Não é hora de criticar Lula?

Por Gabriel Landi Fazzio

Lula acredita que conciliar a esquerda e os trabalhadores com a burguesia liberal é o único caminho para isolar e derrotar o bolsonarismo. Mas esse é justamente o caminho que incubou e fortalecerá a extrema-direita. Para lutar por uma tática de independência de classe e por uma estratégia anticapitalista, é fundamental denunciar as manobras oportunistas de Lula e intensificar a organização da luta de massas desde já. Às ruas em 7 de setembro!


Não é raro confundirmos nossos desejos com a realidade. Entendo e compartilho com qualquer trabalhador(a) consciente o desejo pela construção da mais massiva e vigorosa unidade da classe proletária. Compreendo também que pareça óbvio, e mais fácil, começar a unidade “do maior para o menor”, e considerar indispensáveis aquelas organizações e personalidades mais influentes entre os trabalhadores – mesmo quando essas organizações e personalidades assumidamente não desejam limitar-se à unidade independente da classe trabalhadora e, ao contrário, costuram acordos amplos com a burguesia brasileira, dando de barato que o resto da esquerda lhes seguirá a reboque. O que não consigo compreender, então, é como seria possível alegar o desejo por uma “unidade da esquerda sem a direita” e renunciar à agitação de denúncia de todas as manobras políticas que impeçam essa unidade da esquerda sem a direita. Afinal, cada vez que Lula ou um dirigente petista sinalizam alianças com a burguesia, eles sabotam a “unidade da esquerda sem a direita”, correto?

Mas aqui temos um problema, já que as várias camadas da classe proletária tomam consciência a ritmos desiguais (mantenhamos essa ideia em mente) da inviabilidade imediata daquele desejo inicial. Se as organizações maiores e mais influentes não desejam uma unidade apenas com a “esquerda” (com as organizações dos trabalhadores e do povo pobre), então os setores da classe trabalhadora que mantém levantada essa bandeira são forçados a uma escolha: ou, em nome da unidade de todas as organizações de esquerda, engolir a aliança com a direita; ou, em nome da independência de classe do proletariado, organizar essa unidade entre aqueles que assim a desejam – e quem deseja a aliança com a direita que a faça sem nós.

Isso é bem evidente, e não devemos ter muita dúvida de como a maioria da classe trabalhadora (desorganizada, enfraquecida e desorientada ideologicamente pela política de conciliação de classes) tende a se posicionar diante dessa encruzilhada: aceitando as alianças com partidos burgueses em nome de assegurar a vitória contra Bolsonaro. Organizações como o PCO têm o mérito, ao menos, de serem bastante francas quanto a isso: seu reboquismo a Lula e ao PT é incondicional e desesperado, e por isso sequer questionam ou propõem quaisquer alianças que não aquelas que o próprio Lula já deseje. Outras organizações, no entanto, vêm ensaiando um reboquismo um pouco mais sutil, disfarçado de “entrismo nas bases petistas” (algo que o PCO sem dúvida também pretende estar fazendo, e talvez faça até melhor). Nas sintéticas palavras do dirigente nacional e publicista da Resistência, Gabriel Casoni:

A maioria do povo trabalhador quer Lula de volta. Lula quer alianças amplas para ganhar as eleições e governar. A maioria dos trabalhadores vê em Lula a alternativa para derrotar Bolsonaro. Lula negocia alianças regionais com líderes do centrão no Nordeste. […] Porém, defender o nome de Lula, sem criticar sua política de alianças e limitações programáticas, significa ceder ao pragmatismo petista e ao programa da conciliação de classes, que já demonstraram sua falência estratégica no golpe de 2016, que foi liderado pelos antigos ‘aliados’ da direita contra Dilma. É possível combinar o diálogo com o povo trabalhador que quer derrotar Bolsonaro votando em Lula sem abrir mão da política combativa e de um programa realmente de esquerda? Sem nenhuma dúvida. A política da Resistência, corrente interna do PSOL, busca exatamente responder a esse desafio. Precisamos de uma Frente de Esquerda, nas lutas e nas eleições, para derrotar Bolsonaro — nada é mais importante que isso. Lula é o melhor nome para encabeçar essa Frente, pela sua autoridade e influência junto às grandes massas populares. Mas discordamos da sua política de alianças e dos limites do seu programa. Apresentamos ao debate público outra linha de alianças e outra base programática. Não achamos que vamos convencer Lula da estratégia e programa anticapitalistas, mas queremos, com essa linha política tática, abrir diálogo com os setores mais conscientes do nosso povo.” [1]

Em resumo, a posição da Resistência é essa: sabem que Lula fará de tudo para sabotar uma “unidade da esquerda sem a direita”, e sabem que deixar de criticá-lo por isso significa ceder ao petismo e ao programa de conciliação de classes. Será que pretendem, então, em nome da “unidade da esquerda sem a direita”, promover uma ampla agitação a fim de convencer a maioria dos trabalhadores dessa simples verdade – de que Lula sabota esse projeto de forma diária e sistemática? Não, pois criticar Lula dificulta o “diálogo” que pretendem abrir “com os setores mais conscientes do nosso povo” – curiosamente, na visão da Resistência “os setores mais conscientes do povo” são justamente aqueles mais próximos da zona de influência da política de conciliação de classes. Essa fraseologia adulatória não esconde suas intenções…

“É possível combinar o diálogo com o povo trabalhador que quer derrotar Bolsonaro votando em Lula sem abrir mão da política combativa e de um programa realmente de esquerda?”, pergunta-se o propagandista da Resistência. E responde sem hesitar: “Sem dúvida”. Mas, a despeito dessa resposta segura, a verdade é que “o povo trabalhador que quer derrotar Bolsonaro votando em Lula” não é um todo homogêneo: ele não é apenas composto daqueles que desejam “derrotar Bolsonaro votando em Lula sem abrir mão da política combativa”, mas também por imensas camadas de pessoas que se mostram dispostas a abrir mão de uma política combativa em nome de derrotar Bolsonaro votando em Lula. Gente que votaria em Ciro, em Dória, em suma, em qualquer um contra Bolsonaro. Eis o quão longe o pragmatismo petista já levou parcelas de suas bases. Como demarcar uns dos outros, os “petistas combativos” dos “pragmáticos”? Como contribuir para fazer os melhores dentre esses elementos avançarem para longe dos outros, se diferenciando? Isso a Resistência não responde, e pelo contrário: amarra suas mãos, renunciando à tarefa histórica de toda militância que deseja ser revolucionária não só em palavras, mas em ações – o trabalho de elevação e diferenciação das camadas do proletariado por meio da agitação de denúncia, da propaganda teórica e da organização independente.

“Precisamos de uma Frente de Esquerda, nas lutas e nas eleições, para derrotar Bolsonaro — nada é mais importante que isso”, afirma Gabriel com segurança. Mas, na visão de Lula e de milhares de seus apoiadores, o mais importante é derrotar Bolsonaro, e a Frente de Esquerda em nada contribui para isso – o que contribui, acreditam, são as alianças com a direita! De alguma forma, portanto, a Resistência sabe que Lula é incapaz de encabeçar essa política que a Resistência propõe – mas precisa fazer reverências a Lula como “o melhor nome para encabeçar essa Frente”, em nome de “abrir diálogo” com os defensores de Lula na base do movimento operário e popular.

Em síntese: Lula acredita que sua política de conciliação de classes seja a mais eficiente para derrotar eleitoralmente Bolsonaro (e manter-se no governo depois, é claro, por meio de uma política de conciliação). A Resistência pensa diferente disso – mas (em nome de não ofender a sensibilidade dos petistas) abre mão de denunciar a sabotagem de Lula à independência de classe do proletariado unido. Tudo em nome de um momento (podemos supor, sendo generosos com os socialistas-e-libertários da Resistência) em que Lula anunciará formalmente o seu vice burguês, ou coisa que o valha, e então a Resistência poderá “mostrar pela prova da prática” que Lula não deseja a independência anticapitalista dos trabalhadores – mesmo que isso signifique, até lá, renunciar a promover uma intensa agitação com base em todo o material factual que Lula já forneceu ao longo de décadas, e que segue oferecendo, que comprova pela sua própria prática sua limitação convicta ao reformismo do capitalismo.

Curiosamente, essa tal “prova da prática” ocupa lugar central na tática da Resistência. Mas, aqui, ela parece produzir efeitos sobre a consciência espontaneamente; como se a “prova da prática” não produzisse seus efeitos sobre a consciência justamente e apenas quando é acompanhada por uma vigorosa agitação e propaganda da vanguarda entre as massas. O raciocínio é de um espontaneísmo da consciência que sai pela culatra: enquanto sua agitação reforça nos trabalhadores a ilusão de que é possível uma Frente de Esquerda anticapitalista com Lula (em vez de combater essa ilusão), a mesma corrente espera por um momento catártico em que a prática demonstrará “por si mesma” que devemos apostar numa estratégia anticapitalista, e não em Lula. Fica a questão: se todas as traições de Lula ainda não “provaram pela prática” isso, de que modo seria diferente dessa vez?

Não há dúvidas de que o raciocínio da Resistência tem validade, e pode inclusive lhe render frutos, como tem rendido ao PCO – mas dificilmente a validade dessa tática envolveria “as camadas mais conscientes do povo”, como acreditam. Pelo contrário, essa política tende a aproximar a Resistência daquelas camadas mais atrasadas e conciliatórias do movimento dos trabalhadores: não só daquelas camadas lulistas absolutamente indiferentes a uma política anticapitalista, mas em especial de todo o vasto pântano centrista daqueles que juram, de forma “bem-intencionada”, que são anticapitalistas, socialistas, comunistas e marxistas, mas… como “a revolução está muito longe”, vão sendo lulistas “por enquanto”. E, em vez de contribuir para mostrar a essas camadas (de fato, “as mais conscientes”, mas apenas em relação aos demais setores reformistas, e não no geral) a inviabilidade de conciliar lulismo e anticapitalismo… a Resistência tranquiliza essas camadas, afirmando que é bem possível sim tal mediação, bastando um diálogo “sem ultimatos”, nos dizeres do companheiro Valério Arcary [7].

E se não bastasse silenciar diante da sabotagem lulista à “frente de esquerda sem a direita”… a Resistência acredita que é o PCB, com a denúncia desta sabotagem, quem sabota a Frente Única. Nessa visão, não é a maioria reformista que sabota a Frente Única Operária para a luta de massas em nome de ir apenas desgastando eleitoralmente Bolsonaro rumo a 2022, mas justamente quem denuncia essa sabotagem, na verdade, que sabota a unidade de ação! Isso só pode fazer sentido para quem já há muito tempo borrou as fronteiras entre a Frente Única Proletária nas lutas extraparlamentares e a mera frente eleitoral com o social-liberalismo. Nós, sabendo que as duas coisas não são a mesma, não nos intimidamos com essa fraseologia esquerdista para encobrir políticas centristas: a Frente Única Proletária tem apenas a ganhar com a mais intensa agitação e demarcação entre seus elementos, de modo que sejam os elementos mais ativos e avançados a pautar a dinâmica da ação, e não os mais inertes e atrasados a, com seu peso predominante, deter e protelar a ação. A Resistência tem medo de que as críticas afugentem os petistas da luta – o que só prova a inconsistência da suposta “combatividade petista”. Ainda assim, apostam todas suas fichas nesse mesmo setor, que julgam ser “o mais consciente de nosso povo”…

Como já disse, se a maioria reformista das direções de esquerda deseja uma unidade com a direita, aqueles que desejam uma Frente de Esquerda têm duas opções: engolir a aliança com a direita em nome de manter a esquerda eleitoralmente unida, ou então, em nome da independência de classe do proletariado, organizar essa unidade entre aqueles que assim a desejam, e quem deseja a aliança com a direita, que a faça sem nós. A essência da tática da Resistência consiste, portanto, em atrasar e protelar essa definição, obscurecendo as divergências estratégicas no seio da classe proletária. Só que atrasar e protelar essa decisão para mais perto das eleições, num momento a agitação pragmática se intensifica e a histeria imprime um ritmo alucinante ao debate tático-estratégico, significa desde já decidir: a unidade com Lula para derrotar Bolsonaro é mais importante do que criar as condições (hoje inexistentes) para uma Frente de Esquerda sem a direita.

Isso não é apenas o resultado lógico e necessário da estratégia reformista à qual a Resistência vem se agarrando (“A luta por um governo de esquerda deve ser o centro da estratégia”, defendia Valério Arcary em seu artigo “Reformas estruturais e medidas anticapitalistas para um governo de esquerda” – artigo que, sintomaticamente, associa a vitória de um “governo de esquerda” diretamente a Lula e à via eleitoral. Fica o mistério: se Gabriel Casoni sabia que era impossível convencer Lula de um programa anticapitalista, de que modo Valério Arcary considera que a viabilidade de “medidas anticapitalistas” passa por um “debate sem ultimatos” entre os socialistas e Lula?). Isso é também a política prática que a Resistência vem promovendo. Um exemplo emblemático.

No último dia 23, Lula visitou, em Fortaleza, Eunício Oliveira, seu aliado de longa data. “É importante destacar nossa união e confluência de ideias em prol de um país mais justo e com mais oportunidades para os brasileiros”, frisou Eunício na ocasião.[2]

Haveria melhor exemplo da política burguesa conciliadora do que Eunício de Oliveira (MDB)? Empresário do ramo de transportes de valores, segurança privada e alimentos, possui um patrimônio declarado de R$89 milhões. Escalou, de 1998 a 2019, da posição de deputado federal para presidente do senado, passando pelo Ministério da Comunicação de Lula no meio do caminho, entre 2004 e 2005 (sendo derrubado em meio à ofensiva de Roberto Jefferson contra o governo). Como bom oportunista, declarou, sobre seu voto a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, que “sempre foi lulista, mas não petista”, e que: “Eu não participei de golpe, eu não participei de impeachment, fui voto vencido”. [3]

E para o lulismo, isso basta para redimir Eunício. A Resistência, por sua vez, nos disse, pelas palavras de Gabriel Casoni, que era preciso criticar a política de alianças regionais com o centrão, por exemplo, no Nordeste. Se toda a tática já não padecesse das contradições internas apontadas anteriormente, seria esse um ótimo momento para a Resistência denunciar a sabotagem de Lula a uma “Frente de Esquerda”. No entanto, não foi essa a opção da organização.

A escolha, ao contrário, foi promover uma ampla agitação divulgando a iniciativa de Nestor Bezerra, quadro da Resistência, que utilizou-se de sua posição sindical como dirigente dos operários da construção civil de Fortaleza para prestar uma homenagem a Lula! No dia 21, pouco antes da visita de Lula a Eunício, Nestor informou:

Em nome dos operários da construção civil de Fortaleza, presenteamos o ex-presidente com um capacete dos operários e destacamos o papel que ele pode cumprir na construção de uma frente de esquerda nas lutas e nas eleições para derrotar Bolsonaro. Uma frente das esquerdas e movimentos sociais, sem setores da direita e com um programa que reverta toda a agenda ultra-neoliberal começando pelo teto dos gastos, que garanta emprego com direitos e acabe com a fome.” [4]

Poderíamos supor, então, que após esse gesto, quando Lula cuspisse na cara da solicitação por uma “frente das esquerdas sem setores da direita”, confabulando com Eunício, o companheiro da Resistência então protestaria, denunciado a recusa, correto? Mas, ao contrário disso, no próprio dia 23, depois de já noticiado o encontro entre Eunício e Lula, Nestor Bezerra voltou a divulgar seu gesto, como se nada tivesse acontecido:

Com Lula no Encontro dos Movimentos Sociais. Entregamos ao ex-presidente um capacete dos operários da construção civil de Fortaleza e reforçamos que os operários vêem nele a esperança de derrotar Bolsonaro. E para que isso de fato ocorra, é preciso que Lula chame desde agora, a luta nas ruas pelo Fora Bolsonaro, e busque unir as esquerdas com um programa anticapitalista. Uma frente de esquerda nas lutas e nas eleições, sem setores da direita, defendendo desfazer todas as reformas e ataques de Temer e Bolsonaro aos trabalhadores, é a saída para derrotarmos o neofascismo no Brasil.” [5]

É assim que se faz!”, [6] celebrou no Facebook o mesmo Gabriel Casoni que nos assegurou que “defender o nome de Lula, sem criticar sua política de alianças” significa “ceder ao pragmatismo petista e ao programa da conciliação de classes”.

É assim que a Resistência vem girando: de um “apoio crítico” ao petismo contra Bolsonaro a um “apoio cínico” disfarçado de “luta por uma frente de esquerda com Lula sem a direita”, na qual somem as críticas à conciliação lulista e sobra apenas a agitação e propaganda que difundem a ilusão em uma tática que o próprio Lula torna impossível!

Entendo perfeitamente que, nos momentos em que a luta defensiva salta para o primeiro plano, em que a classe trabalhadora é empurrada para o terreno da resistência, se difunde o pessimismo e o espírito de desistência da contra-ofensiva. Prolifera, nessa época, o liquidacionismo dentro das próprias organizações radicais. Se dissemina a renúncia a orientar a luta contra os reacionários burgueses sob a bandeira da revolução socialista, em nome de, “anti-sectariamente”, nivelar a oposição pela esquerda liberal majoritária. Sintomas do fatalismo dos fracos, como chamava Gramsci. O que é de se espantar, no entanto, são menos essas formas abertas do reboquismo, representadas pelo PCO, do que essas formas híbridas e transitórias, como as que Gabriel Casoni defende. A narrativa empunhada por Arcary em defesa de sua estratégia é, nesse sentido, mais consequente, porque admite abertamente a renúncia a estabelecer a “demarcação com PT e Lula”, porque, se o fizesse, essa demarcação “seria percebida por imensos setores das massas populares como um obstáculo para derrotar Bolsonaro.” [7] E, aqui, o nó se desata: é evidente que também a exigência de uma “frente de esquerda sem a direita” “seria percebida por imensos setores das massas populares como um obstáculo para derrotar Bolsonaro” e que, portanto, pouca alternativa restará, ao fim e ao cabo, do que declarar apoio a Lula, mesmo com a direita…

As mais influentes direções da classe trabalhadora defendem a unidade com a direita em torno de Lula (isso para nem mencionar os neo-ciristas da CSB e da Farsa Sindical, que já levaram a sua aliança com a burguesia ao patamar da organicidade partidária e econômica). A ideia de uma unidade da esquerda sem a direita pode até ser popular entre uma minoria de organizações socialistas e entre parcelas das bases petistas – mas mesmo aqui, como já vimos, essa ideia não figura como uma condição para o apoio à candidatura de Lula contra Bolsonaro. A questão que fica é: de que modo uma tática que abre mão da agitação de denúncia pode contribuir para elevar o nível ideológico e organizativo da classe trabalhadora? Como, se ela borra as fronteiras entre a política reformista e a política anticapitalistas, agitando a ilusão da viabilidade de uma política anticapitalista em aliança com Lula? Como, se ela teme dizer as verdades difíceis que ainda não são reconhecidas pela maioria? Unidade com Lula e o diabo contra Bolsonaro ou política anticapitalista independente do proletariado: eis as únicas alternativas colocadas para a classe trabalhadora, e faz melhor quem admite o próprio desespero e abraça a primeira, do que quem defende a primeira com fraseologia a favor da segunda. Tentando equilibrar-se entre ambas, a Resistência será irresistivelmente atraída para onde a gravidade é mais forte: em direção ao pragmatismo. O que sobra, então, é só uma autoproclamação de boas intenções revolucionárias, desamparada de uma luta ideológica revolucionária cotidiana e sistemática. Isso sim merece o nome de “revolucionarismo autoproclamatório”! [8]

Não é raro confundirmos nossos desejos com a realidade. Entendo e compartilho com qualquer trabalhador(a) consciente o desejo pela construção da mais massiva e vigorosa unidade da classe proletária. Compreendo também que pareça óbvio, e mais fácil, começar a unidade “do maior para o menor”, e considerar indispensáveis as organizações e personalidades mais influentes entre os trabalhadores. Mas é dever de toda política revolucionária (se deseja manter-se revolucionária e ser consequente com as verdades elementares da experiência histórica do proletariado), paciente e prolongadamente, criar as condições efetivas para essa unidade avançada por meio de uma agitação e de uma propaganda que reconheça a inviabilidade desse caminho ilusório; apontar que a viabilidade histórica de uma unidade efetiva, independente e anticapitalista da classe trabalhadora passa, necessariamente, pela reorganização da classe proletária em torno de organizações classistas independentes e anticapitalistas, por meio de um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora, organizado desde as bases – não pela simples conciliação entre as direções revolucionárias e as reformistas. Em nome da unidade de ação extraparlamentar do proletariado, devemos fazer quantos chamados à luta sejam necessários a todas as organizações dos trabalhadores, mesmo as reformistas. Mas isso não significa jogar para baixo do tapete as verdades difíceis, em nome da aparência de uma facilidade imediata. Muito menos significa subordinar a unidade de ação na luta de massas à unidade eleitoral.

Aqueles que chantageiam os comunistas, alegando que nos falta compromisso com o objetivo imediato de derrubar Bolsonaro, deviam antes de mais nada denunciar o próprio sr. Lula, cuja tática consiste exatamente em protelar a luta pela saída de Bolsonaro para 2022, em nome de assegurar sua vitória eleitoral! Lula acredita que conciliar em sua candidatura reformista a esquerda e os trabalhadores com a burguesia liberal é o único caminho para isolar e derrotar o bolsonarismo. Mas esse é justamente o caminho que incubou e seguirá fortalecendo a influência da extrema-direita entre as massas. Para lutar por uma estratégia anticapitalista e por uma tática de independência de classe, é fundamental denunciar as manobras oportunistas de Lula e intensificar a organização da luta de massas desde já, sem esperar pelas eleições. Às ruas em 7 de setembro!


[1] https://esquerdaonline.com.br/2021/08/21/lula-o-povo-trabalhador-e-o-psol/

[2] https://www.facebook.com/euniciooliveiraoficial/posts/4324751637607294

[3] https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2018/10/eunicio-diz-que-sempre-foi-lulista-e-afirma-ter-sido-contra-o-impeachm.html

[4] https://www.facebook.com/NestorBezerraPsol/posts/1477891519211752

[5] https://www.facebook.com/NestorBezerraPsol/posts/1479032762430961

[6] https://www.facebook.com/gabriel.freitascasoni/posts/4580004605383938

[7] https://esquerdaonline.com.br/2021/08/20/o-que-esta-em-disputa-no-congresso-do-psol-tres-perguntas-simples/

[8] A peça em resposta ao artigo do camarada Jones Manoel é sintomática: revela a conexão entre o giro da Resistência e o balanço “autocrítico” que a corrente faz da sua experiência no PSTU. Sua principal preocupação tornou-se livrar-se do sectarismo do passado, o que é bastante compreensível em princípio. Mas, ao fim, essa preocupação os colocou em guarda contra sua própria sombra. Para evitar qualquer sectarismo, qualquer “autoproclamação”, consideram melhor adotar uma concepção difusa e leniente do que seja o revolucionarismo consequente, em oposição ao “autoproclamatório”. Parece que consideram como a fonte do sectarismo o próprio esforço da política proletária revolucionária em se demarcar da política reformista de conciliação de classes. Remover a agitação e a propaganda revolucionária do centro de suas preocupações, e colocar no seu lugar as operações eleitorais da social-democracia predominante no movimento dos trabalhadores, esse certamente é um modo de “curar-se” do “revolucionarismo autoproclamatório”. Mas, então, o que sobra de revolucionário nesta política, senão a autoproclamação, a declaração de intenções, o prestígio passado, em meio a uma prática presente social-democrática?


Foto na página de Eunício Oliveira no Facebook, sem créditos: o burguês expropriou também os direitos autorais de seus fotógrafo assalariado.

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8 comentários em “Não é hora de criticar Lula?”

  1. O autor poderia ser mais conciso. Sendo assim prolixo, afasta muitos leitores de um assunto relevante. Concordo com boa parte do que está escrito, mas me foi penoso ler tudo isso e creio que poucos lerão. A mensagem foi encoberta pelo meio.

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    • Obrigado pela crítica construtiva, Hélio! Realmente, escrevi um pouco às pressas, e tive dificuldade de “desenrolar” algumas passagens. Obrigado por persistir na leitura mesmo assim! Ass. Gabriel Landi

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      • Landi, concordo com a crítica do Hélio. O texto tem muitas repetições, ainda que entenda que o motivo seja as ênfases. Li até o final por ter críticas parecidas ao PT, ao Lula e ser um socialista que defende a revolução, mas creio que se mandar para amigos e amigas reformistas eles não lerão até o final e dê mais destaque as repetições que as críticas ao Lula, ao PT e aos setores reformistas.

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