Por Agnello Camarero Oliveira (militante UJC/PCB), estudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Para qualquer cinéfilo digno desse título Sergei Eisenstein com toda certeza já passou por seu “cardápio” e também com toda certeza percebeu algo óbvio de que Sergei era um diretor e roteirista totalmente voltado para produção agitativa e propagandística da revolução socialista e voltado para causa da classe trabalhadora (talvez soe redundante).Mas mesmo assim o diretor acabou esquecido pela maior parte dos consumidores de filmes, por motivos óbvios ele era um diretor autodeclarado comunista, participou ativamente da Revolução Russa participando inclusive da luta armada e para além de tudo, seguiu produzindo após a consolidação da URSS. E por mais que os países capitalistas dizem que há liberdade produtiva e de expressão, os filmes produzidos por ele eram não só censurados como às vezes nem saíam do polo socialista mundial.
Os filmes de Sergei são carregados não só de propaganda, como de conceituação de teses marxistas. É possível ver no decorrer de suas tramas conceitos se “consolidarem” (entre aspas pois esses conceitos já estão consolidados, eles são tão concretos quanto uma pedra) é possível identificar o exato momento em que o diretor quis explicitar a luta de classes, ou a reprodução de capital ou até mesmo o fetichismo e a alienação e para além desse grande passo de conseguir explicitar conceitos de maneira mais concreta do que já são. O diretor inovou a produção cinematográfica com as edições, os cortes e recortes, as sobreposições de imagens e até mesmo a comunicação entre personagens no cinema mudo que inclusive, diferente de outros diretores como Charles Chaplin onde as falas são legendadas após o diálogo, Sergei aposta simplesmente em uma atuação extremamente expressiva dos atores, onde mesmo sem ouvir ou ler o que o personagem está falando você pode perceber a mensagem que o personagem nos passa, ele simplesmente aposta na capacidade que o telespectador tem de compreender aquela situação pelo sentimento de empatia ou comparação com o seu cotidiano. Além do mais, essa técnica não foi só escolhida e criada por genialidade ou padrão estético, mas sim porque o diretor queria ser assistido por trabalhadores e trabalhadoras que até então, em sua grande maioria eram analfabetos, ou seja, seus filmes não a mera propaganda tinha também didática, era uma sala de aula e a matéria era o marxismo, superando as necessidades com uma solução genial.
E para muito além de tudo isso o cinema de Sergei era um grande grito de esperança, mas não uma esperança abstrata, interpretativa, para ser refletida em um interior individual é um grito de esperança concreto, objetivado, materialista e manualesco, por exemplo: no filme “A greve” (1925) o enredo é, uma fábrica (obviamente em um país capitalista) ocorre um suicídio de um operário devido uma má situação com a administração da fábrica, onde intendentes do burguês acusam o operário que se suicida de roubo colocando o emprego do mesmo em risco, diante disso alguns operários ligados ao movimento comunista veem na situação uma oportunidade de abrir os olhos de seus companheiros de fábrica, a exploração da força de trabalho e a falta humanidade da produção de capital (onde tanto os operários quanto a administração da fábrica perderam a humanidade) e nesse contexto de agitação dos operários, emerge uma grande greve no início da greve grandes comícios, e grupos de trabalho se formulam para determinar as exigências para o retorno do trabalho. É claro que esses comícios são violentamente reprimidos, mas mesmo assim as exigências chegam ao burguês dono da fábrica e a primeira ação do mesmo é sentar-se com acionistas para resolver a questão, ao mesmo tempo que o longo período de greve está afetando a vida dos trabalhadores, e assim se desenvolve o enredo até em um determinado momento em que a estratégia traçada pelos trabalhadores, para que suas exigências sejam concebidas e um sindicato se forme combativo e gigantesco em sua base. Basicamente o filme demonstra que com a organização, bases sólidas de teoria e prática, todas as dificuldades e necessidades são possíveis de serem superadas. Agora peguemos um filme mais recente, como: “A classe operária vai ao paraíso” (Elio Petri, 1971), nesse filme a história de um operário que não via finalidade política e sindical, sofre um acidente de trabalho e é mandado embora. A partir desse momento é acolhido imediatamente pelo sindicato onde ele encontra a possibilidade de lutar por seu emprego e uma indenização pelo acidente sofrido, logo o personagem principal ganha destaque de liderança sindical junto com o dirigente principal do sindicato, da mesma forma como em “A greve” é formado comícios e grandes grupos de trabalho, a estratégia adota se demonstra extremamente boa e bem formulada, porém no final o dirigente principal do sindicato faz um acordo com o patronato e toda a greve acaba sendo um grande tiro pela culatra, a classe ali representada perde a capacidade organizativa, o sindicato é assaltado pelo peleguismo se formula táticas conciliatórias e assim vai. Para muitos a única diferença desses dois grandes filmes é que um tem um “final feliz” e o outro não, um é idealista e esperançoso e o outro derrotista e pessimista, e sinceramente essa interpretação é tão rasa quanto uma poça d’água. Em ambos os filmes o operariado é bem-organizado e tem uma ótima estratégia, porém a articulação dessa tática, a maneira em que ela é colocada na práxis é diferente, e a maneira em que ela é recebida é também diferente e aqui está a grande questão;
Sergei não é um idealista apoiado somente em fé e esperança, ele demonstra em seu filme literalmente como os operários devem lidar com uma greve, ele descreve um operariado capaz de lidar com desarranjos com uma tática já posta, e essas táticas maleáveis o bastante para aguentar imprevistos, repressão e trancos, no entanto, não se desviar de seu objetivo final ou se desmantelar e esfarelar.
Já o filme de Petri não é somente um derrotismo do movimento operário, mas sim um aviso para essa classe operária e um aviso de que as táticas por mais que sejam boas e bem planejadas vão ter que lidar com desarranjos, trancos, repressão e traições e que tudo isso não seja a derrocada dessa boa tática.
Sendo assim Sergei Eisenstein tem algumas lições para o movimento comunista, a primeira delas é: Pouco adianta grandes esperanças se não houver uma capacidade de fruição com conjuntura posta contra uma tática já colocada, uma boa tática e ao mesmo tempo não adianta ter uma grande maleabilidade tática se nesse caminho se perder a estratégia como horizonte, e além disso o papel fundamental de qualquer organização dita revolucionária de formar seus militantes enquanto grandes agitadores e propagandistas. Em tempos como o nosso, retomar e repensar o que pode ser visto nos filmes de Sergei Eisenstein pode ser essencial para respirarmos novos ares com esperança e firmeza tática e estratégica.