Por Felipe Dias
Resenha do livro de Boris Fausto, “A revolução de 1930: história e historiografia”. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, 16ª Ed.
A revolução de 1930: história e historiografia foi apresentado por Boris Fausto como sua tese de graduação em História pela Universidade de São Paulo, após o autor ter se graduado em Direito pela mesma universidade. Abordando a ascensão de Vargas ao poder, em 1930, o livro se inseriu no debate historiográfico da esquerda da década de 1960 a respeito da caracterização da Revolução de 1930 como uma revolução burguesa.
A tese predominante nos anos 60, que tinha como pressuposto uma concepção dualista da formação social brasileira, dividida, em decorrência de sua condição de subdesenvolvimento em dois setores contraditórios entre si, um setor “semifeudal” e um capitalista, postulava que a Revolução de 1930 teria representado uma ruptura revolucionária, com a substituição no poder da classe agrário-exportadora, ancorada no latifúndio “semifeudal” e aliada ao imperialismo, pela burguesia industrial, aliada às classes médias e aos militares, já inserida no modo de produção capitalista e interessada no desenvolvimento da indústria nacional com base no mercado interno.
Tal tese, segundo Boris Fausto, se mostra equivocada na medida em que não havia contradição necessária entre os setores agrário-exportadores e o desenvolvimento industrial. A oposição à hegemonia da burguesia cafeeira (cuja caracterização como fração de classe assentada em relações “semifeudais” é errônea) não se originou dos setores industriais, mas sim de dentro da própria fração de classe dominante, na forma de um embate regional entre São Paulo e o bloco liderado por Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Não houve uma efetiva substituição das classes no poder, nem alteração imediata da estrutura socioeconômica.
Também é falsa a tese de que a revolução tenha sido feita em nome dos interesses das classes médias, uma vez que a representação dessas classes pelos militares não se deu de forma mecânica, tendo estes se motivado por fatores próprios, como a defesa nacional e a influência de ideologias antiliberais entre os tenentes.
Derrubada a burguesia cafeeira, dada a incapacidade das demais frações de classe de estabelecerem sua hegemonia, criou-se um Estado de compromisso, que se caracterizou pela centralização do poder e intensificação de sua intervenção no domínio econômico, e pela subordinação e intermediação das oligarquias tradicionais, bem como das demais classes, dentro do Estado. Embora a análise do processo demonstre serem falsas as teses da ascensão ao poder da burguesia industrial ou da “revolução pelo alto”, a nova forma do Estado possibilitou o desenvolvimento industrial e autônomo.
Ponto de referência obrigatório na historiografia da Revolução de 1930, a obra de Fausto se tornou clássica por ter o mérito de refutar as teses dualistas dos anos 60, inseridas no debate sobre o desenvolvimento e a revolução brasileira, mostrando as falhas na visão segundo a qual houve uma substituição direta das classes dominantes. No entanto, ao tentar refutar também a hipótese de que a Revolução de 1930 tenha realizado uma revolução burguesa “pelo alto”, Fausto descartou as ricas possibilidades interpretativas que se apresentam na análise do nexo entre a o episódio estudado e o desenvolvimento industrial no país, com a consolidação do poder econômico da burguesia industrial.
Tal análise tem como possível referência teórica o conceito de revolução passiva, elaborado por Antonio Gramsci a partir da análise do Risorgimento na Itália, entendido tal conceito como um processo revolucionário de consolidação do capitalismo (pela burguesa industrial, no caso brasileiro) sem a presença de um momento “jacobino”, com efetiva participação popular, mas justamente evitando tal participação, e ao mesmo tempo atendendo certas demandas populares, o que efetivamente ocorreu no Brasil. O paralelo entre a Revolução de 1930 e o Risorgimento italiano se reforça na medida em que, à semelhança do episódio histórico italiano, a burguesia industrial no Brasil (como em outras parte do mundo), abriu mão de sua função hegemônica (isto é, como liderança intelectual, moral e política) em benefício de uma nova força (o Piemonte, na Itália, e o Estado Novo, no Brasil) que fizesse valer seus interesses.
Embora a obra de Fausto seja ainda um ponto de partida para a compreensão do debate suscitado pela Revolução de 1930 na historiografia, a evolução da literatura nas últimas décadas, incluindo as análises de corte gramsciano, compromete sua atualidade.
BIBLIOGRAFIA:
COUTINHO, Carlos Nelson, As categorias de Gramsci e a realidade brasileira, in Crítica Marxista, Roma, Editori Riuniti, nº 5, ano 23, 1985, pp. 35-55.
FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930 – História e historiografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, 16ª Ed.
GÓIS MONTEIRO, Pedro Aurélio de. A revolução de 30 e a finalidade política do Exército, Rio de Janeiro: Adersen, s. d.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, v.5, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A revolução de 1930 e suas versões in ABREU, Alzira Alves de, et a (orgs.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (pós-1930). Rio de Janeiro: Ed. FGV/CPDOC, 2001, vol. V, pp. 5002-5006.