Por Marcelo Bamonte e Jodi Dean
A intelectual comunista e professora universitária estadunidense Jodi Deean reflete sobre o estágio organizativo da esquerda radical, a partir de sua teoria do corpo e do sujeito político, buscando respostas que capacitem as forças revolucionárias a assumir uma posição dirigente na luta de classes.
Na luta para a construção de novos horizontes, a organização é fundamental. É assim que pensa a professora marxista Jodi Dean, 58, militante do PSL (Party for Socialism and Liberation) dos Estados Unidos. “devemos continuar a extrair de Lênin o imperativo absoluto de se organizar e de nos mantermos organizados”, completa. Dentro de sua carreira acadêmica, a escritora já coleciona mais de treze publicações, sendo as mais famosas O horizonte comunista e Camarada: um ensaio sobre pertencimento político, publicado em 2019 (ambas inéditos em português).
Sua teoria, que bebe de fontes pós-modernistas, leninistas e da psicanálise, não abandona o estrito senso de urgência para a construção de uma nova movimentação política. Aliás, orbitando entre os mais diversos significados, a busca de um corpo político que envolva as massas parece ser um dos maiores desafios a serem cumpridos para a reconstrução dos movimentos revolucionários. “Se você não tentar se engajar na luta de uma forma concreta, material e organizada, então você não está fazendo nada, está apenas adicionando à esfera da mídia ao invés de participar da luta”, enfatiza.
Mas essa busca é árdua, assim como a reconstrução e o senso de pertencimento à luta que possa vir a destronar um sistema que oprime e explora a classe trabalhadora. Se por um lado “é difícil para as pessoas verem a promessa política e de poder de um povo revolucionário”, por outro, é necessária a construção de um senso coletivo de organização que não só situe a classe trabalhadora como sujeito de sua própria história, mas que forneça as condições para tal práxis. “Temos que canalizar esse conhecimento para a convicção de que lutar – e lutar contra isso – e principalmente derrubar tudo isso é possível”, finaliza.
A entrevista segue na íntegra:
LavraPalavra: Seu trabalho reflete sobre os possíveis horizontes comunistas e a possibilidade das massas agirem como um sujeito revolucionário. Para você, que lições podemos aprender de Lênin que podem ser aplicadas hoje? Os conceitos revolucionários de partido de vanguarda e luta anti-imperialista adaptam-se hoje à luta dos países do primeiro mundo?
Jodi Dean: Eu penso que uma das coisas mais importantes que aprendemos com Lênin, e é uma lição que muitos, particularmente na esquerda dentro dos países imperialistas, simplesmente abandonaram, é que você tem que se organizar! Há um tipo de senso comum estranho que se instalou na esquerda nos últimos 30 ou 40 anos que é totalmente espontaneísta, tanto que pensa que os compromissos organizados com a luta são necessariamente constrangedores ao invés de capacitantes. Então, eu acho que a coisa absolutamente mais importante que devemos continuar a extrair de Lênin é o imperativo absoluto de se organizar e de nos mantermos organizados. E, assim que se começa, há um monte de coisas que mentalmente e até conceitualmente começam a mudar. Você começa a perceber que um monte de coisas diferentes que passam como “críticas” em partes da esquerda na verdade não são particularmente interessantes ou relevantes, porque elas não tem nada a ver com organização, com como você está tentando construir uma força coletiva capaz de assumir o poder e vencer. Então eu acho que um foco em se organizar também começa a instalar muita clareza e redireciona o pensamento de uma forma que tem potencial para realmente ser algo, para realmente ser uma força material.
LavraPalavra: Falando sobre organização, Slavoj Žižek escreve que “se você quiser renovar o projeto comunista como uma alternativa real ao capitalismo global, temos que marcar uma ruptura clara com a experiência comunista do século 20”. Olhando para o desenvolvimento das forças produtivas no novo século de globalização intensa, você vê esta afirmação como correta? Se sim, como podemos renovar este projeto?
Jodi Dean: Para ser honesta, eu não tenho 100% de certeza do que ele quer dizer com uma “ruptura clara”. Quero dizer, a União Soviética não existe mais, se isso não for uma ruptura clara, eu não sei o que é (risos). Talvez ele queira uma ruptura com um foco eurocêntrico e que esteja totalmente investida nas lutas comunistas em todos os outros lugares no mundo. Por que alguém gostaria dessa ruptura? Talvez romper com o projeto europeu? Talvez seja isso o que significa, mas não acho que seja. Não acho que “romper” seja a palavra certa, acho que devemos mudar o foco para de onde vem a inspiração certa. O que dizer dos partidos e lutas em andamento que não desmoronaram ou entraram em colapso em 1991? Só para ficar bem claro, não estou 100% certa do que ele entende por ruptura completa. Na verdade, eu não acho que seja consistente (esse argumento) em seu trabalho, considerando que ele continua a se inspirar em Lênin. Quero dizer, se seria uma ruptura clara, por que ele ainda estaria escrevendo através de Lênin ao invés de promover esse rompimento que ele mesmo clama? Então, eu não sei, não acho que não faz muito sentido falar em termos de uma ruptura. Acho que faz sentido estar inspirado pela natureza contínua das lutas contra o capitalismo e as lutas contra o imperialismo, estarmos inspirados pelos camaradas que estiveram dispostos a morrer nesta luta, e eu não quero me separar delas, eu quero segurá-las lá no alto, e que continuem a nos inspirar.
LavraPalavra: Pegando este gancho da inspiração, o filósofo marxista italiano Domenico Losurdo traça o conceito de “autofagia” na esquerda, onde a mesma, assumindo as características e vícios da ideologia dominante, não faz mais uma autocrítica construtiva, mas sim uma observação regada de uma culpa quase cristã, considerando o comunismo em si como fadado à derrota desde o início. Você vê esse conceito como atuante dentro da esquerda hoje? E dentro do nosso campo o que você considera mais perigoso, os desvios da direita que acabam assassinando o horizonte revolucionário ou os desvios da esquerda que levam ao sectarismo?
Jodi Dean: Acho que quero dizer que nenhum dos dois, e deixe-me explicar o porquê. Eu realmente acho que a acusação de sectarismo é realmente exagerada, de que é uma desculpa que os liberais de esquerda não-militantes costumavam usar para tentar justificar seu próprio fracasso em se comprometer, em colocar sua vida além das críticas e decisões que eles tomam. Há um tipo de pose de esquerda onde a pessoa fala muito sobre os horrores do capitalismo, fascismo, imperialismo, demanda por revolução e uma mudança total que massacre tudo, e ainda assim eles não colocam nada de suas próprias vidas para trás por essa causa. Ao invés disso, é um discurso de “não há partido, todos os partidos são sectários e estão divididos”. Se você não tentar se engajar na luta de uma forma concreta, material e organizada, então você não está fazendo nada, está apenas adicionando à esfera da mídia ao invés de participar da luta. Minha questão, passando por sua pergunta, é: acho que a reivindicação do sectarismo é realmente exagerada, e que na esquerda não deveríamos estar levantando-a uns contra os outros. Em vez disso, o que precisamos fazer é construir o que temos, e quando houver oportunidades, trabalhar com outras partes de um, digamos, meio progressivo mais amplo. Quando não temos esse tempo, então continuamos fazendo o trabalho que pensamos ser o mais valioso. E a razão pela qual não quero caracterizar esse “novo perigo da direita” é por conta de que o fascismo tem sido um problema por mais de setenta anos e isso não é novo (risos), não é como se de repente Bolsonaro ou Trump aparece, e então os partidos na Hungria, Polônia, até o Boris Johnson no Reino Unido, como se fossem novos desenvolvimentos. Eles fazem parte de um longo legado que remonta à primeira metade do século XX, podemos marcar até para mais antigamente se quisermos, mas eu acho que para tentar falar sobre o que é novo, é um erro. Isso soa como um “oh, adivinhem o que aconteceu, existia um tempo maravilhoso reinado pela democracia e todos estavam incluídos e então, de repente, as coisas ficaram ruins e havia fascistas”. Isso não é o caso. A história do século XX nos deixou muito claro.
LavraPalavra: Mencionando a história do século XX, gostaria de entrar em um ponto polêmico aqui no Brasil. Você analisa com muito cuidado o papel de Stálin na URSS em seu trabalho, e você mencionou que “o stalinismo é a prova de que o comunismo não pode funcionar na prática, dada a intensa disputa pela manutenção do status quo“. No Brasil, um país da periferia do sistema capitalista, a figura de Stálin é aclamada por muitos e odiada por muitos também dentro da esquerda, com os grupos se dividindo entre elogios galopantes e uma crítica repleta de anticomunismo. Quais são seus comentários sobre a figura de Stálin? Você acha que há uma maior tendência para os partidos comunistas do primeiro mundo terem uma crítica mais enfática sobre sua figura e os países do terceiro mundo realmente o reivindicarem mais?
Jodi Dean: Acho que é muito claro que na Europa, no Reino Unido e nos Estados Unidos é quase impossível dizer qualquer coisa, mesmo que ligeiramente positiva sobre Stálin. Mas agora eu quero qualificar isso. Particularmente na esquerda branca, se olharmos para os negros no Partido Comunista dos Estados Unidos, você sabe, nos anos 30, 40, 50 e, depois, até os anos 60 e 70, quando um tipo de esquerda ocidental e comunistas social-democratas de esquerda eram 100% anti-Stálin, havia um homem chamado Hosea Hudson que dizia ” Joseph Stálin não fez nada contra mim”. É como se os comunistas negros fossem muito menos propensos a aderir a esta moda anti-Stálin. Em vez disso, eles eram mais eles, continuaram a valorizar as ideias de opressão nacional que faziam parte da plataforma comunista nos Estados Unidos e eles deram esse crédito a Lênin e Stálin como um termo comum, para interesse de enfatizar a opressão nacional e não tratar o racismo apenas como uma questão raça, mas como uma luta em termos de opressão nacional. Então, por conta dessa associação geral da questão com Stálin, o anti-stalinismo que tem sido tão pronunciado, principalmente na corrente principal dos Estados Unidos, particularmente desde a Guerra Fria, depois a Era McCarthy, desde o discurso secreto de Krushchev, é um discurso que não é tão compartilhado. Uma vez que você começa a olhar para diferentes grupos nos Estados Unidos, então até mesmo essa coisa geral, de todo mundo ser anti-Stálin, meio que começa a ir embora. Para a corrente dominante, digo, a esquerda progressiva e a esquerda branca progressista, trazer Stálin é automaticamente tornar qualquer tipo de comunismo ilegítimo, eles pensam que Stálin prova a absoluta e total falência de uma natureza corrupta, criminal e totalitária do comunismo, e de fato é por isso que eu acho que eles estão tão envolvidos com a figura de Stálin, porque eles podem o usar como uma arma para atacar comunistas de qualquer tipo.
LavraPalavra: Já que estamos falando sobre as figuras revolucionárias, trazendo a teoria do sujeito e do corpo revolucionário de Badiou, você argumenta que a tarefa principal é criar o corpo revolucionário que possa encontrar as massas, colocando as pessoas como sujeito da política. Qual a principal dificuldade em alcançar essa tarefa hoje?
Jodi Dean: É realmente difícil construir um partido (risos). Se organizar é difícil. E eu acho que, para alguns, eu diria para alguns jovens, especialmente do final dos anos 90 e na primeira década dos anos 2000, havia um tipo de fantasia que “ah, não precisamos de formas organizacionais como o partido, podemos apenas usar a internet, nos conectar com todos online, ter um blog, um website e tudo isso”. O tipo de trabalho de organização das bases não seria mais necessário, tudo que você realmente precisa é das mídias. Bem, as pessoas não pensam mais assim, mas isso trouxe um tipo de vício de esvaziamento da práxis, um conjunto de práticas que não foram orientadas para fazer o trabalho de base e alcançar profundamente as comunidades. Agora, é claro, isso não significa que todos estão nessa. Sempre houveram grupos organizadores realmente comprometidos, trabalhando com populações, não estou tentando menosprezar essas pessoas, estou apenas tentando descrever aqui o que se tornou mais dominante, o que se tornou mais visível e por que ficou mais difícil alcançar as pessoas. Quero dizer, organizar é difícil, é demorado e quando as economias estão se tornando mais e mais desiguais, quando o capitalismo está se intensificando, as pessoas não têm tanto tempo, talvez tenham que trabalhar dois ou três empregos, não têm tempo para a política comparado ao tempo que têm quando há uma espécie de rede de bem-estar social ou estado de bem-estar social. Organizar se torna mais difícil. Então, acho que o problema real tem sido a sensação de que a organização não é necessária e, em seguida, a desintegração das condições que permitem que as pessoas tenham tempo para se organizar, essas duas coisas trabalham juntas, personificadas em um problema real. E também temos que ser honestos, pessoas reais e partidos reais também podem ser difíceis de se trabalhar. Os esquerdistas não fazem nenhum favor a si quando são condescendentes, rudes, não-inclusivos ou assediadores sexuais e este tipo de coisa. São problemas reais que as pessoas tentaram apontar nos partidos e sempre que esses problemas não são resolvidos, enfraquecem toda a organização da esquerda, significa que a esquerda organizada está afastando as pessoas de fazer o tipo de trabalho comprometido que temos que fazer.
LavraPalavra: A dificuldade de colocar as pessoas como um sujeito da política, então, implica na falta de camaradagem que você aponta em seu artigo na Jacobin e nas suas obras? O advento do personalismo, como estávamos falando sobre Stálin, atrapalha que tenhamos a visão dos líderes revolucionários do passado como agentes do coletivo?
Jodi Dean: Essa é uma pergunta muito boa, muito interessante. Eu gosto do jeito que você ancorou o tipo de perda ou problema de camaradagem, dessa ausência como parte do motivo pelo qual é tão difícil para as pessoas verem a promessa política e de poder de um povo revolucionário, e a razão para isso é porque não temos os coletivos que são fortes o suficiente para evocar isso e produzir esse senso, ambos ao mesmo tempo. Pensemos que há um evento ou uma ação realmente importante que acontece, pegando aqui nos Estados Unidos, por exemplo, o protesto de George Floyd. Houve uma manifestação de mais de cem mil pessoas na Filadélfia, foi enorme. Mas então, o que acontece é que as pessoas começam a desvendar e criticar a própria demonstração em vez de dizer “oh meu Deus, as pessoas estão saindo às ruas indignadas, isso é incrível, vamos agora empurrar as pessoas para frente” e ainda assim há o discurso de que, lá no meio, algumas dessas pessoas “não sabiam o que estavam fazendo, ou algumas dessas pessoas estão se manifestando pela primeira vez, haviam muitos liberais no meio, etc.”. As pessoas começam a esmiuçar demais ou criticar, e então você volta à estaca zero, tendo que continuar construindo e reconstruindo. Eu acho que a motivação por trás desse tipo de desmoronamento de crítica é a falta de camaradagem, que faz com que essas pessoas minem os organizadores e minam o potencial de todas as pessoas que saíram às ruas.
LavraPalavra: Se organizar é obviamente uma tarefa muito difícil. Lênin comenta sobre o princípio da construção de um jornal coletivo que funcionaria como um organizador coletivo. Para você, qual é o papel do jornalismo hoje para os comunistas? Este conceito de organizadores coletivos ainda se aplica ou devemos procurar outras formas de organização?
Jodi Dean: Eu acho que com certeza o conceito de organizador coletivo ainda se aplica. A verdadeira pergunta é: se podemos estender isso além de jornais para podcasts, rádio, Youtube, todos os vários tipos de mídia que são produzidos agora. Criar algo que vai além da mídia impressa, e acho que a resposta tem que ser um grande “sim”. O desafio aqui é orientação diferente entre reconhecer o trabalho midiático e o trabalho jornalístico como organização coletiva, e refletir sobre isso em termos capitalistas de que temos que obter um determinado número de acessos, temos que conseguir anunciantes, dinheiro e esse tipo de coisa, porque essas são duas orientações realmente diferentes. Um dos lados realmente pensa em toda a esfera da mídia e quer posicionar a mídia de esquerda dentro disso. O outro lado enxerga as pessoas que podem ser mobilizadas e pensa no trabalho principalmente como um organizador coletivo. Então eu acho que a orientação é diferente, porque se você está pensando em alcançar todos, talvez você não possa ter algo que vai falar sobre Stálin (risos), você pode não ter algo que vai ser muito explícito sobre a necessidade de uma organização comunista. Mas se você o pensar como um organizador coletivo, então você deve ter essas coisas. Eu acho que, na verdade, tem sido realmente emocionante nos últimos anos ter esse florescimento de mídia de extrema-esquerda, um que agora está se reforçando mutuamente. As pessoas começam a ver seus próprios movimentos, elas veem, claro, nem sempre, mas podem ver as pessoas como camaradas em potencial… então acho que a parte do organizador coletivo está começando a se manifestar realmente na mídia online, meios que não eram totalmente expressados de maneira aparente como há dez anos atrás.
LavraPalavra: Esse advento da mídia nos permite, aqui no Brasil, a seguir as mais diversas posições dos partidos comunistas e dos partidos socialistas. Olhando para a recente eleição de Joe Biden, nós sempre prestamos atenção às posições do PSL (Party for Socialism and Liberation), sempre pontuais. Então gostaria de perguntar: qual é o papel do PSL na luta de classes norte-americana e quais são seus comentários em geral sobre o Biden?
Jodi Dean: Antes de tudo, o PSL é um partido comprometido ao internacionalismo e internacionalismo de gerações, a uma classe trabalhadora multi-gênero. Então, estamos bem ali como Partido comunista/socialista revolucionário, engajado na luta de classes antirracista e anti-imperialista. Esse é, antes de mais nada, nosso compromisso, somos um partido revolucionário. Você pode não se surpreender ao ouvir que, nos Estados Unidos, nós não somos tão enormes (risos), não é como se fossemos os partidos tradicionais como republicanos e democratas, mas temos uma presença forte, quero dizer, acho que podemos ser um dos poucos partidos comunistas/socialistas revolucionários restantes, então isso é realmente importante, e temos construído uma infraestrutura de mídia realmente incrível para apoiar esse trabalho. Esse é o PSL. Agora, sobre o Biden… quero dizer, Biden é um imperialista, ele sempre foi um político da classe capitalista para a classe capitalista, feliz em toda a sua carreira por trabalhar com supremacistas brancos para redigir um projeto de lei sobre o crime… ele é um dos dois partidos imperialistas capitalistas. Um ganhou e o outro perdeu. Isso não significa que ele tem cem por cento da forma, por exemplo, de Donald Trump. Todos os liberais estão em um estado de tipo “oh, está tudo bem agora”, e todos nós do lado comunista estamos pensando: Sério? Como sua eleição vai ser boa para todos? Como será bom para as nove milhões de pessoas da classe trabalhadora que ficaram desempregadas, e para todas as pessoas que não têm seguro de saúde? Simplesmente pelo fato de como Biden foi muito explícito sobre o projeto de Medicare para todos? Nossa posição é de que ele é um presidente da classe capitalista e para a classe capitalista.
LavraPalavra: Falando sobre essa classe capitalista e olhando para o orçamento do Pentágono para 2021, destinado ao setor de propaganda anti-China, eu gostaria de discutir um pouco sobre o país. Os setores aqui no Brasil discutem se a China não é realmente uma experiência socialista, como era no passado. Qual é o ponto de vista dos revolucionários nos EUA sobre a China? Vocês consideram a China uma experiência socialista agora e vocês acham que a China pode oferecer algo para a luta revolucionária nos EUA?
Jodi Dean: Acho que a coisa mais importante a reconhecer é que, de forma alguma, alguém deve acreditar na propaganda norte-americana. Também de forma alguma devemos abandonar, negligenciar ou menosprezar a experiência comunista e o legado da China. Eles tiveram que fazer várias escolhas economicamente, é um pouco infeliz, mas eles têm historicamente um partido comunista, isso é parte de sua autocompreensão e eles reconhecem que o longo percurso da luta pela construção do comunismo é muito importante. Então, acho que o que deve ser a orientação-chave em relação à China é a de tomarmos cuidado para não nos tornarmos presas das tentativas imperialistas norte-americanas de demonizar o outro grande país do mundo. Devemos reconhecer os sucessos do país – quero dizer como no que diz respeito ao COVID, no que diz respeito a muitos dos seus projetos internacionalistas que são úteis na construção e úteis no fornecimento de, digamos, vacinas e infraestrutura para outros países – mas o país, hoje, não é o Mao Zedong (risos). Isso não é motivo para chorar em voz alta, mas não devemos de forma alguma participar de qualquer tipo de demonização da China.
LavraPalavra: Observando a situação de pandemia agora, todos nós sabemos que às vezes, na história, temos os momentos em que pensamos que podemos agir para que haja um avanço em nossa luta de classes. Na Rússia, por exemplo, em 1905 e 1917, com a debilitação do Governo Provisório e da Duma, a Primeira Guerra Mundial e etc. São os momentos decisivos. Você acha que neste momento, onde os países capitalistas não conseguiram conter o vírus, é o momento em que podemos fomentar os comunistas e colocar as ideias comunistas em circulação novamente? Porque sabemos que o advento do vírus expõe essa contradição letal no sistema capitalista, um sistema que naturalmente gera muitas contradições que ele em si mesmo não pode resolver.
Jodi Dean: Sim, você está absolutamente certo sobre as contradições do capitalismo e como elas são mais visíveis agora mais do que estiveram em uma década, e elas são visíveis e palpáveis para a grande maioria dos trabalhadores. Nos Estados Unidos, a COVID é como um genocídio. Negros, pardos e nativos americanos foram desproporcionalmente mais afetados. Especialmente em comunidades nativas americanas, com todos os seus agentes mais ancestrais – que sabem falar as línguas – que estão infectados e morrendo. As condições nacionais desse vírus são muito claras em todo o espectro da classe trabalhadora. No início havia muita celebração e exaltação dos profissionais essenciais por seus sacrifícios, que praticamente desapareceram em termos de “bem, todos têm que voltar ao trabalho, basta pegar sua vacina” e “olhe, esses bilionários ganharam muito dinheiro durante a situação”. Então, há uma espécie de dissipação do forte senso de apreciação e gratidão pelos trabalhadores, que eu acho que foi na verdade um momento importante da parte inicial da pandemia. Isso significa que simplesmente estar ciente das contradições não é o suficiente. Como comunistas, o que temos que fazer é organizar as pessoas para que se sintam fortes o suficiente e capazes de lutar, basicamente lutar. Para estarem dispostas a lutar para mudar o sistema, para eliminar o sistema que produz as contradições, e isso significa que as pessoas devem realmente ter um pensamento de que há algo pelo qual estão lutando e que podem fazer isso. Eu acho que esta é a parte onde a esquerda precisa se concentrar mais. Todo trabalhador sabe que está ferrado pelo sistema, isso é parte da consciência da classe trabalhadora. O que todo trabalhador não sabe é exatamente como podemos nos unir para operar uma mudança fundamental, e no que deve consistir essa mudança. Essas são as coisas que absolutamente temos que promover. E eu acho que, na verdade, uma das coisas que torna o legado comunista importante nessas situações é o fator de uma abordagem centralizada. Parte dos problemas foi causada por esses países capitalistas como os EUA, Reino Unido, Brasil. A situação foi totalmente fragmentada e orientada para o mercado, apenas totalmente para que a experiência da pandemia seja completamente diferente para os muito ricos e os muito pobres, para os banqueiros versus trabalhadores, tem sido terrível, mas temos que canalizar esse conhecimento para a convicção de que lutar – e lutar contra isso – e principalmente derrubar tudo isso é possível.
3 comentários em ““Derrubar tudo isso é possível”: LavraPalavra entrevista Jodi Dean”
Você analisa com muito cuidado o papel de Stálin na URSS em seu trabalho, e você mencionou que “o stalinismo é a prova de que o comunismo não pode funcionar na prática, dada a intensa disputa pela manutenção do status quo“.
O que ela quis dizer com isso?, ela foi anti-stalinista?
Acreditamos que ela se refira a utilização do stalinismo como argumento definitivo “antitotalitário” utilizado pelos liberais para condenar a viabilidade do comunismo.
A explicação está na própria resposta:
“Para a corrente dominante, digo, a esquerda progressiva e a esquerda branca progressista, trazer Stálin é automaticamente tornar qualquer tipo de comunismo ilegítimo, eles pensam que Stálin prova a absoluta e total falência de uma natureza corrupta, criminal e totalitária do comunismo, e de fato é por isso que eu acho que eles estão tão envolvidos com a figura de Stálin, porque eles podem o usar como uma arma para atacar comunistas de qualquer tipo.”