutos, redes de transporte de mercadorias, apoios geopolíticos e fatias de mercado.
Nosso partido rejeitou os pretextos utilizados por EUA, OTAN e EU e, inclusive, pelo governo grego, acerca do ‘revisionismo’, da ‘democracia’, da ‘liberdade na escolha dos aliados’, etc, para apoiar o governo reacionário de Zelensky, demonstrando que os imperialistas da UE e da OTAN são os primeiros a tornar letra-morta até mesmo certas disposições formais do direito internacional.
O KKE também rejeitou os pretextos do lado russo, como a evocação do antifascismo, para promover seus planos monopolistas na região, aproveitando-se da força do antifascismo entre os russos e entre todos os povos, que pagaram com milhões de mortos pela resistência à ocupação e às atrocidades da Alemanha nazifascista. (…) Não esquecemos que a própria Rússia capitalista, que está na linha de frente do anticomunismo nos dias atuais, mantém relações amistosas com grupos de extrema-direita em diversos países e que a liderança russa elogia publicamente os ideólogos do fascismo russo”.
Internacionalismo proletário contra a carnificina imperialista
O KKE, em colaboração com o Partido Comunista do México, o Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha e o Partido Comunista da Turquia, emitiu uma Declaração Conjunta dos Partidos Comunistas e Operários, publicada já em 26 de fevereiro de 2022 e ratificada, até o momento, por 44 Partidos Comunistas e 30 Organizações da Juventude Comunista em todo o mundo.
Nessa importantíssima Declaração Conjunta, destacou-se que:
- A dissolução da URSS e a restauração do capitalismo representaram o desmantelamento de conquistas proletário-populares históricas, fazendo com que os povos da URSS retrocedessem à era da exploração de classe e das guerras imperialistas.
- Os acontecimentos na Ucrânia estão inseridos na estrutura do capitalismo monopolista, ligando-se aos planos de EUA, OTAN e UE e à sua intervenção na região, em um contexto de competição feroz entre essas potências e a Rússia capitalista pelo controle de mercados, matérias-primas e redes de transporte da Ucrânia.
- Repudiam-se a ação de forças fascistas e nacionalistas na Ucrânia, o anticomunismo e a retórica anti-Lênin, antibolchevique e anti-URSS a que recorrem as lideranças russas.
- Os povos dos dois países (Rússia e Ucrânia), que viveram juntos uma época de paz e prosperidade sob a URSS, como todos os povos, não têm interesse em tomar partido deste ou daquele imperialista, desta ou daquela aliança que serve aos interesses dos monopólios.
- Rechaçam-se as ilusões disseminadas pelas potências burguesas de que seria possível uma “arquitetura de segurança melhor” na Europa com a intervenção da UE, uma OTAN “sem planos militares e armamento ofensivo em seu território”, uma “UE pró-paz” ou um “mundo multipolar pacífico”. O capitalismo caminha lado a lado com as guerras imperialistas.
- Convocam-se os povos dos países cujos governos estão envolvidos nesses acontecimentos, principalmente por meio da OTAN e da UE, mas também da Rússia, a lutar contra a propaganda das potências burguesas que empurram o povo para o “moedor de carne” da guerra imperialista sob diversos falsos pretextos. Cabe ao povo exigir que as bases militares sejam fechadas e que as tropas no exterior regressem ao país, mobilizando-se na luta pela libertação de seu país de planos e alianças imperialistas, como a OTAN e a UE.
- O interesse da classe trabalhadora e das camadas populares exige que seja reforçada a perspectiva de classe na análise dos acontecimentos, que seja traçado um caminho proletário-popular independente contra os monopólios e a burguesia, pela derrubada do capitalismo, pelo fortalecimento da luta de classes contra a guerra imperialista, pelo socialismo.
O KKE adota uma linha de ação multiforme contra a guerra imperialista
Desde o princípio, o KKE deixou sua posição clara ao povo grego.
Em 25 de fevereiro, foram realizadas em Atenas uma manifestação popular e uma marcha da Embaixada da Rússia até a Embaixada dos EUA em protesto contra a guerra imperialista e a participação da Grécia no conflito, ao lado dos EUA, da OTAN e da UE.
Em 1 de março, o secretário-geral do Comitê Central do KKE, Dimitris Koutsoumbas, proferiu um discurso no Parlamento grego, no qual detalhou a posição do partido, denunciou o governo e os demais partidos pró-OTAN pelo maior envolvimento da Grécia na guerra e rebateu as distorções anticomunistas da história. Koutsoumbas ainda conclamou o povo a lutar pelo fechamento das bases dos EUA e da OTAN no país e pelo não envio de tropas e armamentos à guerra, a mobilizar-se na luta pelo fim do envolvimento da Grécia em alianças imperialistas, a tomar, de fato, as rédeas do poder.
O KKE deixou sua posição clara ao povo por atos e não apenas por palavras:
O KKE coordenou uma campanha a nível nacional para informar o povo acerca da periculosidade dos acontecimentos. Em 1 de abril, organizou uma grande manifestação antiguerra do lado de fora do parlamento.
O partido organizou importantes mobilizações antiguerra do lado de fora das bases americanas em Alexandrópolis, Suda, Larissa, Stefanovikio, etc. Apoiou ações semelhantes de sindicatos e organizações de massa. Bloqueou estradas, ferrovias e portos utilizados por tropas da OTAN. Os comunistas estavam na vanguarda da luta anti-imperialista e, por isso, foram atacados pelos mecanismos de repressão do Estado burguês, como ocorreu no porto de Salônica em 6 de abril, quando a tropa de choque dispersou a manifestação grevista, prendendo e processando membros dos Comitês Centrais do KKE e da Juventude Comunista da Grécia, um jornalista do Rizospastis e sindicalistas.
Em 7 de abril, o KKE foi o único partido a se recusar a comparecer ao discurso proferido por Zelensky e um neonazista do batalhão Azov no Parlamento grego. Os assentos do KKE estavam vazios quando todos os partidos pró-OTAN os ovacionaram.
No Parlamento europeu, quando a ND, o SYRIZA e o PASOK fizeram coro ao furor bélico dos imperialistas europeus, pedindo um aumento expressivo no apoio bélico ao governo reacionário de Zelensky, o KKE votou contra a medida e denunciou-a ao povo.
Ao mesmo tempo, o KKE assumiu um papel importante na luta político-ideológica no movimento comunista internacional, onde impera a confusão no interior dos diversos partidos. Conforme observou Giorgios Marinos, membro do Bureau Político do Comitê Central do KKE, em seu discurso no 22º Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários (EIPCO) em Havana (28-30 de outubro de 2022), “a posição dos comunistas acerca da guerra imperialista é uma questão crucial. É determinada pelo fato de que, na era do imperialismo, isto é, na era do capitalismo monopolista, as guerras travadas pelas classes burguesas são injustas e imperialistas. Convocam-se os povos a repudiá-las, a fortalecer a luta político-ideológica e popular independente para derrubar o poder do capital, eliminar a exploração capitalista e construir o socialismo-comunismo. Qualquer desvio desse princípio conduz objetivamente ao alinhamento com os interesses das classes burguesas, dos ‘ladrões’ deste ou daquele lado, com consequências amargas”.
No interior do movimento comunista internacional, o KKE frisou a concepção leninista de imperialismo, que, não se limitando à política externa agressiva, é o capitalismo monopolista em si mesmo, e descreveu suas principais características nos dias atuais. Destacou ainda as lições históricas de nosso partido acerca da luta contra o fascismo, gerado pelo capitalismo. Nas palavras de Bertold Brecht, “combater o fascismo é combater o capitalismo em sua forma mais crua, mais descarada, mais opressora e mais traiçoeira”. O KKE enfatizou que a luta contra o fascismo não deve ser baseada em forças burguesas ou em alianças com elas, nem separada da luta contra o “ventre” em que ele é gerado.
Nosso partido, em colaboração com diversos outros partidos, travou batalhas contra o apoio às classes burguesas e às alianças imperialistas, contra os que distorcem e revisam as posições marxistas-leninistas sobre a guerra e o imperialismo, frisando a atualidade e a necessidade do socialismo.
O apoio eleitoral ao KKE representa um voto contra a carnificina aprovada pelos demais partidos
Às vésperas das novas eleições parlamentares, os trabalhadores devem refletir sobre a mensagem que querem dar com seu voto.
Eles fortalecerão as forças (ND, SYRIZA, PASOK) que transformaram a Grécia em uma plataforma de lançamento da guerra imperialista e aqueles que não se mobilizaram uma vez sequer contra a guerra (por exemplo, a MERA25)? Ou fortalecerão o KKE, que vem lutando com atos e palavras contra a guerra, contra os ataques direcionados ao povo e contra o envolvimento da Grécia no conflito?
Que reflitam: logo após o início da guerra, ou seja, há um ano, a Alemanha enviava capacetes militares à Ucrânia, hoje está enviando tanques Leopard. Há um ano, os EUA estavam empurrando equipamentos ultrapassados para a Ucrânia, depois passaram a enviar os avançados sistemas de mísseis HIMARS e agora estão se preparando para fornecer tanques Abrams de última geração. Todos eles (EUA, OTAN e UE) estão atualmente discutindo fortalecer a defesa aérea ucraniana. Ambos os lados da guerra (OTAN e Rússia) estão, além disso, ameaçando recorrer ao uso de armas nucleares.
Tais acontecimentos devem ser levados em consideração pelo povo na hora de comparecer às urnas.
O voto consciente dos trabalhadores e dos jovens não atiçará o fogo da carnificina imperialista que ameaça consumir outros países, mas, ao contrário, fortalecerá o KKE, que luta contra as guerras imperialistas e mostra aos gregos e aos demais povos a saída, o caminho da paz e do socialismo!
Eliseos VAGENAS
Membro do Comitê Central do KKE,
Chefe da Seção de Relações Internacionais
Referências
- “Sobre a escalada de tensão entre as potências euro-atlânticas e a Rússia”, Rizospastis, 12/02/2022, https://inter.kke.gr/en/articles/On-the-escalation-between-Euro-Atlantic-powers-and-Russia/
- Jornal russo Kommersant, 3/02/2023
- Resolução do Comitê Central do KKE sobre a guerra imperialista na Ucrânia, 12/03/22, http://inter.kke.gr/en/articles/RESOLUTION-OF-THE-CENTRAL-COMMITTEE-OF-THE-KKE-ON-THE-IMPERIALIST-WAR-IN-UKRAINE/
Publicado originalmente no Rizospastis, jornal do Comitê Central do Partido Comunista da Grécia (KKE), em 18-19 de fevereiro de 2023.
2 comentários em “Um ano da guerra imperialista na Ucrânia: Aos povos, sangue e lágrimas – ao capital, lucros”
Já devia ter parado de ler antes (“Os capitalistas de China, Índia, Brasil e outros países, que encontraram uma forma de importar matérias-primas da Rússia, sobretudo petróleo, por metade do preço” – O Brasil não importa petróleo!), mas estaquei deveras quando cometeram isso aqui: “Todos os Estados CAPITALISTAS que dispõem de uma indústria bélica desenvolvida [EUA, Rússia (?), CHINA (!!!!), França, Alemanha, Turquia, Irã (!), etc.]…” Este KKE é trotsquista?
Não só não é, como é um dos maiores partidos que reivindicam Stálin da Europa. Aliás, também a maior parte das organizações maoístas contemporâneas caracterizam a China como um capitalismo restaurado. É possível discordar, mas antes é preciso conhecer, sem fazer caricaturas.