Por Slavoj Žižek, via TheoryLeaks, traduzido por Bernardo Neves
A prisão de Julian Assange não foi um acontecimento súbito, disse o filósofo cultural Slavoj Žižek à RT. Em vez disso, foi bem planejado e o passo final de uma longa e feia campanha de difamação contra o fundador do WikiLeaks.
Depois de se abrigar na embaixada equatoriana de Londres por seis anos, Assange foi arrastado para fora do prédio pela polícia britânica na manhã de quinta-feira (11 de abril de 2019). A prisão aconteceu depois que o novo presidente pró-EUA do Equador retirou o direito de asilo de Assange, e que o editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, afirmou que uma extensa campanha de espionagem conduzida contra Assange, planejava retirá-lo da embaixada.
“Eu não fiquei surpreso”, disse Žižek à RT. “O problema para mim é como as pessoas vão simplesmente aceitar isso como resultado de uma longa e sistemática campanha de assassinato de reputação.”
As fofocas contra Assange se afundaram em um “nível pessoal incrivelmente sujo, de que ele não lava o próprio banheiro, que ele cheira mal e assim por diante… poderíamos imaginar algo mais baixo?”. O WikiLeaks argumentou o mesmo, chamando Assange de vítima de “um esforço sofisticado para desumanizá-lo, deslegitimá-lo e prendê-lo”. O primeiro passo dessa campanha, disse Žižek, foi conectar o WikiLeaks – uma agência jornalística independente conhecida por vazar materiais secretos, que também se orgulha de nunca ter publicado informações falsas – com a Rússia e Vladimir Putin. O próximo passo foi “assassinato de reputação”. Assange, disse Žižek, foi pintado como “arrogante”, “paranóico” e até mesmo estuprador, mesmo depois das autoridades suecas terem retirado todas as acusações contra ele em 2017.
A prisão de Assange, segue Žižek, “não tem nada a ver com vingança”. Em vez disso, o chefe do WikiLeaks serviu como um exemplo na luta que vem sendo travada pela repressão do livre fluxo de informações. Assim como a nova diretiva de direitos autorais da União Européia ameaça censurar quase toda a liberdade de expressão on-line, castrar organizações como a Wikileaks é um passo para controlar quais informações podemos ou não acessar.
“Hoje, a vida de cada um de nós é de alguma forma regulada via mídias digitais. Então, o controle de tais mídias é absolutamente crucial. Esta é a maior ameaça à nossa liberdade”.
“Não estamos nem mesmo conscientes disso, pois não sentimos isso como falta de liberdade. Não é como nos velhos tempos do Estado policial, onde você olha sobre o ombro e vê um homem seguindo você. Você se sente totalmente livre, mas cada movimento seu é registrado e você é sutilmente manipulado.”
“Wikileaks incorporou resistência a isso”, acrescenta Žižek.
A advogada de Assange, Jen Robinson, confirmou na quinta-feira que a prisão de Assange foi feita em relação a um pedido de extradição dos EUA. Assange é acusada de conspirar com a denunciante do Exército dos EUA, Chelsea Manning – atualmente atrás das grades na Virgínia por se recusar a testemunhar contra o WikiLeaks – por vazar material confidencial de crimes de guerra dos EUA em 2010. A filmagem mostra um helicóptero Apache americano abrindo fogo e matando doze pessoas, incluindo dois funcionários da Reuters.
“Eu não culpo muito o Equador”, concluiu Žižek. “O Equador estava sob uma terrível pressão dos Estados Unidos. Esqueça esses países de nível B. Tudo isso é sobre os Estados Unidos”.