Slavoj Žižek: O que nosso medo dos refugiados diz sobre a Europa

Por Slavoj Žižek, via Newstatesman, traduzido por José Mauro Garboza Junior (membro do Círculo de Estudos da Ideia e da Ideologia).

A verdadeira questão não é “os imigrantes são uma ameaça real para a Europa?”, mas “o que essa obsessão com a ameaça imigrante nos diz sobre a fraqueza da Europa?


Jacques Lacan afirmou que mesmo se a alegação ciumenta do marido sobre sua esposa – que ela dorme por aí com outros homens – seja verdadeira, seu ciúme continua sendo patológico. Por quê? A verdadeira questão não é “o ciúme dele é bem fundamentado?”, mas “por que ele precisa do ciúme para manter sua própria identidade?” No mesmo sentido, poder-se-ia dizer que mesmo se a maioria das alegações nazistas sobre os judeus fosse verdade – que eles exploram os alemães; que seduzem as garotas alemãs – o que não eram, claro, seu anti-semitismo ainda seria (e era) patológico, uma vez que reprime a verdadeira razão de os nazistas precisarem do anti-semitismo para sustentar sua posição ideológica.

E não é exatamente o mesmo com o medo crescente dos refugiados e imigrantes? Para extrapolar ao extremo: mesmo se a maioria dos nossos preconceitos sobre eles forem provados como verdadeiros – que eles são terroristas fundamentalistas disfarçados; que eles estupram e roubam – o discurso paranoico sobre a ameaça imigrante ainda continuaria sendo uma patologia ideológica. Isso fala mais sobre nós, europeus, do que sobre os imigrantes. A verdadeira questão não é se “os imigrantes são uma ameaça real para a Europa?”, mas “o que essa obsessão com a ameaça imigrante nos diz sobre a fraqueza da Europa?”

Aqui há duas dimensões que devem ser separadas. Uma é a atmosfera de medo, da luta contra a islamização da Europa, que tem suas absurdidades próprias. Os refugiados que escapam do terror são igualados aos terroristas dos quais eles estão escapando. O fato óbvio de que há terroristas, estupradores, criminosos etc, entre os refugiados, enquanto a grande maioria é de pessoas desesperadas procurando uma vida melhor – da mesma maneira que, entre os refugiados da República Democrática Alemã, havia também agentes da Stasi escondidos – recebe uma virada paranoica. Nessa versão, os imigrantes aparecem (ou fingem) ser refugiados desesperados, enquanto na verdade são as pontas de lança de uma nova invasão Islâmica da Europa. Acima de tudo, como é normalmente o caso, a causa dos problemas imanentes para o capitalismo global de hoje é projetada num intruso externo. Um olhar desconfiado sempre encontra o que está procurando: as “provas” estão em toda a aprte, mesmo que metade logo seja provada como falsa.

A outra dimensão é a idealização humanitária dos refugiados. Esta descarta qualquer tentativa de confrontar abertamente as difíceis questões que surgem quando aqueles que seguem maneiras diferentes de vida coabitam como uma concessão à direito neo-fascista. O espetáculo tragicômico da auto-culpabilização sem fim no qual a Europa alegadamente traiu sua própria humanidade – o espetáculo de uma Europa homicida deixando milhares de corpos afogados em suas fronteiras – é um espetáculo egoísta, sem qualquer potencial emancipatório. Tudo de “ruim” sobre o outro é descartado, ou como nossa projeção (racista ocidental) no outro, ou como o resultado de nossos maus tratos (imperialista ocidental), através da violência colonial, do outro.