Por Claudio Katz, via blog do autor, traduzido por João Pedro Noronha Ritter
A ideologia imperial dos Estados Unidos enfrenta as mesmas dificuldades da concepção americanista do mundo. Ambos exaltam os valores do capitalismo, priorizam o individualismo, idealizam a competição, glorificam o lucro, mistificam o risco, elogiam o enriquecimento e justificam a desigualdade.
EM BUSCA DA SUPREMACIA
A tentativa americana de recuperar o domínio mundial é a principal característica do imperialismo do século XXI. Washington pretende recuperar essa primazia diante das adversidades geradas pela globalização e pela multipolaridade. Enfrenta a ascensão de um grande rival e a insubordinação de seus antigos aliados.
A primeira potência perdeu autoridade e capacidade de intervenção. Procura neutralizar a expansão do poder mundial e a erosão sistemática de sua liderança. Nas últimas décadas, ele tentou vários caminhos sem sucesso para reverter seu declínio e continua a sondar essa ressurreição.
Todas as suas ações são baseadas no uso da força. Os Estados Unidos perderam o controle da política internacional que exibiam no passado, mas mantêm grande poder de fogo. Expande um arsenal destrutivo para forçar sua própria recomposição. Esse comportamento confirma a aterrorizante dinâmica do imperialismo como mecanismo de dominação.
Na primeira metade do século XX, as grandes potências contestaram a liderança mundial por meio da guerra. No período subsequente, os Estados Unidos exerceram essa liderança com intervenções armadas na periferia para enfrentar a ameaça socialista. Atualmente, o capitalismo ocidental enfrenta uma crise muito severa com seu timoneiro danificado.
Washington procura recuperar a supremacia em três áreas que definem o domínio imperial: a gestão dos recursos naturais, a subjugação dos povos e a neutralização dos rivais. Todas as suas operações visam capturar riquezas, reprimir rebeliões e dissuadir concorrentes.
O controle das matérias-primas é essencial para sustentar a primazia militar e garantir suprimentos que impactam o curso da economia. A contenção das revoltas populares é fundamental para estabilizar a ordem capitalista que o Pentágono assegurou por décadas. Os Estados Unidos procuram manter a força com que tradicionalmente intervieram na América Latina, África, Oriente Médio e Sul da Ásia. Ele também precisa lidar com o desafio chinês para derrotar outros rivais. Nessas batalhas são resolvidas o êxito ou naufrágio da ressurreição imperial dos EUA.
A CENTRALIDADE BÉLICA
Imperialismo é sinônimo de poder militar. Todas as potências dominaram através desta carta, sabendo que o capitalismo não sobreviveria sem exércitos. É verdade que o sistema também recorre à manipulação, engano e desinformação, mas não substitui a ameaça coercitiva do Simples preeminência ideológica Combina violência com consentimento e afirma um poder implícito (soft power) que se baseia no poder explícito (hard power).
Esses fundamentos devem ser lembrados, diante das teorias que substituem o imperialismo pela hegemonia como um conceito ordenador da geopolítica contemporâneo. Certamente os poderosos reforçaram sua pregação através da mídia. Eles desenvolvem um trabalho sistemático de desinformação e ocultação da realidade. Eles também aperfeiçoaram o uso das instituições políticas e judiciais do estado para garantir seus privilégios. Mas, na ordem internacional, a supremacia das grandes potências se resolve por meio de ameaças militares.
O sistema global opera com uma guerra comandada pelos Estados Unidos. Desde 1945, a primeira potência realizou 211 intervenções em 67 países. Atualmente mantém 250.000 soldados estacionados em 700 bases militares distribuídas em 150 nações (Chacón, 2019). Essa megaestrutura tem guiado a política americana desde o lançamento das bombas atômicas em Nagasaki e Hiroshima e a formação da OTAN como braço auxiliar do Pentágono.
Os três principais ataques da guerra fria (Coréia em 1950-1953, Vietnã em 1955-1975 e Afeganistão em 1978-1989) demonstraram o alcance mortal desse poder. Washington construiu uma estrutura internacional de instalações militares sem precedentes na história (Mancillas, 2018).
O controle das matérias-primas tem sido um fator determinante em muitas operações militares e os massacres sofridos pelo Oriente Médio para determinar quem detêm o petróleo ilustram essa centralidade. Essa disputa iniciou a sangria do Iraque e da Líbia e influenciou as incursões do Afeganistão e da Síria. As reservas de petróleo bruto são também os saques cobiçados pelos generais que organizam o assédio ao Irã e o cerco à Venezuela.
ECONOMIA ARMAMENTISTA
A política externa americana é condicionada pela rede de empresários que se enriquecem com a guerra. Eles lucram com a fabricação de explosivos que devem ser testados em algum canto do planeta. O aparato industrial-militar precisa desses conflitos. Ele prospera com gastos que aumentam não apenas em períodos de guerra intensa, mas também em fases de afrouxamento.
Grande parte da mudança tecnológica ocorre na órbita militar, sendo a ciência da computação, a aeronáutica e a atividade espacial os epicentros dessa inovação. Os grandes fornecedores do Pentágono aproveitam a proteção do orçamento do Estado para fabricar aparelhos vinte vezes mais caros que seus equivalentes civis. Operam com grandes somas, em um setor autônomo das restrições competitivas do mercado (Katz, 2003).
Este modelo de armas está se desenvolvendo em sintonia com as exportações. As 48 grandes empresas do complexo militar-industrial controlam 64% da manufatura da guerra mundial. Entre 2015 e 2019, o volume de suas vendas cresceu 5,5% em relação ao quinquênio anterior e 20% em relação ao período 2005-2009.
Em 2017, os gastos militares globais atingiram seu nível mais alto desde o fim da guerra fria (1,74 trilhão de dólares), com os Estados Unidos liderando todas as transações (Ferrari, 2020). A primeira potência concentra metade dos gastos e patrocina as cinco principais empresas dessa atividade.
A liderança tecnológica norte-americana depende dessa primazia internacional no setor bélico. O desenvolvimento do capitalismo digital na última década passou por fabricações militares prévias e é congruente com o uso de armas dentro do país. Os Estados Unidos são o principal mercado para os 12 bilhões de balas fabricadas anualmente. A Associação Nacional de Rifles oferece apoio material e cultural à contínua centralidade do Pentágono.
Mas essa centralidade da economia armamentista também gera muitas adversidades ao sistema produtivo. Requer um volume de financiamento que o país não pode prover com seus próprios recursos. O buraco está coberto por um déficit fiscal e endividamento externo que ameaçam a dominância do dólar.
Os Estados Unidos sustentaram seu andaime militar desde o pós-guerra com a grande dívida que impôs a seus parceiros. Esse fardo encontra resistência atualmente por aliados europeus e desencadeou uma crise de financiamento da OTAN. Com o desaparecimento da União Soviética, o Velho Continente se opõe à utilidade de um dispositivo que Washington usa para seus próprios interesses.
A economia militar dos Estados Unidos é baseada em um modelo de altos custos e baixa competitividade. O gendarme do capitalismo conseguiu por muito tempo forçar a subordinação de seus rivais desarmados. Mas ele não tem mais a mesma margem para administrar suas inovações onerosas na área militar. Outros países desenvolvem as mesmas inovações tecnológicas com operações mais baratas e eficientes na esfera civil.
Os gastos com a guerra têm uma influência muito contraditória no ciclo da economia norte-americana. Ele direciona o nível de atividade quando o Estado canaliza impostos para uma demanda cativa. Também absorve capital excedente que não encontra investimentos lucrativos em outros ramos. Mas em tempos adversos, aumenta o déficit fiscal e captura porções dos gastos públicos que poderiam ser usados para numerosas alocações produtivas. Em tais momentos, as receitas geradas pelos gastos militares com tecnologia e exportações não compensavam a deterioração (e direcionamento desastroso) dos recursos públicos.
AS GUERRAS DE NOVO TIPO
A atual intervenção externa dos Estados Unidos recria os velhos padrões da ação imperial, mas a conspiração persiste como componente central dessas modalidades. A velha tradição da CIA em golpes contra governos progressistas reapareceu em muitos países.
Washington também assume a “guerra por procuração” em áreas prioritárias para perseguir as nações crucificadas pelo Departamento de Estado (China, Rússia, Irã, Coréia do Norte, Venezuela) (Petras, 2018).
Mas o fracasso do Iraque marcou uma mudança nas modalidades de intervenção. Esta ocupação levou a um grande fracasso devido à resistência enfrentada no país e devido à inconsistência da própria operação, este fiasco levou à substituição das invasões tradicionais por uma nova variedade de guerras híbridas (VVAA, 2019).
Nessas incursões as atuais ações militares são substituídas por um amálgama de ações não convencionais, com maior peso de forças paraestatais e uso crescente do terrorismo. Esse tipo de operação predominou nos Bálcãs, Síria, Iêmen e Líbia (Korybko, 2020).
Nestes casos, a ação imperial assume uma conotação policial de assédio, que privilegia a submissão à vitória explícita sobre os adversários. Essas intervenções ampliam as operações que a DEA aperfeiçoou em sua batalha contra o tráfico de drogas. O controle do país violado torna-se mais relevante (ou factível) do que a sua derrota e a agressão com alta tecnologia ocupam um lugar de destaque (“guerras de quinta geração”).
Em inúmeros casos, o componente terrorista dessas ações ultrapassou o curso traçado pela Casa Branca, gerando uma seqüência autônoma de ações destrutivas. Essa falta de controle foi verificada com o Taliban, inicialmente treinado no Afeganistão para perseguir um governo pró-soviético. O mesmo aconteceu com os jihadistas, formados na Arábia Saudita para erodir os governos seculares do mundo árabe.
Por meio de guerras híbridas, os Estados Unidos tentam controlar seus rivais, sem necessariamente realizar intervenções bélicas. Combina o cerco econômico e a provocação terrorista, com a promoção de conflitos étnicos, religiosos ou nacionais em países estigmatizados. Também encoraja a canalização do descontentamento da direita por meio de líderes autoritários que lucraram com as “revoluções coloridas”. Essas operações permitiram que vários países do Leste Europeu se juntassem ao cerco da OTAN contra a Rússia.
As guerras híbridas incluem campanhas de mídia mais difundidas do que a velha munição do pós-guerra contra o comunismo. Com novos inimigos (terrorismo, islamistas, narcotráfico), ameaças (Estados falidos) e perigos (expansionismo chinês), Washington desenvolve suas campanhas, por meio de uma extensa rede de fundações e ONGs. Ele também usa a guerra de informação nas redes sociais.
Os ataques imperialitas incluem uma nova variedade de recursos. Basta observar o que aconteceu na América do Sul com a operação implementada por diversos juízes e meios de comunicação contra lideranças progressistas (lawfare), para medir o alcance dessas conspirações. Porém, essas agressões causam comoções sem precedentes em inúmeros níveis.
CENÁRIOS CAÓTICOS
Durante a primeira metade do século XX, as guerras assumiram uma escala industrial, com massas de soldados exterminados pela máquina de guerra – e tantos mortos anônimos sepultados que essas guerras sem fim são rememoradas em tumbas de “soldados desconhecidos” (Traverso, 2019).
Nas últimas décadas, outra modalidade de atuação na guerra tem prevalecido com a diminuição do destacamento das tropas nos campos de batalha. Os Estados Unidos tem aperfeiçoado essa abordagem, usando bombardeios aéreos que destroem aldeias sem a presença direta dos fuzileiros navais. Este tipo de intervenção consolidou-se com o uso generalizado de drones e satélites.
Com essas modalidades, o imperialismo do século XXI destrói ou balcaniza os países que impedem o ressurgimento da dominação norte-americana. O aumento do número de membros das Nações Unidas é um indicador dessa remodelação.
A população desarmada tem sido a principal afetada pelas incursões que desfizeram a antiga distinção entre combatentes e civis. Apenas 5% das vítimas da Primeira Guerra Mundial eram civis. Este número subiu para 66% na Segunda Guerra Mundial e é em média de 80-90% nos conflitos atuais (Hobsbawm, 2007: Cap. 1).
As operações apoiadas pelo Pentágono varreram definitivamente todas as normas das Convenções de Haia (1899 e 1907), que distinguiam fardados de civis. A mesma dissolução ocorre nos conflitos externos e internos de vários estados nacionais. A fronteira entre paz e guerra se turvou, aumentando o sofrimento indescritível dos refugiados. A agência que calcula o número de pessoas sem abrigo registrou em 2019 um total de 79,5 milhões de pessoas desalojadas.
Este número monumental de transferências forçadas ilustra o grau de violência elevada. Embora os conflitos não alcancem a escala generalizada do passado, as suas consequências sobre os civis são proporcionalmente maiores.
A agressão imperialista rompe sistematicamente as fronteiras entre os países. Ela impõe uma reformulação geográfica que contrasta com as rígidas barreiras das fronteira da Guerra Fria. Essas linhas definiam campos estritos de enfrentamento e continham rigidamente as populações em suas localidades de origem.
Os atuais surtos de guerra elevam os efeitos da crescente pressão da emigração em direção aos centros do hemisfério norte. A fuga da guerra converge com a fuga em massa da devastação econômica sofrida por vários países da periferia.
O imperialismo dos EUA é a principal causa das tragédias das guerra contemporâneas. Ele fornece armas; promove tensões raciais, religiosas ou étnicas; e promove práticas terroristas que destroem os países afetados (Armanian, 2017).
O que aconteceu no mundo árabe ilustra essa sequência de eventos. Sob as ordens de sucessivos presidentes, os Estados Unidos implementaram a demolição do Afeganistão (Reagan-Carter), do Iraque (Bush) e da Síria (Obama). Esses massacres envolveram 220.000 mortes no primeiro país, 650.000 no segundo e 250.000 no terceiro. A desintegração social e o ressentimento político gerado por esses massacres, por sua vez, desencadearam ataques suicidas nos países centrais. O terror levou a respostas cegas de mais terror.
Atrocidades imperiais minaram os próprios objetivos iniciais dessas incursões. Para deslocar Gaddafi, o imperialismo pulverizou a integridade territorial da Líbia e desfez o sistema de comunicações construído no Norte da África para conter a emigração para a Europa. O país se tornou um centro de exploração de migrantes, dirigido pelas máfias que o Ocidente financiou para assumir o controle da Líbia. Diante desse caos, os antigas metrópoles coloniais não projetam mais novas fronteiras formais. Eles apenas improvisam mecanismos de contenção de refugiados (Buxton; Akkerman, 2018).
O Pentágono também implantou cerca de 50 bases escondidas na África, enquanto as empresas petrolíferas ocidentais controlam com ação armada seus campos na Nigéria, Sudão e Níger (Armanian, 2018). Esse apetite por recursos naturais é o pano de fundo das tragédias no continente negro. A ação imperial encorajou confrontos étnicos ancestrais para aumentar a gestão desses recursos.
A FRATURA INTERNA
O principal obstáculo para a recomposição imperial dos EUA é o colapso da coesão interna no país. Durante décadas, esse foi o alicerce que sustentou a intervenção da primeira potência no resto do mundo. Mas o gigante do Norte passou por uma mudança radical em conseqüência de retrocessos econômicos, polarização política, tensões raciais e sua nova composição étnico-populacional. A uniformidade cultural que alimentou o “sonho americano” desapareceu e os Estados Unidos enfrentam uma divisão interna sem precedentes.
As divisões corroeram as condições de sustentação da interferência norte-americana no exterior. As operações militares não têm o respaldo do passado e foram afetadas pelo fim do recrutamento obrigatório. Washington não embarca mais em suas incursões com um exército de alistados involuntariamente, nem justifica suas ações com mensagens de fidelidade cega à bandeira. Para realizar operações cirúrgicas, optou pelo uso de armamentos mais limitados e precisos. Prioriza o impacto na mídia e a contenção de baixas em suas próprias fileiras.
A privatização da guerra sintetiza essas tendências. O uso de mercenários e milícias contratadas para negociar o preço de cada massacre se generalizou. Esta forma de beligerância sem o compromisso da população explica a perda de interesse geral nas ações imperialistas. Guerras sem recrutas exigem gastos maiores, mas atenuam a resistência interna. Elas inclusive evitam a percepção das falhas em territórios distantes (Iraque, Afeganistão) como adversidades próprias.
No entanto, a contrapartida dessa ruptura é a crescente dificuldade imperial em se aventurar em projetos mais ambiciosos. É muito difícil reconquistar a liderança global sem a adesão de segmentos significativos da população.
O imperialismo do pós-guerra foi baseado em uma autoridade oficial que se dissipou. O fim do alistamento em massa introduziu um novo direito democrático, que paradoxalmente prejudica a capacidade do estado dos EUA de recuperar seu poder imperial decadente (Hobsbawm, 2007: cap. 5).
A privatização da guerra acentua, por sua vez, os efeitos traumáticos da separação entre os militares e a população. O trauma dos regressos do Iraque ou Afeganistão ilustra esse efeito. O uso de mercenários também expande a militarização interna e a explosão incontrolável de violência causada pelo livre porte de armas.
Essa sequência de corrosões assume um alcance maior com a canalização de descontentamento social da direita. Manifestado no Tea Party, consolidou-se com o trumpismo.
Xenofobia, chauvinismo e supremacia branca se espalharam com discursos racistas que culpam minorias, migrantes e estrangeiros pelo declínio do Estados Unidos. Mas essa fúria nacionalista apenas aprofunda a fratura interna, sem recriar a extensa base social que o imperialismo norte-americano usou para invadir no exterior.
AS FALHAS DE TRUMP
Os últimos quatro anos forneceram um retrato nítido da tentativa fracassada dos EUA de reconquistar o domínio imperial. Trump priorizou a recomposição da economia nacional e esperava usar a superioridade militar do país para impulsionar um novo arranque produtivo.
Apesar deste suporte, ele enfrentou negociações externas muito duras no esforço de estender ao plano comercial as vantagens monetárias que o dólar mantém. Ele promoveu acordos bilaterais e questionou o livre comércio para tirar vantagem da primazia financeira de Wall Street e do Federal Reserve.
Trump tentou preservar a supremacia tecnológica por meio de demandas crescentes de pagamento de propriedade intelectual. Com o controle da financeirização e do capitalismo digital, ele esperava forjar um novo equilíbrio entre os setores globais e americanos da classe dominante. Ele apostou em combinar protecionismo local com negócios globais.
O bilionário priorizou a contenção da China. Ele lutou brutalmente para reduzir o déficit comercial, para repetir a submissão que Reagan impôs ao Japão na década de 1980. Ele também buscou consolidar uma primazia sobre a Europa, aproveitando a existência de um aparato estatal unificado em oposição aos concorrentes transatlânticos que não conseguiram estender sua unificação monetária ao plano fiscal e bancário. Sob o pretexto de uma desordem improvisada, o ocupante da Casa Branca concebeu um ambicioso plano de recuperação dos EUA (Katz, 2020).
Mas sua estratégia dependia do aval de aliados (Austrália, Arábia Saudita, Israel), da subordinação dos sócios (Europa, Japão) e da complacência de um adversário (Rússia) para forçar a capitulação de outro (China). Trump não conseguiu esses alinhamentos e o novo arranque norte-americano falhou desde o início.
O confronto com a China foi seu principal fracasso. As ameaças não intimidaram o dragão asiático, que aceitou mais importações e menos exportações sem validar a abertura financeira e o freio aos investimentos tecnológicos. A China não acomodou sua política monetária às reivindicações de um devedor que colocou a maior parte de seus títulos em bancos asiáticos.
Nem os sócios dos Estados Unidos desistiram de negócios com o grande cliente asiático. A Europa não aderiu ao confronto com a China e a Inglaterra continuou a jogar seu próprio jogo no mundo. Para finalizar, a China aumentou seu comércio com todos os países do hemisfério americano (Merino, 2020).
Trump só conseguiu induzir um alívio econômico, sem reverter nenhum desequilíbrio significativo da economia norte-americana. Essa falta de resultados veio à tona na crise precipitada pela pandemia e em sua própria expulsão da Casa Branca.
As mesmas adversidades foram constatadas na órbita geopolítica. Trump tentou neutralizar o pesado legado de fracassos militares. Ele foi favorável à uma abordagem mais cautelosa das aventuras de guerra em face do fiasco do Iraque, da degradação da Somália e dos debates sobre a Síria.
Para reverter as campanhas malsucedidas de Bush, ele ordenou a retirada das tropas nos locais mais expostos. Ele transferiu as operações para seus parceiros sauditas e israelenses e reduziu o protagonismo prévio das tropas norte-americanas. Ele apoiou a anexação da Cisjordânia e os massacres dos iemenitas, mas não comprometeu o Pentágono a outra intervenção. Ele retirou os fuzileiros navais da crise na Líbia, retirou tropas da Síria e abandonou os aliados curdos. Naquela região, ele endossou a crescente intervenção da Turquia e consentiu para a preeminência da Rússia.
Trump novamente experimentou a mesma impotência de seus predecessores no controle da proliferação do poder nuclear. Essa incapacidade de restringir a posse de bombas atômicas a um seleto clube de potências ilustra as limitações norte-americanas. Os Estados Unidos não podem ditar o curso do planeta se uma determinada quantidade de