Por Polina Semionovna Vinogradskaia, marxists.org, traduzido por Aline Recalcatti de Andrade.
[Publicado em Molodaia Gvardiia (Jovem Guarda), n 3, 19, 1923, p.111-124. Traduzido para o espanhol por Camila Pérez com base no artigo inogradskaya, “Крылатый Эрос товарищ Коллонтай”, en Каким должен быть коммунист: старая и новая мораль: сборник Молодая Гардия (Lo que debe ser un comunista: vieja y nueva moral. Una colección de Joven Guardia), 1926.]
No seu artigo chamado “Abram espaço para o Eros alado1!” (Uma “Carta à juventude trabalhadora”!), a camarada Kollontai inicia dizendo:
“Jovem Camarada: você me pergunta qual o lugar do amor na ideologia proletária. Te admira o fato que nos momentos atuais a juventude trabalhadora ‘se preocupa muito mais com o amor e com as questões relacionadas à ele’ do que com os grandes assuntos que a República dos operários precisa resolver. Se é assim – dificilmente posso perceber desde longe -, busquemos juntos a explicação desse fato e encontremos a resposta para esse primeiro problema: Qual o lugar que o amor tem na ideologia da classe trabalhadora?”
Na sua carta anterior sobre a moral, a camarada Kollontai refez as perguntas de seu correspondente em suas próprias palavras, portanto, havia motivos para pensar que ali não tinha nada para citar. Mas nesse artigo a pergunta do “Jovem Camarada” está entre aspas para que seja lida como uma verdadeira carta. Se essa carta foi escrita por uma pessoa real da Rússia Soviética, então deveríamos, acredito que com o total acordo da esmagadora e genuína maioria do proletariado estudantil, declarar que isso é uma calúnia contra a juventude. Talvez existam indivíduos na juventude, possivelmente incluídos na juventude do Partido, para quem os problemas sexuais ofuscaram todos os demais, deixando o resto dos problemas de lado, incluindo o problema da Revolução Proletária, que apenas começou e somente alcançou vitória em um só país. Mas seria totalmente falso declarar que essa é uma característica de “toda a juventude proletária” ou de sua maioria. Se a camarada Kollontai precisa mostrar que está escrevendo sobre seus queridos “temas eróticos” não por interesse próprio, mas porque foi incentivada pela mesma juventude, então poderia resolver tal problema sem necessidade de citações de cartas que interpretam mal a situação da Rússia. Sobre tal tema é provável que ela não tenha falta de criatividade.
De qualquer forma, a camarada Kollontai em vez de prestar atenção como estão as coisas na nossa realidade, imediatamente declara: “busquemos explicações”.
Um bom exercício: buscar explicações para algo que nem sequer existe! Uma pergunta poderia, involuntariamente, suscitar ao leitor: Por que não buscar a explicação do porquê a camarada Kollontai deseja tanto nos oferecer sua “explicação”, e se está tudo bem com seu marxismo e seu comunismo? Por que, depois de tudo, a camarada Kollontai teimosamente deseja ser a Verbitskaya de nossa imprensa comunista e enfatiza constantemente o problema do sexo? Pode uma veterana e muito experiente comunista não ter nada mais sobre o que escrever? Temos realmente tanta prosperidade em todas as áreas da vida que somente nos falta discutir como abrir as asas de Eros? Ou é que somente as questões que o intelectual socialista filisteu é capaz de levantar, que chegam a seus ouvidos e a sua consciência, enquanto que os atuais pensamentos e sentimentos das trabalhadoras (não das mulheres histéricas nem das nervosas burguesas) são desconhecidas pela companheira?
A camarada Kollontai faz a ressalva de que “desde longe”, da Noruega, não pode determinar até que ponto a questão do amor é de importância vital para a juventude. Entretanto, isso não a deteve na hora de tomar a posição de que a juventude está completamente absorvida pela questão do amor, pela busca da “felicidade”.
Como são realmente as coisas entre nós em relação ao amor e ao sexo, entre a juventude e entre os trabalhadores e trabalhadoras?
Por acaso mudou algo desde a guerra civil? Sem dúvidas, mudanças, movimentos, convulsões tiveram lugar aqui como na totalidade da situação de nossas vidas no período de calma temporária após a guerra civil, ou melhor dizendo, no período de mudança das formas de luta contra a burguesia sobre a NEP (Nova Política Econômica). A revolução deu vazão a todas as energias, tanto físicas quanto intelectuais, de cada membro individual da classe trabalhadora e ofereceu amplas perspectivas para sua aplicação. Sem embargo, por si mesma, não permitiu que as “liberdades” se concretizassem na criação de novas formas de vida até que a luta acabou. No momento de intensa luta de classes, com suas consignas e sua exigência de “completar a guerra até a vitória”, toda a atenção das massas tem estado concentrada na questão da luta direta contra o inimigo. Mas o processo de dissolução das velhas formas recém mencionado já estava amadurecendo completamente. Toda a vida sexual com seus problemas estava, portanto, sendo colocada de lado e só agora essas questões de importância secundária podem começar a desempenhar um papel mais importante (se a revolução alemã não as tira da agenda). Um papel mais importante: devemos expressar dessa maneira para não cometer o erro de exagerar a questão, isso é tudo.
Não há argumentação para dizer que as questões do amor estão começando a interessar a juventude estudantil mais que no passado. A pesquisa sobre a vida sexual realizada pelos estudantes da Universidade de Sverdlov contém um material interessante sobre. Mas existe uma distância abismal entre dito interesse e o entusiasmo pelas questões sexuais levado ao ponto de acabar com o estudo e com a tarefa fundamental da classe trabalhadora. Pelo contrário, sabemos que os jovens estudantes dedicam boa parte de suas energias em estudar, mesmo com as condições materiais em que se encontram nossos jovens estudantes proletários e do corpo estudantil comunista, e se há um interesses aos problemas sexuais, também há um duplo interesse no materialismo e triplo interesse na economia política, etc. A revista da Universidade de Sverdlov, no qual o artigo mencionado foi publicado, pode nos servir de evidência disso. Essa revista, obviamente agindo desde as necessidades de jovens estudantes, dedica quase todas as suas páginas à questões acadêmicas e somente a mais insignificante proporção à questão do sexo.
Na vida dos trabalhadores, tanto a questão do sexo como os problemas da nova familia estão sendo discutidos mais do que antes. Mas seria uma grande injustiça afirmar que contemplamos uma predominância dos interesses e das opiniões decadentes dos Sanin. Conhecemos um caso em que um comunista, um velho membro do partido, disparou em uma pessoa não pertencente ao partido por ciúmes. Não faz muito tempo em Moscou, dois estudantes da Academia de Guerra duelaram por uma mulher. Esse fato em si só requer atenção, deve ser colocado no contexto das transformações do estado de ânimo geral. Mas seria uma calúnia dizer que em todo o Exército Vermelho esse tipo de duelo começou a prevalecer.
Portanto, não há dúvida de que os antigos laços na esfera da família e das relações sexuais estão sofrendo um processo de ruptura e experimentando mudanças contínuas em todas as partes, causados pela nova economia e pela mentalidade das pessoas que, em alguns aspectivos, inclusive vai mais além da economia. Mas a dissolução desses laços acontece de maneira extremamente lenta. A transição do comunismo de guerra para a NEP tendeu mais a atrasar (temporariamente, pelo menos) do que acelerar esse processo. Se os estudantes proletários e a juventude protestam em geral, um pouco tempestivamente, contra os antigos preceitos pequeno burgueses no âmbito das relações sexuais, chegando inclusive a formas confusas de relações sexuais e tentando fundamentá-las, então se trata somente de uma pequena parte do proletariado e está longe de ser uma característica da sua totalidade. Mas tudo isso fala de atitudes um tanto descuidadas sobre as questões da vida sexual e da pouca cuidadosa e da pouca companheira atitude sobre as mulheres, já que atualmente são as mulheres sozinhas que têm que lidar com os frutos desse amor. Mas repito que isso está longe de significar que as questões sexuais atraem a fervorosa atenção da juventude e os afasta do problema principal. Mais frequentemente se fala do contrário: a regra do “Eros alado”, cujo enfeito com penas de pavão é proclamado pela camarada Kollontai como a primeira das ocupações do marxismo e da ideologia proletária.
É necessário, ademais, considerar o fato de que – dada a educação da juventude, a sua conjunta participação em todas as formas de esporte e finalmente, o abandono geral das divisões artificiais entre homens e mulheres em nossa vida pública, o espírito geral do companheirismo perante às mulheres (que ainda está longe de ser o suficiente) – entre nós tanto o amor quanto o corpo feminino já não são a fruta proibida, essa maçã do paraíso, os temas de todo tipo de suspiros e de sonhos reprimidos, como eram no passado. Quando os artistas da pintura renascentista em seus quadros cantavam hinos ao esplendor do corpo feminino, violando as etiquetas dos ascetismo cristão, quando tais questões ressoavam na literatura burguesa liberal nos séculos seguintes, tudo isso era natural, compreensível, necessário e progressivo. Mas agora, depois de tudo, temos tempos diferentes, morais distintas, canções distintas. Faz tempo que as frutas proibidas se tornaram acessíveis a todos. As relações entre pessoas de diferentes sexos são completamente diferentes, são muito mais racionais. Nessa situação, o patético a la Georges Sand da camarada Kollontai, sua superestimação dos problemas do amor, seu revolucionarismo ostensivo e artificial nessa área, me dão uma graça e lamentável impressão.
O problema do amor não tem a décima parte de significância nas nossas vidas do que a camarada Kollontai deseja atribuir em seus artigos, nos quais inutilmente e pateticamente desperdiça seu pathos e seu entusiasmo. É como matar moscas com tiros de canhão.
Por outro lado, o que é realmente importante e que está relacionado com o problema do sexo, à parte do erotismo, são, por exemplo, as questões da família, a questão das crianças, das gerações futuras no geral, questões que preocupam aos trabalhadores, especialmente ás trabalhadoras, mais que qualquer outra. Essas perguntas não interessam á camarada Kollontai. Mas tratemos mais sobre isso na continuação. […]
Que elegância! Efetivamente, estamos diante de uma obra magistral! Então, a camarada Kollontai sustenta que a situação da Rússia é agora tão positiva que já é tempo de começar a nos ocupar do “Eros alado” e nos pede que reordenemos as relações sexuais. Como? Já vamos analisar concretamente. Ainda que por costume diga acima que a interrupção (na revolução mundial e na guerra civil) é “temporal e relativa”, segundo suas conclusões e sugestões práticas, parece que teve lugar uma mudança fundamental. Tal avaliação da situação geral é uma ilusão muito prejudicial, cuja inadmissibilidade está tão claramente apoiada agora pelos acontecimentos na Alemanha. Também é necessário esclarecer que o erro da camarada Kollontai está longe de ser um erro somente individual. No contexto da NEP, durante três anos de trégua, em um vasto número de camaradas se consolidou a psicologia da “renovação pacífica”. De alguma maneira, se ignora e se esquece que a revolução proletária triunfou em somente em um setor, um setor muito menos importante que o econômico e o econômico ou cultural. Todos nós repetimos por costume que as grandes batalhas estão pela frente, que todos os perigos que nos ameaçam são enormes. Entretanto, na prática, muitos atuam como se já tivéssemos resolvido a questão do socialismo, senão completamente, mas pelo menos parcialmente. Não seria superficial, portanto, relembrar a todos, em particular ao propagandismo da nova época na esfera do amor, as belas palavras do camarada Trotsky nesse sentido, ainda que pronunciadas em um contexto diferente:
“[Colocamos os problemas culturais na ordem do dia. Ao projetar nossas preocupações de hoje sobre um futuro distante, podemos imaginar uma cultura proletária. De fato, por mais importante e vital que possa ser nossa política cultural, se situa inteiramente baixo a revolução européia e mundial]. Seguimento sendo, como antes, soldados em campanha. Temos, no momento, uma jornada de descanso, e temos que aproveitá-la para lavar nossa camisa, cortar e pentear o cabelo e, antes de tudo, limpar e engraxar o fuzil. Todo nosso trabalho econômico e cultural de hoje não é mais que uma certa colocação em ordem de nosso equipamento entre duas batalhas e entre duas campanhas. Os combates decisivos estão ainda diante de nós e, talvez, não tão longe. [Nossa época ainda não é a época de uma cultura nova, senão somente a entrada para ela. O primeiro que devemos fazer é nos apoderar oficialmente dos elementos mais importantes da velha cultura, pelo menos na medida que nos permita abrir o caminho para a nova.]”.
Se tivéssemos perguntado à camarada Kollontai se concorda com essas linhas, provavelmente teria se ofendido com a pergunta. Alguém pensaria isso. Ela é, apesar de tudo, uma grande “esquerdista”! Mas ao mesmo tempo, aparentemente falta a lógica necessária para pensar qual o objetivo que sua atual ênfase na questão do Eros significa politicamente. Ela não tem da intuição marxista e comunista para entender que, independentemente da substância mesma de suas ideias, sua ênfase excessiva e sua importância exagerada sobre esse problema, é um grande erro político. É um erro desde o ponto de vista das condições reais nas quais nossos trabalhadores e trabalhadoras comunistas devem ainda viver e trabalhar, algo que não deve ser esquecido. O que ela recomenda, na realidade? O que é que se supõe que se deve ocupar nossas mentes? Temos inflação, pobreza, salários baixos. As necessidades fundamentais das massas trabalhadoras estão longe de estar satisfeitas. Mais da metade de nosso país é analfabeto. Os jovens estudantes vivem em terríveis condições materiais: falta comida, roupa; não tem suficientes livros. Milhares de jovens contraíram tuberculose e sofrem distúrbios nervosos pela tensão mental e má nutrição. Muitos anos de trabalho são necessários antes de que a acumulação socialista comece a funcionar como é preciso, de modo que possamos providenciar alojamento, vestimenta e educação às centenas de milhares de órfãos, etc. Mas os pensamentos da camarada Kollontai estão presentes em outro lugar. O “doce Eros alado”, imaginem, está novamente reclamando seus direitos; “a energia excedente da alma está buscando se expressar em experiências espirituais”; “a lira afinada do alado ídolo do amor”; etc.
Posso afirmar com segurança que, para todos os lamentos da camarada Kollontai, nossa juventude consciente (não os estudantes secundaristas nem os filhos dos homens da NEP), responderá, não com uma “lira afinada”, senão com o sopro de um instrumento monótono, esse que chamamos de “apito”. E, além do mais, provavelmente seremos acusados, pelo que sei, de “lavrar na areia por usar uma pena” [para lhe responder] no lugar desse apropriado e simples artefato. Sem embargo, se continuarmos com uma análise séria do escrito por nossa respeitada embaixadora na Noruega, então, dado que a camarada Kollontai segue tendo algo de respeito em certos círculos de trabalhadoras e da juventude, seus admiradores demandam de nós argumentos sobre seu posicionamento.
Aliás, me parece que, se nos últimos escritos da camarada Kollontai que foram traduzidos ao alemão e lidos pelos trabalhadores e comunistas alemães, eles não considerariam, tendo publicado essas coisas em órgão comunistas para as mulheres e a juventude, como loucos ou começado a se degenerar rapidamente. Basta lembrar o que o atormentado e esgotado proletariado alemão enfrenta para se dar conta da grande falta de tato que semelhante literatura representa na escala internacional, tendo saído da caneta de uma das mais recentes líderes do movimento comunista de mulheres trabalhadoras.
Ademais, a camarada Kollontai vê na futura sociedade, também, o que deseja ver, e, apesar do fato de que ela (e isso já se tornou um costume entre nós) repete uma e outra vez que não devemos elaborar profecias sobre o que virá, acalmando sua consciência marxista com essa frase, não pode conter a curiosidade de contemplar esse futuro e confiar amplamente nele. Ela escreve: “Eros, o deus do amor, ocupará um lugar de honra como sentimento capaz de enriquecer a felicidade humana nessa nova sociedade, coletivista pelo seu espírito e suas emoções, caracterizada pela união feliz e relações fraternais entre os membros da coletividade trabalhadora e criadora. […] Nesse mundo novo, a forma normal, reconhecida e desejável das relações entre os sexos estará baseada puramente na atração saudável, livre e natural ‘sem perversões nem excessos’ dos sexos; as relações sexuais dos homens na nova sociedade estará determinadas pelo ‘Eros transfigurado’”.
A camarada Kollontai, consequentemente, está disposta, buscando propagar sua própria visão de Eros, não só em distorcer toda a história, mas também refazer todo o futuro do seu gosto. Na sociedade comunista, acaba que as relações entre os sexos devem estar organizadas ao “estilo Kollontai”. Certo, “sobres preferências não existe nada escrito” diz o provérbio, mas diante de qualquer tentativa de impor preferências particulares e privadas de uma só pessoa na sociedade futura devemos protestar custe o que custe.
Nesse sentido, as palavras do camarada Preobrazhensky são totalmente adequadas, quando diz em seu manifesto:
“Concretamente, é possível desde o ponto de vista dos interesses proletários, levantar e responder ao questionamento sobre que formas de relações entre os sexos serão as mais compatíveis, não com as relações sociais de produção atuais, mas com as relações sociais no socialismo: a monogamia, as relações temporárias ou as assim chamadas relações sexuais desordenadas? Até agora, os defensores de uma ou outra resposta a esse problema tendem a sustentar com todo tipo de argumentos suas preferências e hábitos pessoais em vez de dar uma resposta sociologicamente correta e baseada em um ponto de vista de classe. Aquele que concorda com a vida familiar e pessoal um tanto burguesa de Marx e com sua inclinação pela monogamia, tenta fazer da forma monogâmica do matrimônio um dogma, entrando em fundamentos biológicos e sociais. Há aqueles que se inclinam pelo oposto, buscam aprovar os “matrimônios passageiros” e o “comunismo sexual” como a forma natural de matrimônio na futura sociedade. A realização desse tipo de relações entre os sexos é vista às vezes com orgulho, como um “protesto em ação” à presente moral pequeno burguesa sobre a família. Na realidade, todas essas declarações sobre essa problemática mostram o fato de que aqueles que expressam as posições mencionadas recomendam para a sociedade comunista seus gostos pessoais como uma “necessidade objetiva”.
O que é que a camarada Kollontai recomenda aos trabalhadores e trabalhadoras, e à nossa juventude?
A totalidade de seu artigo se compõe de uma contínua moralização filosófica no campo das relações sexuais, e a história da Idade Média está analisada criticamente nos moldes dessa moralidade. Ela recomenda o seguinte: “A multiplicidade do amor em si mesma está por acaso em contradição com os interesses do proletariado? Todo o contrário: essa multiplicidade do sentimento de amor nas relações entre os sexos facilita a vitória do ideal do amor que se forma e cristaliza já no mesmo seio da classe operária: o amor-camarada”.
Por multiplicidade do amor ela se refere a um homem viver junto com várias mulheres e vice-versa. Mas é necessário dizer algo. O desejo de viver com várias pessoas é, em primeiro lugar, uma questão de temperamento, um produto das características puramente subjetivas e das preferências subjetivas do indivíduo. Mas a possibilidade de uma realização ampla de tais preferências depende, antes de tudo, da economia, do quanto a construção do socialismo avançou, que tão grande é o plusproduto da sociedade; em uma palavra, depende do quanto a coletividade completou o salto do reino da necessidade ao reino da liberdade.
É completamente possível que na sociedade futura, quando o êxito da produção faça possível o total desenvolvimento da personalidade humana, cada pessoa terá a suficiente liberdade em sua vida e em seu agir para que as formas das relações mútuas entre os sexos estejam determinadas quase completamente pelas inclinações pessoais, por seus temperamentos, etc. Entretanto, devemos pensar que muito provavelmente também haverá princípios reguladores sobre quais formas de interação são as melhores desde o ponto de vista da medicina e da eugenia.
Mas, voltando a situação de nossa existência cotidiana, de nossa realidade, devemos dizer que todas essas perguntas sobre a realização das relações sexuais giram (em condições de pobreza e desemprego, sobretudo entre as mulheres, e da falta na educação), principalmente, entorno á questão da familia e das crianças. Nesse sentido, nossa autora se mantém em total silêncio, se limitando à área puramente psicológica das discussões sobre o amor e, invariavelmente, se referindo aos “interesses do proletariado”, à “ideologia proletária”, etc. Se manter em silêncio sobre isso é se manter em silêncio sobre o mais importante, sobre o mais flamejante, sobre os problemas mais profundos da mulher trabalhadora, de toda mulher, e, logicamente, de todo homem. […] As massas não compartilham, de forma alguma, o ponto de vista de que o amor existe pelo amor em si mesmo, de que a mulher e o homem devem olhar-se mutuamente como objetos de prazer. É o amor realmente, adotado como uma conexão social e biológica, uma espécie de arte pela arte? Não é realmente o prelúdio da reprodução, da criação de crianças?
Não é supérfluo indicar o fato de que na festa organizada pela Seção de Mulheres Trabalhadoras do Comitê Central (Zhenotdel), em honra ao aniversário dos três anos da revista Kommunistka, várias trabalhadoras nos seus discursos protestaram contra o fato de que na revista artigos como esse da camarada Kollontai foram publicados. Dentro dessas considerações, uma delas apontou que o artigo da “irmã” camarada Kollontai era tão distante do espírito das trabalhadoras que, no geral, não o entenderam. Desse modo, a celebração em honra ao aniversário da revista Kommunistka inesperadamente terminou com uma crítica ao posicionamento do camarada Kollontai na esfera do Eros. Uma trabalhadora da Seção de Mulheres de Donbass estava absolutamente certa ao observar:
“Entre nós não há questionamento sobre o amor. Entre nós há o questionamento sobre as crianças. Essa é a questão. E qual é a situação das crianças? Mais de meio milhão de crianças não têm casa, estão dependentes do Estado e vivendo na pobreza, traumatizadas, em condições de pesadelo. Existem dezenas de milhares de crianças que as trabalhadoras não têm onde deixar pela falta de creches e de jardins de infância. A questão da criação social é a questão central da família e o problema do sexo não nos preocupa hoje em dia”.
Mas todas essas questões, tão profundamente problemáticas para as mulheres trabalhadoras, questão às quais elas estão esperando uma resposta antes de tudo, são ignoradas pela camarada Kollontai com o mais obstinado dos silêncios. Ela se ocupa exclusivamente da psicologia do amor, das emoções subjetivas dos amantes, e não pensa que se nossas trabalhadoras se voltam, em grande escala, ao “Eros alado” e se dão ao luxo de praticar o “poliamor”, para um grande número delas isso significa um aumento da família, da necessidade de criar novas crianças, no momento no qual não sabemos o que fazer com as que já temos. […]
Vivemos em um século de enormes revoltas sociais, em comparação com o qual o terremoto sem precedentes do Japão parece menor e insignificante. Décadas de revoluções e guerras socialistas requerem uma intensificação enorme das forças proletárias, e pessoas não menos quentes que o aço, com o qual vão saldar as contas com o velho mundo. Nosso Partido conseguiu produzir pessoas assim. Mas nem nosso Partido nem a geração de revolucionários populistas que o precederam educaram os jovens que os seguiam sobre os problemas do amor. Tinham muito com o que se preocupar. Até agora nossa juventude responderá confusos, no melhor dos casos, às tentativas da camarada Kollontai de educar a jovem geração de revolucionários nos problemas do amor, que cativaram em algum momento os parasitas como Pechorin e Onegin, enquanto se sentavam nas costas de seus servos.
1 Amor com asas em uma tradução menos poética.