Por Vladímir Ilich Uliánov, via marxists.org, traduzido por João Victor Oliveira
“Os representantes da Segunda e Dois-e-Meia Internacionais precisam de uma frente única, pois esperam enfraquecer-nos por induzir-nos a fazer concessões exorbitantes; eles esperam utilizar a tática da frente única com o propósito de convencer os trabalhadores de que táticas reformistas são corretas e que táticas revolucionárias são erradas. Nós precisamos de uma frente única porque esperamos convencer os trabalhadores do oposto.”
Imagine que um comunista tenha que adentrar um estabelecimento em que agentes da burguesia estão levando a cabo sua propaganda em uma grande reunião de trabalhadores. Imagine também que a burguesia demande de nós um grande preço pela nossa admissão nesse estabelecimento. Se o preço não foi acordado anteriormente nós devemos barganhar, é claro, a fim de não impor um custo muito alto aos fundos do Partido. Se nós pagarmos muito pela admissão nesse estabelecimento nós iremos sem dúvida cometer um erro. Mas é melhor pagar um preço mais alto em todos os eventos até que aprendamos a barganha devidamente do que rejeitar uma oportunidade de explicar aos trabalhadores que até agora tem estado em “posse” exclusiva dos reformistas, ou seja, dos mais leais amigos da burguesia.
Essa analogia veio em minha mente quando no Pravda de hoje eu li um telegrama de Berlim, declarando os temos em que um acordo foi fechado entre representantes das três internacionais. [1]
Em minha opinião nossos representantes estavam errados em aceitar as duas condições seguintes: Primeiro, que o governo Soviético não deveria aplicar a pena de morte no caso dos 47 Socialistas Revolucionários; segundo, que o governo Soviético deveria permitir que representantes das três internacionais estejam presentes no julgamento.
Essas duas condições são nada mais nada menos do que uma concessão política de parte do proletariado revolucionário para a burguesia reacionária. Se alguém tem alguma dúvida sobre a veracidade dessa definição, então, para revelar a ingenuidade política dessa pessoa, é suficiente perguntar-lhe as seguintes questões. Iriam os britânicos ou algum outro governo contemporâneo permitir que representantes das três internacionais participassem dos julgamentos dos trabalhadores irlandeses acusados de rebelião? Ou do julgamento dos trabalhadores implicados nas recentes rebeliões na África do Sul? [2] Iriam os britânicos ou qualquer outro governo, nesta, ou em qualquer outra circunstância semelhante, concordar em prometer que não iria impor pena de morte aos seus oponentes políticos? Uma pequena reflexão sobre essas questões é suficiente para permitir a qualquer um o entendimento da seguinte verdade simples. Em todo o mundo uma luta está acontecendo entre a burguesia reacionária e o proletariado revolucionário. No caso atual a Internacional Comunista, que representa um lado nessa luta, fez uma concessão política para o outro lado, ou seja, a burguesia reacionária; todo mundo sabe (exceto aqueles que querem ocultar uma verdade óbvia) que os Socialistas-Revolucionários atiraram contra os comunistas e organizaram revoltas contra eles, e que eles fizeram isso recentemente, e às vezes oficialmente, em uma frente única com toda a burguesia reacionária internacional.
A questão é: qual a concessão que a burguesia internacional nos fez em retorno? Existe apenas uma resposta para essa questão, e é a de que não houve nenhuma concessão.
Apenas argumentos que nublam esse simples fato da luta de classes, apenas argumentos que visam jogar poeira nos olhos da classe trabalhadora, conseguem mistificar essa obviedade. Sob o acordo assinado em Berlim pelos representantes da terceira Internacional nós fizemos duas concessões políticas à burguesia internacional. Nós não obtivemos nenhuma concessão em retorno.
Os representantes da Segunda e da Segunda-e-Meia Internacionais agiram como chantageadores para extorquir concessões políticas do proletariado em benefício da burguesia, ao mesmo tempo em que recusaram enfaticamente, ou no mínimo sem fazer qualquer esforço, para induzir a burguesia internacional a fazer qualquer concessão política ao proletariado revolucionário. É claro, esse incontroverso fato político foi ocultado pelos astutos diplomatas da burguesia (a burguesia tem treinado membros da sua classe para serem bons diplomatas por vários séculos); mas a tentativa de obscurecer o fato não o muda. Se os vários representantes da Segunda e Segunda-e-Meio Internacionais estão direta ou indiretamente em conluio com a burguesia é uma questão de menor importância nesse caso. Nós não estamos acusando-os de estarem em conluio direto. A questão de saber se houve conluio direto ou uma conexão indireta tem nada a ver com este caso. O único ponto que tem a ver com a questão é que,o como resultado da pressão dos representantes da Segunda e Segunda-e-Meia Internacionais, a Internacional Comunista fez uma concessão política para a burguesia internacional e não obteve nenhuma concessão em retorno.
Que conclusões deve-se tirar disso?
Primeiro, que os camaradas Radek, Bukharin e outros que representam a Internacional Comunista agiram equivocadamente.
Adiante. Isso significa que devemos rasgar o acordo que eles assinaram? Não. Eu acho que seria equivocado tirar essa conclusão. Nós não devemos rasgar o acordo. Tudo que devemos saber é que os diplomatas da burguesia são mais habilidosos que os nossos e que, da próxima vez, se o preço da admissão não for fixado anteriormente, nós devemos barganhar e manobrar mais habilidosamente. Nós devemos ter como regra não fazer nenhuma concessão política para a burguesia internacional (não importa quão habilidosamente essas concessões possam ser ocultadas por intermediários, não importa de que tipo) a menos que recebamos em retorno concessões equivalentes da burguesia internacional à Rússia Soviética, ou outro contingente do proletariado internacional que esteja lutando contra o capitalismo.
Talvez os comunistas italianos e uma parte dos comunistas e sindicalistas franceses, que são contra a tática de frente única, inferirão do argumento acima que a tática defrente única é errada. Mas tal inferência está obviamente equivocada. Se os representantes dos comunistas pagaram muito pela admissão em um estabelecimento no qual eles têm uma oportunidade, mesmo que pequena, de se dirigir aos trabalhadores que estiveram, até agora, em “posse” exclusiva dos reformistas, tal erro deve ser retificado da próxima vez. Mas seria um erro incomparavelmente maior rejeitar todos os termos, ou todos os pagamentos para inclusão nesses muito bem guardados estabelecimentos. Os erros dos camaradas Radek, Bukharin e outros não foram graves, especialmente porque nosso único risco é que os inimigos da Rússia Soviética sejam encorajados pelos resultados da Conferência de Berlim a fazer dois ou três atentados talvez exitosos contra a vida de algumas pessoas; já que eles sabem de antemão que poderão atirar nos comunistas na expectativa de que conferências como a de Berlim impeçam os comunistas de atirar contra eles.
Em todo caso, abrimos algumas brechas nessa edificação que nos era fechada. Em todo o caso, camarada Radek foi exitoso expondo, ao menos para uma seção dos trabalhadores, o fato de que a Segunda Internacional se recusou a incluir entre as palavras de ordem da manifestação uma demanda para anular o Tratado de Versalhes. O grande erro dos comunistas italianos e uma seção dos comunistas e sindicalistas franceses cometem é ficarem contentes com o conhecimento que eles já possuíam. Eles estão contente em saber bem o suficiente que os representantes da Segunda Internacional e da Internacional Dois-e-Meia, e também Paul Levi, Serrati e outros, são agentes muito astutos da burguesia e veículos de sua influência. Mas o povo, trabalhadores, que realmente sabem disso e que realmente entendem a significância disso são, sem dúvida, minoria na Itália, Grã Bretanha, EUA e França. Os comunistas não devem agora permanecer em seu próprio terreno, mas devem aprender a penetrar em locais proibidos onde representantes da burguesia estão influenciando trabalhadores; e por isso eles não devem vacilar em realizar certos sacrifícios e não ter medo de cometer alguns erros que, de partida, são inevitáveis em todo empreendimento novo e difícil. Os comunistas que recusam entender isso e que não querem aprender a fazê-lo não podem esperar ganhar para si a maioria dos trabalhadores; em todos os casos, eles estão dificultando e retardando o trabalho de ganhar a maioria. Para os comunistas e para todos os genuínos defensores da revolução dos trabalhadores isso é absolutamente imperdoável.
Mais uma vez, a burguesia, na pessoa de seus diplomatas, iludiu os representantes da Internacional Comunista. Essa é a lição da Conferência de Berlim. Não devemos esquecer essa lição. Devemos tirar todas as conclusões necessárias disso. Os representantes da Segunda e Dois-e-Meia Internacionais precisam de uma frente única, pois esperam enfraquecer-nos por induzir-nos a fazer concessões exorbitantes; eles esperam penetrar em nossas edificações comunistas sem nenhum pagamento; eles esperam utilizar a tática da frente única com o propósito de convencer os trabalhadores de que táticas reformistas são corretas e que táticas revolucionárias são erradas. Nós precisamos de uma frente única porque esperamos convencer os trabalhadores do oposto. Nós devemos colocar a culpa pelos erros em nossos representantes comunistas que os cometeram e nos partidos que os cometerem, enquanto tentamos aprender com esses erros para preveni-los no futuro. Mas sob nenhuma circunstância devemos confiar a culpa pelo erros dos comunistas sobre as massas proletárias, que através de todo o mundo estão enfrentando ataques violentos do avanço do capital. Nós adotamos a táticas da frente única a fim de ajudar essas massas a lutar contra o capitalismo, para ajudá-las a entender o “astuto mecanismo” desses dois frontes em [matéria de] economia internacional e política internacional; devemos perseguir essa tática até o final.
9 de Abril de 1922
Nota
*João Victor Oliveira é estudante Ciências Sociais na UFPE e militante e da UJC e do PCB.
[1] Sobre a Conferência de Berlim entre as três Internacionais e a tática da frente única, vide: https://www.google.com/amp/s/lavrapalavra.com/2019/08/26/lenin-e-a-frente-unica/amp/
[2] Levantes de trabalhadores romperam em março de 1922 em Joanesburgo, Benoni e Brakpan na África do Sul. Em ordem de preservar seus lucros seguindo a queda do preço do ouro no mercado internacional, os donos das minas de ouro começaram a abaixar salários dos trabalhadores Europeus e demitindo-os em massa. Em 9 de Janeiro de 1922, isso provocou uma greve nos campos de ouro. Em março a greve se desenvolveu em um levante. Os trabalhadores apreenderam as capitais de Benoni e Brakpan, e dois subúrbios de trabalhadores (Fordsburgo e Jeppestown) de Joanesburgo. Então o partido da juventude comunista da África do Sul foi ativa no levante. Muitos comunistas heroicamente sacrificaram suas vidas durante o conflito armado. Em 10 de março, o governo reacionário do general Smuts declarou as cidades citadas em estado de sítio, e mobilizou tropas, artilharia e aviação. Em 14 de março, o levante foi suspenso e mais de 10.000 pessoas foram arrastadas. Milhares de trabalhadores foram julgados por tribunais militares.