Mumia Abu-Jamal: Jornalismo militante por de trás das linhas inimigas

Por Curry Malott, Elgin Bailey e Randall Scott, via Liberation School, traduzido por Carolina Pena

Mumia Abu-Jamal foi há quase 40 anos aprisionado injustamente, após ser enquadrado e condenado por matar um policial branco na Filadélfia. Ele passou a maior parte desses anos no corredor da morte. Como um ex-membro do Capítulo da Filadélfia do Partido dos Panteras Negras (BPP, na sigla em inglês), Mumia aprendeu a arte do jornalismo militante ou revolucionário desde muito jovem.

Depois dos Panteras, Mumia continuou seu trabalho como um jornalista militante reportando os movimentos populares da Filadélfia e a repressão assassina do Estado contra eles. Em uma entrevista de 1993, Mumia explica sua visão sobre o jornalismo e como este pode ser mobilizado como uma ferramenta política potente dentro do processo de construção de um movimento de massa. Em sua explicação, Mumia revela percepções práticas importantes sobre o jornalismo, que ele vê como

…uma ferramenta para transformar a consciência popular, uma ferramenta para prover ao povo lucidez, e de outra forma uma espécie de afirmação de que suas vidas têm valor e propósito. Quando alguém lê a prensa diária ou escuta o que é difundido nas estações de rádio e estações de TV “brancas” cotidianas, você conceberá uma imagem, uma distorcida imagem da vida Negra que a reflete nos termos mais indevidos. Quando o jornalismo midiático e a propaganda são utilizados para refletir a face positiva do povo, a face do povo que resiste à opressão, a face do valor inerente do povo, dissociado do seu valor de propriedade ou econômico, então isso em si é revolucionário, porque esse sistema tende a denegrir pessoas que são pobres—quando a maior parte do planeta é pobre. E estes têm um valor inerente como seres humanos…Esse é o tipo de conscientização que me dirigiu em direção ao jornalismo. Além do fato que de que, claro, através do Partido fui treinado nesse campo e capaz de escrever sob uma perspectiva revolucionária [1].

Mumia não seria apenas demarcado pelo Estado para neutralização, como notado por ele na entrevista de 1993, mas conseguiria também o Prêmio Peabody de radiojornalismo. Tão significante foi sua cobertura local que foi somente após sua apreensão e remoção das ruas de Filadélfia que a cidade sentiu-se confiante em mobilizar suas forças assassinas em 13 de maio de 1985, detonando uma bomba de fogo na organização comunitária MOVE, matando 11 homens, mulheres e crianças, e destruindo uma vizinhança inteira.

Após seu encarceramento injusto, que faz parte de uma contrarrevolução mais ampla do Estado contra movimentos progressistas nos E.U.A. e no exterior, Mumia continuou seu trabalho como jornalista militante ao vivo do corredor da morte. Como resultado, o Estado continuaria o punindo por escrever, ainda que puderam o prevenir de tornar-se um farol para o movimento progressivista fortemente reprimido no despertar da era neoliberal e da nova guerra contra a América Negra.

A significância da voz de Mumia nos anos 1990 é refletida no fato de que o chamado para “libertar Mumia” tornou-se um dos gritos de guerra da década. Músicos renomados mundialmente, de KRS-ONE a Rage Against the Machine, tocaram em concertos beneficentes e escreveram célebres composições exigindo que “Libertem Mumia!”.

Por conta de sua obra, Mumia assumiu um papel importante em manter vivo um movimento e seu legado que o Estado burguês tentava desesperadamente exterminar por meio de assassinatos, encarceramentos, calúnias e repressão generalizada. Implacável, Mumia continuou a dialogar com a juventude sobre líderes de movimentos cujas histórias carregam lições importantes para a luta constante por liberdade.

Por exemplo, Mumia ajudou a manter viva a memória do fundador do Partido dos Panteras Negras, Huey P. Newton. Porém, como jornalista militante, aprendemos sobre Huey não como simples ato enaltecedor ou nostálgico, mas pela inspiração e lições que sua história oferece à geração atual de organizadores. Em “Memórias de Huey”, Mumia descrever Newton como “um homem excepcional, tanto em seu ápice como fundador e Ministro da Defesa do Partido dos Panteras Negras, como em seu declínio, como um viciado em drogas solitário, apanhado pelas garras debilitantes do crack” [2].

Enquanto reivindica de uma nova geração a reconstrução do movimento revolucionário, Mumia invoca a memória de Newton (e outros), explicando como mesmo “uma juventude de genialidade pouco antes vista, que modelou uma militância massificada em um movimento político Negro nacional que iluminou uma era à incandescência radical” não foi imune às forças contrarrevolucionárias do Estado.

Explicando a defunção dos movimentos de massa, Mumia reconta que “ocorreu, em larga parte, através de campanhas terroristas do governo dos E.U.A. que incluíam batidas policiais sangrentas nos escritórios do Partido dos Panteras Negras por todo o país, e ferramentas urbanas de espionagem” incluindo qualquer forma de desinformação e o uso de agentes provocadores e informantes infiltrados do FBI que exploraram vulnerabilidades organizacionais, os atacando de dentro.

É refletindo sobre as lições do passado que Mumia oferece uma análise do Estado burguês e da necessidade continua de sua derrubada.

De suas reminiscências como jovem adolescente sendo golpeado e chutado por oficiais da polícia de Filadélfia “diretamente para o Partido das Panteras Negras” à sua exposição incansável dos assassinatos racistas da polícia, Mumia oferece a organizadores uma janela vívida para a necessidade constante de uma revolução [4]. Por exemplo, em seu primeiro livro, Mumia descreve famosamente o corredor da morte na Pensilvânia, e mais genericamente em todo os E.U.A, como um “lustroso inferno reluzente”[5]. Um inferno “erguido e mantido por governos humanos, e abençoado por juízes de toga preta” [6].

Dialogando com uma esquerda que luta para se encontrar, os clamores de Mumia por revolução têm sido tão criativos quanto ferrenhos. Por exemplo, em uma instância, Mumia indaga à sua audiência um questionamento que responde a si próprio, e, durante o processo, aponta afirmativamente em direção à revolução: “neste momento, nesta hora, quantos de nós não estamos no corredor da morte?”

Apesar das tentativas mais recentes do Estado de assassiná-lo por negligência médica, Mumia, mais uma vez, oferece ao movimento uma orientação criticamente importante em seu estudo das vidas Negras na América. Apontando para o movimento além da ilusão da suposta reforma policial, Mumia oferece aos organizadores evidência e análise numerosas que podem ser mobilizadas no recrutamento e construção do movimento [7].

 

O próprio título Have Black Lives Ever Mattered? (Vidas Negras Já Importaram?, em português) é outro questionamento que, tragicamente, se autorresponde. A percepção que “evidencia traumas firmados simplesmente por existir como pessoa Negra nos Estados Unidos da América” é dissecada em um consolo doloroso por 200 páginas [8].

A perspectiva inestimável que Abu-Jamal oferece “reflete as lutas populares nos setores invisíveis da sociedade americana…amplamente populada por Negros, Latinos, imigrantes, os encarcerados, e aqueles com baixa renda” [9]. Um aspecto aparentemente sutil, porém significante da formulação que Mumia faz aqui é o emprego da frase “aqueles com baixa renda,” ao invés de “pobres”. É significante dentro do contexto da ideologia do capitalismo de supremacia branca que explica a pobreza ou como o resultado de escolhas pessoais, ou como a consequência inevitável de uma distribuição assimétrica de inteligência. A formulação de Mumia sobre aqueles de baixa renda diverge do individual, de encontro com fatores sistêmicos e estruturais abertos para transformação radical.

Sempre com uma visão direcionada à mudança revolucionária, Mumia insiste que o livro não é meramente um relato sobre opressão, mas, igualmente, um testemunho à rebelião implacável e à resistência que essa opressão concebe. Como toda obra de Mumia Abu-Jamal, é um chamado de ação para solidariedade e transformação revolucionária.

Tal transformação excede os limites das políticas eleitorais, ao passo que Mumia explica que, mesmo com “rostos Negros em lugares altos”, na realidade o “grande negócio os controlará como um mestre de marionetes.” O que é necessário, Mumia conclui, é uma “aglutinação e agrupamento políticos…capazes de galvanizar o poder das massas populares” [10]. Em outras palavras, “exceto se, e até que uma força popular seja construída e exercida, que coadune algo daqui e algo lá; uma força popular que desenvolva uma verdadeira contra-força ao ‘mainstream’, não haverá mudança” [11].

Vidas Negras Já Importaram? representa uma ferramenta potente que organizadores podem desfruir no trabalho crítico de construção de um movimento de massas e contra-força. Nossa esperança é que esse guia de estudo possa facilitar este processo essencial.

Tão central é este foco na organização para derrotar e extorquir poder do Estado, que Mumia encerra o capítulo com um ensaio iniciado com o questionamento, “o que faz de um movimento um Movimento? Isto é “que forças se aglutinam para o coadunar, para construí-lo em algo que consiga erguer-se sobre o mundo…e ditar seu curso?” Afincando-se a indispensabilidade da continuabilidade histórica em aprender dos Movimentos passados para melhor construir o movimento de hoje, Mumia dirige uma atenção especial ao “Estado” que “tem trabalhado duramente para contrariar a influência e memória dos movimentos” [12]. Vidas Negras Já Importaram? é uma intervenção crítica que os organizadores progressivistas de hoje seriam perspicazes ao não ignorar.

Notas:

[1] Abu-Jamal, Mumia. “The prison house of nations.” In J. Fletcher, T. Jones, and S. Latringer (Eds.), Still Black, still strong: Survivors of the war against Black revolutionaries. (New York: Semiotext(e)), 152.
[2] Abu-Jamal, Mumia. (2000). All things censored (New York: Seven Stories), 137.
[3] Ibid., 137.
[4] Ibid., 104.
[5] Abu-Jamal, Mumia. (1995). Live from death row (New York: Avon Books).
[6] Abu-Jamal, Mumia. (2000). All things censored, 55.
[7] Abu-Jamal, Mumia. (2017). Have Black lives ever mattered? (San Francisco: City Lights).
[8] Ibid., 2.
[9] Ibid.
[10] Abu-Jamal, “The prison house of nations,” 166.
[11] Ibid.
[12] Abu-Jamal, Have Black lives ever mattered?, 179.

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