Por Eugeni Pachukanis, traduzido por Túlio Lisboa
Nota Introdutória
Em sua Teoria Geral do Direito e Marxismo, e em qualquer outro lugar, Pachukanis desenvolveu uma teoria da Forma Jurídica que assumiu a proposição provocativa de que o Estado é um conceito derivado. De fato, a negação inflexível desta proposição tem sido afirmada por Stuchka pelo menos desde 1919. Por 1929, o Partido estabeleceu um curso preocupante para a industrialização e coletivização, o primeiro Plano Quinquenal foi lançado com este objetivo, e Stálin consolidou a supremacia da sua própria linha política à custa de outras possibilidades disponíveis com o fim da Nova Política Econômica. No Pleno de Abril do Comitê Central do PCUS, Stalin demandou a intensificação da luta de classes e a consolidação da Ditadura do Proletariado. Em efeito, ambos pareceram requerer o aumento do uso do Estado e das agências administrativas. Não mais meramente as políticas do discurso acadêmico, mas agora as políticas do Direito soviético pediram que Pachukanis, a figura proeminente na jurisprudência marxista, adaptasse seu pensamento à nova concepção do Partido do Estado e Direito soviéticos. Sua resposta foi um longo ensaio, traduzido em sequência, do papel necessário do Estado em tempos de crise político-econômicas. O objeto superficial de sua pesquisa é o caráter e significado da intervenção e regulação econômica exercidas pelos estados da Alemanha e Inglaterra durante a guerra de 1914-1918. Mas o leitor rapidamente percebe que Pachukanis se utiliza disto [sentença incompleta] [para criticar o caráter formal-abstrato que toma conta da discussão, mesmo entre os marxistas – NT].
Para o início do trabalho neste tema, experenciei uma apreensão da seguinte natureza. O principal problema alcança os, assim chamados, efeitos reflexivos da superestrutura em sua base. Pode-se questionar: o que de novo pode ser dito a este respeito, diferente de posições antigas, já estabelecidas e justificadas? Isto não pode acabar flertando com o perigo de se repetir, em suas próprias palavras, verdades de longa data e conhecidas por todos? Este abuso acontece com mais frequência entre nós e, além disso, a fisiologia ensina que a repetição monótona de uma mesma irritação apenas reduz a receptividade do sistema nervoso.
Portanto, antes de tudo, pus a seguinte questão para mim mesmo: o que há de novo sobre o tema do problema diante de nós? E, na verdade, depois da mais superficial pesquisa da literatura, uma grande ação aparentou ser nova. Finalmente tive de me preocupar com alguma outra coisa, nomeada, e neste breve ensaio eu dificilmente poderia cobrir todos os aspectos e detalhes separados do problema que se apresenta.
A influência do Estado sobre a economia – a regulação legal é apenas uma forma especial desta influência – deve agora ser considerada à luz da experiência da fase imperialista de desenvolvimento capitalista, em particular à luz das tentativas desta fase de controle e regulação da economia nacional, que se apresentou ao tempo da [Primeira] Guerra Mundial. Estas tentativas geraram toda uma literatura que, deve se dizer, ainda é insuficientemente estudada entre nós. Enquanto, para se constar, a experiência da Alemanha é mais ou menos estudada e conhecida, as não-menos interessantes tentativas no controle e regulação da economia nacional conduzida pelo governo da Inglaterra é de maneira significante menos conhecida entre nós. Eu, pelo menos, teria dificuldade em nomear mesmo apenas um trabalho direcionado à regulação da economia da Inglaterra durante a guerra, apesar de não ser pequeno o número de trabalhos sobre isto publicados fora do país. Outro fato de colossal significância é a nossa construção do socialismo. Aqui podemos observar a mais profunda influência da superestrutura sobre a base, que é acompanhada pelo fato de que uma organização superestrutural – o Estado – está se tornando parte da base. O planejamento da economia nacional é a combinação de fatores conscientes e volitivos, prognósticos científicos e um arranjo com um propósito. Isto dá um novo aspecto ao problema e transmite a si uma riqueza de nuances que mais cedo chamaram a atenção. Em nossa literatura, estes problemas devem ser considerados à luz das várias tentativas de definir os limites e natureza da operação da lei de valor em nossa economia. Uma controvérsia circunda as colocações de Preobrazhensky, que avançou no conceito da lei da acumulação primitiva socialista, em contraste à lei de valor [1]. A perspicácia dos argumentos é, sem dúvida, causada pelo fato de que a matéria se relaciona aos mais urgentes problemas da economia política. Contudo, difamações muito pesadas foram escutadas de ambos os lados ao nível puramente metodológico. Em particular, Preobrazhensky viu junto com seus oponentes uma tendência a negar o materialismo histórico e escorregar à posição de Stammler.
Como será aparente com o que se segue, duas outras discussões, as quais se desenvolveram entre os economistas marxistas, também terão consequências nos problemas com os quais estamos lidando. Sendo estas a discussão sobre o tópico da Teoria da Economia Política e a discussão contínua desenrolada no livro de I. I. Rubins, sendo os Ensaios Sobre a Teoria do Valor de Marx.
Na literatura burguesa sobre economia, temos toda um série de trabalhos dedicados à interação entre as leis econômicas e as, assim chamadas, “influências sociais”. A urgência deste problema começa a ser sentida mesmo antes da [Primeira] Guerra Mundial e antes da expansão da regulação estatal. A parte decisiva foi posta tanto pela intensificação da luta de classes inerente no período imperialista, quanto pelo crescimento do papel da organização estatal. Os economistas burgueses sentiram a necessidade de se dedicarem ao estudo do elemento social no fenômeno econômico. É característica, a este respeito, a afirmação de um dos representantes brilhantes da individualista abordagem subjetivo-psicológica na economia política, o líder da Escola Austríaca, Bohm-Bawerk. Em seu trabalho, Poder ou Direito Econômico, escrito às vésperas da guerra de 1914-1918, Bohm-Bawerk declarou que havia uma lacuna na ciência econômica precisamente na área de estudo das influências sociais.
“Esta lacuna [lemos em seu trabalho] sempre foi sentida como tal; porém, durante a década passada se tornou mais particularmente notável, pois a intervenção de fatores de poder social tem crescido continuamente em nosso mais recente desenvolvimento econômico. Trustes, cartéis, consórcios econômicos e monopólios, de um lado; organizações de trabalhadores com métodos coercitivos na forma de greves e boicotes, no outro – exercem pressão, forçando seus caminhos na formação e distribuição de preços; e sequer mencionamos ainda influências artificiais de rápido crescimento que decorrem da política econômica do Estado.” [2]
Na literatura econômica burguesa (principalmente a alemã) das décadas recentes, toda uma Escola tem tomado forma, fortemente enfatizando a importância da regulação social como um fator que deve ser considerado no estudo do fenômeno econômico. Karl Diehl pertence a esta tendência; seus representantes mais excepcionais incluem Stolzman, Amon, Oppenheimer, Spann, dentre outros. A produtividade desta tendência não enfraqueceu, mas antes, fortaleceu-se durantes os anos pós-guerra. Os problemas da relação econômica e social começaram a despertar o interesse até, nos mais ou menos ortodoxos, marginalistas; irei pontuar apenas o trabalho de Strigl [3]. Uma gama de capítulos da obra de Max Weber Economia e Sociedade se dedicam ao mesmo tema [4]; Dobretzberger traz um resumo dos vários pontos de vista teóricos na questão da relação entre economia e Direito [5].
Finalmente, como um novo elemento, é necessário levar em consideração que a nossa prática revolucionária tem formado uma imagem dos fatores específicos da superestrutura jurídica, e uma muito mais clara que a anterior. Por isso, considera-se, enquanto que no período pré-soviético com frequência se encontrava a assertiva de que o socialismo resultaria no desenvolvimento incomum da superestrutura jurídica, agora, obviamente, nenhum dos marxistas concordaria com isto. Para nós é indisputável que a crescente importância da regulação consciente dos processos econômicos, e de maneira geral o desenvolvimento de uma vontade da consciência coletiva na base do materialismo histórico e na base dos aspectos de uma sociedade socialista, são de maneira nenhuma equivalentes a expandir o papel do Direito. Mas ao contrário, estas são acompanhadas pelo seu inevitável definhamento.
Em sua formulação mais genérica, o problema economia e lei – ou, mais amplamente, economia e influências social-regulatórias – representa e representou uma arena de batalha pelo entendimento materialista da história. É por entre estas linhas que o marxismo deve defender a sua posição do ataque de todas as variantes possíveis do idealismo filosófico. A tendência social na filosofia política, que foi discutida acima, tem indiscutível afinidade ideológica com a filosofia do neo-kantianismo, em particular com as construções filosóficas de Rudolf Stammler. É claro, Stammler tem tentado refutar o entendimento materialista da história, declarando a regulação legal como uma premissa lógica dos processos econômicos. O que se segue é uma das formulações que mais explicitamente comunica as bases do seu pensamento:
“Na base de todos os estudos de política econômica, e, com isso, na base de todo estudo sobre a economia nacional, repousa uma definida regulação legal ou convencional, no sentido de que seu ordenamento jurídico concreto é uma condição lógica do conceito ou princípio da política econômica dados. Se nós, a qualquer tempo, descartarmos intelectualmente esta regulação definida e necessariamente assumida, não restará nada deste conceito ou princípio econômico.” [6]
A natureza insatisfatória de soluções baseadas no idealismo filosófico, claramente, não elimina o problema. A sua essência é expressa de tal forma: uma série de regularidades espontâneas e inteiramente objetivas na ordem econômica, encontrando suas expressões nas categorias econômicas, são dadas; de outro lado, na base destas regulações econômicas, fatores mais ou menos subjetivos se desenvolvem na forma da interferência de forças de uma classe organizada, preeminentemente o Estado enquanto a mais abrangente organização da classe dominante. Pode-se perguntar: como se deve conceber a relação entre as leis elementares da economia e a intervenção enérgica de organização social? Antes de tudo, é indisputável que o econômico e o não-econômico deve ser considerado como algo unitário. As forças sociais não invadem o processo econômico, tangencialmente ou deus ex machina. O social, como Bukharin propriamente enfatizou em sua polêmica com Tugan-Baranovsky, é o alter ego do econômico. É absurdo considerar, como Bohm-Bawerk, o econômico e o social como puramente opostos. Contudo, também é errôneo se limitar a enfatizar o elemento desta unidade, assim, transformando-os em uma identidade. É impossível ser complacente com o fato de que a luta de classes está já incluída nas categorias econômicas. O método dialético necessita da consideração de fenômenos econômicos e sociais enquanto a unidade de opostos. A economia não apenas inclui os elementos da luta de classes, como também os assume fora de si, como basilares e como opostos, comprimidos numa mesma unidade. A economia alcança o seu potencial através do não-econômico (“a política é a economia concentrada”); isto não apenas determina seu alter ego, mas em contrapartida é também determinado pelo mesmo. Processos sócio-políticos não apenas refletem em mudanças completas na base econômica, mas também antecipam mudanças futuras. Tal é a importância da revolução proletária e a ditadura do proletariado.
Encontramos uma indicação extremamente valiosa de como o próprio Marx enxergava as categorias econômicas, em uma de suas cartas a Engels, datada de 10 de outubro de 1868:
“Por acaso, encontrei numa pequena livraria o livro Relatório e Evidência, sobre a lei de inquilinato irlandesa de 1867 (Casa de Donos). Foi um verdadeiro achado. Em um tempo que os cavalheiros economistas estão considerando a disputa sobre se o aluguel de terras é um pagamento pelas diferenças naturais no solo ou se é um mero interesse sobre capital investido em terra, uma disputa puramente dogmática, aqui vemos uma luta praticamente “de vida ou morte” entre o agricultor e o dono da terra – em que medida alugar poderia também incluir, além do pagamento para as diferentes qualidades de terra, um interesse sobre o capital investido na terra não do dono da terra, mas do inquilino. A política econômica só pode se transformar em uma ciência positiva por este caminho, realocando teorias divergentes com fatos divergentes, e as reais contradições formando a base oculta do agricultor.” [7]
O que pode ser entendido desta carta? Primeiro, que Marx propôs procurar a luta de classes em um lugar que doutrinadores viram a mera tarefa de delimitar categorias econômicas. Em segundo, o resultado econômico, o grau com o qual uma categoria ou outra é puramente encorpada, depende do resultado prático da luta de classes. As categorias abstratas da política econômica indicam limites apenas gerais, ao invés de amplos. A regularidade mais concreta é a da luta de classes, e pode apenas ser estabelecida tomando total consciência de todas as condições da mesma. Parece-nos que os pensamentos de Marx ainda não foram suficientemente dominados pelos economistas. Por mais que haja uma discussão de conflito nos estudos econômicos que é mais ou menos abstrata, isto, todavia, é normalmente entendido para significar a competição de mercado, competição entre empresas similares, em que uma derrota a outra com maior produtividade laboral ou maior tecnologia; em uma palavra, com menos custos e menos preços de mercado. Porém, na verdade, a competição de mercado é apenas uma, e de nenhuma maneira a única, forma de batalha econômica. Em A Economia no Período de Transição, Bukharin distingue a “competição vertical, horizontal e combinada”. Apenas no caso de competição horizontal, isto é, quando temos uma batalha entre empresas similares por um mercado, o método de preços baixos encontra sua plena aplicação. Mas este método é inaplicável nos casos em que a batalha está sobre da divisão de valores excedentes secundários entre empresas postas em uma relação vertical (matéria-prima, bens semifinalizados, produto final). O mesmo é verdade a respeito da disputa por terra entre a agricultura de grande e pequena escala, e a respeito da disputa entre organizações monopolistas por fontes de matéria-prima e por áreas de investimento de capital. Apesar de tudo, todos estes fenômenos são indubitavelmente refletidos nos preços e, de acordo, estão de um jeito ou de outro conectados com o mercado, e isso, no entanto, não faz deles fenômenos mercadológicos.
A imensa maioria dos economistas burgueses são caracterizados pela tentativa de permanecer na esfera da competição de mercado e se concentrarem exclusivamente nas leis de formação de preço. Estas leis são consideradas como o assunto específico da teoria econômica “pura”. A Escola Austríaca se baseia na derivação destas leis das premissas simplistas: a importância da demanda, e o suprimento de riquezas descartáveis dão uma forma completa a uma teoria econômica que escolhe não ter nada em comum com a realidade e suas leis de desenvolvimento.
Como um dos exemplos com o qual podemos ver a diferença entre a teoria marxista e as teorias “puramente econômicas” das escolas burguesas, direcionamos a atenção ao problema do imperialismo. De um lado temos a teoria econômica do imperialismo, tal como Lênin a formulou, uma teoria que inclui toda uma série de elementos muito concretos: o grau de concentração de produção, a transformação no papel dos bancos, a exportação de capital, a divisão monopolista do mundo etc.; enquanto que de outro temos, por exemplo, conclusões de um economista burguês proeminente como Schumpeter, que propõe que a concentração e centralização do capital é lucrável economicamente apenas a certos limites racionais – e se ultrapassar estes limites, é porque causas de natureza não-econômicas são adicionadas a causas puramente econômicas:
“Se, no entanto, empresas gigantes e trustes surgirem, que dominam as indústrias de países inteiros [ele diz] e mais ainda – se a economia da livre concorrência der cada vez mais espaço à disputa entre grandes monopólios, então para isto haverá outras causas, não puramente econômicas. Antes de tudo, isto é a influência de instintos de luta nacionalistas, militaristas e imperialistas, que não podem ser inteiramente explicados pelas condições econômicas de nosso período. Em outras palavras, uma política de Estado de Força tem transformado a economia – por meio de tarifas protecionistas, o dumping de mercadorias e do capital – e tem feito nossa economia mundial algo além do que seria conquistado pelo resultado do cálculo econômico egoístico, de indivíduos isolados abandonados a si mesmos.” [8]
Concluímos que Schumpeter se recusa a utilizar as regulações econômicas na explicação do mais importante fenômeno do desenvolvimento capitalista. Sua teoria econômica termina antes de chegar a este ponto.
Outro representante da Escola Austríaca – Strigl – vai muito além. Ele simplesmente nega o elemento social, apresentando-o como desprovido de qualquer significância para a teoria econômica.
O que é claro é que tal teoria econômica é incapaz de explicar qualquer coisa do processo econômico que ocorre em realidade, mas não é mesmo sequer proposta para fazer isto. As conclusões de Strigl demonstraram em prática que a metodologia da Escola Austríaca é um reductio ad absurdum. Leis puramente econômicas se mostram bastante inúteis, e certamente não serão a chave que abrirá a porta para a cognição da realidade, mas, como o camarada Stepanov expressou, “simplesmente a chave de um cavalheiro em espera que a burguesia eleva ao sacerdócio de sua ciência”.
II
Toda teoria econômica que queira merecer tal nome deve ter em sua base alguma concepção sociológica. Apenas com uma teoria assim é possível antecipar uma à nossa questão da relação entre elementos econômicos e não-econômicos. A política econômica burguesa, como vimos, não tinha condições de lidar com uma tarefa destas. Tentou-se ou retirar a economia de seu contexto social e construir leis econômicas abstraídas de sua produção social, ou introduzir elementos sociais, os quais imediatamente decaem em uma idealista e ingênua teleologia.
A vantagem colossal do marxismo está no fato de que a sua teoria econômica se apoia na fundação sólida do materialismo histórico, constituindo uma unidade em completo. As categorias econômicas, de uma perspectiva marxista, são o reflexo de um sistema específico de relações de produção. Em toda sociedade antagônica as relações de classe encontram continuidade e concretização na esfera da luta política, da estrutura estatal e da ordem jurídica. Por outro lado, a particular qualidade irredutível da economia – como a totalidade das relações sociais de produção – não descarta nem a unidade dessas relações nem o processo material de produção enquanto processo entre o homem e a natureza. As características qualitativas e quantitativas específicas deste processo, as quais encontramos no conceito de forças produtivas, são decisivas na análise final. A economia, portanto, deve ser considerada na relação dialética tanto com o – muito material – processo de produção quanto com as relações superestruturais às quais seu potencial é inerente. Assim, enquanto a metodologia primariamente kantiana dos economistas burgueses e cientistas políticos procuram relações de condicionalidade lógica formal, a dialética marxista deve revelar a real dependência, o real movimento das coisas por si mesmas.
Isto não é de maneira alguma uma tarefa simples, as relações concretas são muito mais complexas que dependências a priori. Não dever ser surpresa, portanto, que a nossa teoria marxista teve de empenhar uma quantidade significativa de atenção para certas questões preliminares. Ao invés de perceberem imediatamente aquelas indubitáveis vantagens científicas das quais a teoria marxista da política econômica se aproveita, foi necessário debater como de fato essas vantagens deveriam ser usadas. Presumiremos uma intervenção nesse debate apenas porque os problemas lidados não são de nenhum jeito específicos, pelo contrário, dão uma natureza metodológica geral e estão conectados da maneira mais próxima ao nosso próprio tema.
O ponto de partida da discussão foi a concepção bogdanoviana, a qual por um longo tempo foi reconhecida como o modelo de discussão, na perspectiva da coordenação da teoria marxista de política econômica com o materialismo histórico. Por esta razão, O Breve Curso na Ciência Econômica era, em seu tempo, altamente valorizado por Lênin. “A virtude fora do normal do Curso do senhor Bodagnov”, escreveu Lênin, “está no fato de que o autor consistentemente aderiu ao materialismo histórico”. [9]
Porém, um passo adiante no desenvolvimento de uma ciência econômica marxista aqui poderia ser apenas concebido no caminho da crítica e superação da concepção de Bodagnov. Para, a princípio, a conexão entre a filosofia antimarxista de Bodagnov e seu entendimento das questões básicas da teoria econômica não ser suficientemente óbvia (tanto mais desde que as visões filosóficas de Bodagnov no fim dos anos 1890 ainda não tomarem forma neste sistema anti-materialista finalizado, no qual foram moldadas no período do Empirio-Monismo e Tectologia) [10]; no entanto, mais tarde nenhuma dúvida restou a este respeito. É impossível construir e desenvolver uma teoria marxista de política econômica rejeitando tanto o materialismo quanto a dialética. A concepção mecanicista vulgar e antidialética de Bodagnov na área da política econômica antes de tudo influenciou o seu entendimento da categoria de valor. Em Bodagnov, a qualidade especial desta categoria correspondente a específicas relações sociais, desaparece; o valor perde sua natureza mutante e historicamente condicionada; é equacionado com energia e fisiologia. Tal conceito não pode ser descrito como qualquer coisa que não uma vulgarização e distorção da teoria econômica de Marx.
O fim da disputa com o bogdanovismo, na área da teoria econômica, normalmente se apresenta na discussão na matéria de política econômica que adentrou os muros da Academia Comunista em 1925. Mas, como costuma acontecer, o fim da disputa serviu como o início de uma nova – e não menos esquentada – discussão, posta nas fileiras dos oponentes de Bodagnov [11]. Deve-se assumir uma, de duas coisas: seja que os erros de Bodagnov e suas miras antidialéticas continuam a se “aconchegar” em algum lugar entre os marxistas ou, que no curso da luta contra estes erros, novos erros e desvios do método marxista foram comprometidos, e requereram uma pronta correção. Sou obrigado a dizer que, em meu ponto de vista, é esta última versão que está correta, a versão sustentada pelos oponentes de Rubin, embora mesmo eles não pensem através de certas posições no final. Para deixar mais claro, eu considero que a, assim chamada, concepção Rubinita, com todo o seu futuro próximo, é uma conclusão lógica da posição que coloca que o sujeito da teoria político-econômica é exclusivamente a categoria da economia capitalista de mercado e suas correspondentes relações de produção. E, no sentido contrário, eu afirmo que a luta por um entendimento marxista, isto é, por um entendimento histórico das categorias de valor, de nenhum jeito requer um entendimento truncado do sujeito da política econômica. [12]
Portanto, apesar da declaração mais categórica de que a questão do sujeito da economia política foi decidida de uma vez por todas e que, em um sentido limitado, essa decisão é confirmada pelas assinaturas de todas as autoridades marxistas, eu considero possível e necessário por esta questão de novo – precisamente no interesse da dialética marxista, à qual muita atenção tem sido dada entre nós. Por isso, é muito bom quando uma concepção mecanicista vulgar dá lugar ao materialismo dialético, mas muito ruim quando economistas burgueses, tal como Ammon, se tornam os guias para marxistas na luta contra o bognadovismo, economistas para os quais a unidade de seu sujeito científico não é resultado da unidade material do fenômeno a ser estudado, mas sim construído a partir da unidade e da similaridade de suposições lógicas.
Na verdade, é o conceito da especificidade histórica das categorias de valor que requer do dialético marxista não apenas a habilidade de lidar com elas em sua forma final, mas a habilidade de demonstrar a sua origem histórica e, consequentemente, mostrar a conexão entre a economia de mercado monetário e a economia de marcado capitalista com as formações econômicas precedentes. A teoria econômica pode, de jeito nenhum, declinar desta tarefa se, de acordo às visões de Marx, a mesma deve estudar o fenômeno econômico em seu movimento e desenvolvimento, isto é, estabelecer as leis de movimento de uma forma à outra, de um sistema de relações a outro. O que isto significa, então, para o estudo do sistema capitalista em sua origem, desenvolvimento e declínio? Significa se limitar às analises abstratas das formas de valor? Não, para as formas de valor em si mesmas, no seu completo desenvolvimento, já se assume um capitalismo estabelecido. “Para a teoria abstrata do capitalismo”, escreveu Lenin, “existe apenas um totalmente desenvolvido e estabelecido capitalismo, e a questão de sua origem é apagada”. O mesmo se refere também, claro, ao declínio e destruição da ordem capitalista.
Além disso, quando Marx afirma que o conceito do arrendamento [aluguel de terras] nos revela a essência da metayage feudal [sistema de cultivo de terra] e do dízimo, como isto pode ser, se o sujeito da política econômica é apenas a forma objetificada – o valor – de relações sociais? Na economia natural esta forma é, na verdade, ausente. Por que então é necessário por que Marx tinha em mente, não a essência econômica de metayage e dízimo, mas alguma outra coisa? Mas o que? Dificilmente pode-se encontrar uma resposta satisfatória a esta questão. Certos autores, é fato, tentam contrastar as regularidades econômicas (relacionando apenas com a produção de mercadoria) com leis sociológicas gerais efetivas nas formações pré-comerciais e pós-comerciais. Mas acontece que tal contraste não se alinha com o marxismo de forma geral, e com o materialismo histórico em particular.
De forma geral, é um exemplo desta categoria, da categoria de exploração, que a distorção de um tratamento limitado do sujeito da política econômica pode ser vista o mais claramente possível. Ninguém ousaria negar que a exploração é um conceito econômico, e ninguém também ousaria negar que as relações de exploração não são restringidas, em geral, pela forma de valor. Até agora temos pensado que as contribuições de Marx consistiram tanto no fato dele ter mostrado a natureza específica da forma capitalista de exploração, quanto em ter estabelecido esta conexão a outras formas (escravidão, servidão,…). E agora, podemos ver que eles nos ensinam que a teoria econômica marxista termina onde a análise de fatores particulares do valor termina, e que toda tentativa de ir além dos limites das relações objetificadas e identificar a economia natural e capitalista de mercado enquanto duas fases de desenvolvimento, ameaça cair em um bogdanovismo e leva ao tratamento fisiológico e energicamente orientado das relações sociais.
Vamos fazer uma pausa para outra consideração, que foi expressada pelo camarada Osinsky em uma discussão com I. I. Skvortsov-Stepanov e formulada assim: “Na medida em que a troca não existe, uma economia nacional não existe, e para esta medida, política econômica também não existe” [13]
Portanto, os conceitos de relações sociais e relações de troca são declarados coincidentes e isomórficos entre si. Na verdade, o primeiro é mais amplo. Qualquer sistema de exploração natural no Estado do antigo Egito, ou no Estado dos Incas, combinou grandes massas humanas com uma relação econômica, embora não fosse uma relação através de mercado ou através de troca. Assim, em primeiro lugar, declarar que apenas a troca cria o conceito de uma economia nacional não corresponde à história econômica. Em segundo lugar, quando a troca é introduzida como um conceito “constituinte” do sujeito da política econômica, não significa que carrega os atributos de um fenômeno histórico que passou por um determinado nível de desenvolvimento conectado à economia natural por milhares de transições diferentes que tiveram níveis desde a troca de excedentes e de produtos particularmente raros a troca de mercadorias desenvolvida; não, isto é considerar como algo sempre igual a si mesmo, como um complexo de características formais completas, como a condição lógica para o desenvolvimento de problemas teóricos de política econômica.
Se abordamos a troca por uma perspectiva histórica, então não podemos nos confinar aos limites da categoria de valor, porque devemos estudar o processo que primariamente cria esta categoria. Se a troca é tratada como uma base lógica, constituindo a unidade do sujeito da teoria econômica, então corremos o risco de, sem perceber, escorregar a uma concepção de lógica formal de economistas burgueses iguais a Diehl, Ammon e outros. Para o segundo, por exemplo, a premissa dos problemas teóricos da ciência econômica é a liberdade individual daqueles engajados na troca.
“Se imaginarmos a ausência desta liberdade (a liberdade de determinar as relações de troca quantitativas dos objetos trocados) e em seu lugar por uma taxa definida de troca estabelecida para indivíduos pela ordem social, e fixar preços independentemente de sua regulação individual; então, falando apropriadamente, o problema teórico da política econômica, o problema do preço, é assim destruído.” [14]
Ligado à tendência à interpretação restritiva do sujeito da política econômica está o super-simplificado contraste entre a economia organizada (pré-comercial e pós-comercial) e a desorganizada (troca), super-simplificada no sentido de que na economia organizada todas as relações e todo o desenvolvimento são retratados como inteiramente e completamente subordinados a uma vontade coletiva ou outro querer dominante. E disto, a conclusão a se tirar pode ser, em geral, que nenhuma lei objetiva do desenvolvimento de sociedade organizada pode existir, e que a tarefa de cognição, neste caso, é reduzida à simples descrição somada à declaração de algum sistema de normas.
A respeito da sociedade pré-comercial, isto é, as formas primitivas de economia natural e semi-natural, é inteiramente compreensível porque, no estudo da transição destas formas às mais complexas, devemos nos limitar ao método descritivo e não podemos elevar generalizações (é possível não se falar em “sistema de normas”, porque dificilmente qualquer um se compromete a afirmar que o declínio da economia natural era a projeção de alguma norma anteriormente estabelecida).
Aí resta, de acordo, apenas um fato verdadeiro: as regularidades correspondentes não estão embutidas na forma da lei do valor, já que esta forma ainda não tomou corpo. Se tomarmos a economia do período de transição ao socialismo, então ninguém estará inclinado a negar a presença de regulações objetivas na ordem econômica, que, de novo, são de maneira nenhuma confinadas à forma da lei de valor. Por fim, sob o socialismo desenvolvido, as relações de produção serão acentuadamente determinadas pela vontade consciente do coletivo. Por este motivo, está aí todas as bases para dizer que a tecnologia social é a ciência do futuro. Contudo, seria inocente imaginar que a tecnologia social é inteiramente capaz de substituir a ciência das leis objetivas de desenvolvimento social. Para cada tecnologia, está nada além do que a aplicação, na prática, das leis de alguma ciência – física, química, biologia… Talvez se pergunte: como a tecnologia social pode se desenvolver se ela não é acompanhada pelo poderoso desenvolvimento da ciência da sociedade? E, em sentido contrário: como se pode imaginar o desenvolvimento de um experimento social (tecnologia não é nada sem experimentação) que não envolverá uma mais profunda, detalhada e exata compreensão de relações e conexões objetivas? Parece, a certos camaradas, que estas regularidades objetivas poderiam receber o nome de “sociológicas gerais”.
Mas, talvez se pergunte: como pode qualquer regularidade social geral permanecer com o desaparecimento das regularidades econômicas? Para o escopo de que as relações sociais – em seus caracteres e mudanças – são subordinadas a alguma necessidade, então, primariamente, elas são subordinadas a esta necessidade a qual é incluída na produção conjunta, na relação de trabalho. Se todas as leis objetivas desaparecessem nesta área, logo, pode-se questionar, de que maneira qualquer regularidade social geral pode ser preservada? Toda a questão consiste no fato de que o “salto do reino da necessidade ao reino da liberdade” de Engels é entendido muito simplificadamente, muito literalmente. [15]
A racionalização mais ampla, mais consistente da economia nacional, no entanto, não pode eliminar o fato de que a unificação do povo na sociedade não é produto de sua livre decisão consciente, como Rousseau propôs, mas é compelida pelas condições de sua existência; estas condições prescreveram mesmo a forma desta união. Se essa necessidade deixou de ser cega e era inteiramente reconhecida pelas pessoas, então não desapareceu completamente, por causa disto, nenhum reconhecimento das leis objetivas destruiu seus efeitos. Consequentemente, mesmo sob um desenvolvido socialismo não restará, ou sequer crescerá, a necessidade de uma ciência que estude as leis objetivas de movimento e desenvolvimento das relações sociais de produção – que estão na base de todo desenvolvimento social por completo. Se o estudo das regularidades econômicas é reduzido exclusivamente às análises abstratas das categorias de valor, então, a própria sucessão de formas econômicas será inteiramente incompreensível para nós. Ao mesmo tempo, a teoria econômica de Marx será privada de todo o seu dinamismo. Tomemos, por exemplo, tais fatos como a expropriação de pequenos produtores, o que constitui uma premissa para o desenvolvimento do capitalismo, ou o desenvolvimento do capitalismo monopolista. É realmente possível extraí-los da análise abstrata das categorias de uma economia capitalista de mercado? Incidentalmente, Rosa Luxemburgo tentou construir uma teoria econômica de imperialismo com base em uma análise de esquemas abstratos de reprodução, e ela sofreu um completo fracasso. Em contrário, a “descrição” de Lenin revelou a essência do crescimento do capitalismo pré-monopolista ao capitalismo monopolista.
À lei de valor é, em geral, dada – de maneira desproporcional – grande importância por nós. Assim, por exemplo, a construção de uma teoria da economia para o período de transição estava quase completamente reduzida ao problema dos limites da efetividade da lei do valor em nossa economia.
A questão metodológica do destino das categorias de uma economia capitalista de mercado nas condições da nossa economia cresceu desproporcionalmente e empurrou tudo além para o segundo plano. A resolução correta desta questão tem grande importância, mas, não obstante, não nos revela as regularidades do desenvolvimento da economia soviética. Elas podem ser estabelecidas apenas após ter estudado e generalizado o material concreto que envolve tais questões, por exemplo, o aumento da produtividade do trabalho sob nossas condições, e os métodos deste aumento; o aumento na demanda por parte das massas de trabalhadores, e sua influência na economia; a nova interrelação entre as – assim chamadas – economia popular e economia de Estado; a economia de cooperação e coletivização etc. Infelizmente, tanto Bukharin quanto Preobrazhensky, somente nos prometeram um segundo, parte substantiva dos seus estudos. Enquanto isso, apenas poderá ser possível estabelecer as leis de desenvolvimento da economia do período de transição nesta parte substantiva.
Disputas sobre a importância da lei do valor para a economia soviética surgiram em conexão com o, bem conhecido, trabalho de Preobrazhensky. Lá encontramos o problema que tem grande importância também para nós juristas. Citarei apenas o depoimento do professor Venediktov:
“No seminário sobre direito econômico na Faculdade de Economia do Instituto Politécnico de Leningrado, fizemos uma tentativa de analisar conjuntamente com os participantes do seminário o problema “Planejamento e Direito” em conexão direta com o problema do valor na economia soviética. Essa tentativa revelou a todos a dificuldade da análise jurídica deste problema na presença de discordâncias afiadas sobre a questão de “reguladores” da economia soviética na literatura econômica.”
Preobrazhensky, como bem conhecemos, postulou o conceito da lei de acumulação socialista primitiva, que, em sua opinião, entraria em efeito pelo período em que o setor socialista da nossa sociedade não estaria suficientemente forte para combater o setor econômico privado sob condições de total livre concorrência. Esta lei, em suas palavras, “dita, com força coercitiva externa, taxas definidas de acumulação para o Estado soviético”, contrariando a lei de valor e em conflito com a mesma. Essa concepção de Preobrazhensky inclui uma série de ambiguidades e pontos vagos. Em primeiro lugar, a disputa contra a lei de valor poderia significar a total liquidação da forma histórica de objetificação das relações sociais, isto é, a vitória final da economia planificada e coletivizada sobre a economia e mercado; em segundo lugar, poderia significar a distorção, de um lado a outro (por intervenção estatal ou pela ajuda de monopólios), destas taxas comerciais as quais seriam estabelecidas pela livre concorrência. Na primeira, está se falando em extirpar as raízes do capitalismo, em liquidar a pequena produção de mercadorias que “produz e não pode mais produzir capitalismo”. A efetividade ilimitada da lei de valor significa a liberdade de competição, a disputa sem misericórdia por interesses privados, que tem como resultado que o grupo de pequenos produtores de mercadorias andem parcialemente ao lado do proletariado, e parcialmente ao lado dos capitalistas. A principal política do governo soviético é direcionada à transformação do desenvolvimento do campesinato econômico da linha capitalista à linha socialista. Mas este processo claramente não é abraçado pela fórmula da “acumulação primitiva socialista”. Este termo se relaciona a outro aspecto da matéria, e a luta contra a lei de valor tem outro sentido aqui. é uma questão de medidas para alcançar o nível máximo de acumulação no eixo socialista, que poderiam ser impossíveis sob as condições da livre concorrência, isto é, o eixo de gravidade, aqui, repousa não na colisão entre a base planificada e a forma de valor como tal, mas na influência de taxas comerciais concretas, ou seja, em políticas de preço. Esta influência é encontrada em cada passo na prática dos Estados capitalistas, para nenhum lugar do mundo a redistribuição do valor excedente se sedimenta na base da lei de valor, mesmo em sua forma complexa dos preços de produção. A verdadeira dinâmica de desenvolvimento de cada nova formação econômica é sempre refletida na violação das taxas normais de reprodução. Esta violação ocorre por causa da pressão das forças organizadas de classe, principalmente do Estado (política é economia concentrada). O capitalismo, enquanto se desenvolve, se autofinancia da maneira mais generosa. A questão era de jeito nenhum reduzida ao fato de que a burguesia lutou contra os grilhões e restrições da ordem feudalista. Nos EUA, por exemplo, levar essa batalha era quase desnecessário (se não se leva em conta a derrota dos estados sulistas nos anos 1860). Contudo, a batalha na área da circulação monetária, crédito, política de costumes e política ferroviária, consistiu especificamente na criação de condições particularmente favoráveis para o capital de larga escala às custas de todas as outras classes e grupos sociais. O capital, ou os meios de produção, nunca fluíram de um setor a outro nestas taxas que poderiam ter derivado do efeito puro da lei do valor, mesmo nas formas de preços de produção: indústria pesada, por exemplo, sempre conseguiu uma posição privilegiada por si mesma. É o suficiente lembrar o investimento orçamentário na forma de diretivas governamentais, protecionismo, vantagens, política tarifária, etc.
Assim, a espontaneidade com a qual a lei do valor atua é inteiramente suficiente para a reprodução constante das relações capitalistas na área da pequena produção de mercadorias. Porém esta espontaneidade é insuficiente para garantir ao capitalismo uma vitória definitiva, e é insuficiente para fortalecer a dominação de ramos líderes da indústria, de poderoso capital financeiro e industrial. O potencial econômico inerente e a economia concentrada sempre chegam ao resgate neste caso, quer dizer, a política da classe dominante e o Estado o qual está a sua disposição. A luta com a lei de valor neste sentido é algo inteiramente rotineiro na prática dos Estados capitalistas. Em Preobrazhensky isto aparece como se a mudança das taxas de acumulação por uma política definida fosse possível apenas nos interesses do crescimento do setor socialista. Isto não é, por nenhum jeito, o caso que tem sido aplicado e vem sendo aplicado por um capital em larga escala para seu próprio benefício.
A luta entre os setores privado e coletivo não pode, portanto, ser tratada como equivalente à luta com a lei de valor, porque a transferência de ativos não ocorre apenas através do mercado.
Imagine que certa riqueza econômica se transfira do setor coletivizado ao setor econômico privado, mas não por comércio de mercado e afastado de qualquer lei de valor. Obviamente que isto seria um fenômeno muito indesejável para nós, e nos ameaçaria com o mesmo perigo que a restauração das relações econômicas burguesas. O problema, ao que parece, não é de nenhuma maneira restringido ao efeito da lei de valor. Pode-se dizer que neste caso eu tenho em mente abusos simples, enquanto Preobrazhensky tem em mente leis econômicas, mas isto não é qualquer outra coisa que não a fetichização das leis econômicas. Na verdade tudo é reduzido à pressão a qual a ditadura do proletariado experimenta daquelas primeiras manifestações do capitalismo, que são inevitáveis com a presença da pequena produção de mercadorias. E isso é o suficiente para imaginar que a ditadura do proletariado se tornou algo enfraquecido, para concordar que o resultado inevitável disto seria a transferência de todos os tipos de fundos sociais às mãos dos homens-de-negócios privados, kulaks [pequenos produtores rurais] etc.
Não há terreno separando a política de proteção de ativos coletivos da política de suporte à aceleração do crescimento do setor socialista. Contudo, em primeiro lugar, nós estamos lidando com medidas que não são conectadas às interferências nas taxas de comércio, mas, mais constantemente, consistem na remoção total de circulação de objetos específicos (nacionalização da terra). Assim, indiscutivelmente, os camaradas que discordaram de Preobrazhensky estavam mais corretos, que propuseram falar não da luta entre a lei de acumulação primitiva socialista e a lei de valor como fenômeno básico da economia do período de transição – mas da luta dos setores socialistas e setores capitalistas privados. Então a política de coletivização e a formação cooperativa seriam também incluídas aqui, uma política que, igualmente, não é exaurida de jeito nenhum pela interferência de taxas comerciais espontaneamente estabelecidas.
Nós não estamos tocando, nesta conexão, no erro básico da concepção de Preobrazhensky, um erro básico que consiste em ele ter representado as contradições da nossa economia como contradições capitalistas, não levando em conta dos elementos de unidade incluídos nisto, expressão da qual é a união da classe trabalhadora e campesinato (então, daqui para a similaridade peculiar da economia campesina às colônias etc.).
De maneira generalizada, toda a “lei de acumulação socialista primitiva” se conclui à necessidade de preservar, por um certo tempo, o comércio não-equivalente entre a cidade e o campo. Mas junto à esta necessidade existe um pequeno número de leis as quais são tão imperativas quanto, por exemplo: a necessidade de aumentar a produtividade do trabalho; a necessidade de aumentar o bem-estar anual do povo trabalhador; a necessidade de proteger ativos coletivizados etc. É inteiramente incompreensível por que a soma total de condições objetivas, com as quais necessariamente se constrói o socialismo, deve se incorporar à necessidade de trocas não-equivalentes apenas.
Finalmente, o último, mas não menos significante, desentendimento, caio sobre o camarada Preobrazhensky com a lei de distribuição proporcional de dispesas de trabalho. Inicialmente, a mera menção à existência de uma lei assim, apesar de ser acompanhada por uma citação exata à Marx, trouxe à tona acusações fortes de bognadovismo, de falha em entender a natureza transitória da categoria do valor etc. Entretanto, provou-se impossível de resolver este problema pelo protesto, e, por isso, tentamos, em uma explicação na publicação da segunda edição do A Nova Economia. Aconteceu que os oponentes de Preobrazhensky revelaram uma
“concepção naturalista e histórica da lei de valor, wuando eles confundiram a forma de regulação do processo econômico com o papel regulatório na economia de despesas sociais do trabalho em geral, e o papel que estas despesas desempenharam e irão desempenhar em todo o sistema da produção social.” [16]
Assim nós resumimos: a lei das despesas de trabalho existe, além do mais, tem funcionado e irá funcionar em todo sistema de produção social. Porém qual seria a relação desta lei com a lei de valor permanece, no entanto, obscuro. Deve-se retornar a Marx. Na carta de Marx a Kugelmann, de 11 de julho de 1868, lemos:
“Assumindo um papel central, o homem está fazendo a maior concessão possível ao admitir que, se alguém quer dizer qualquer coisa pelo valor, a conclusão a que chego deve ser aceita. Os colegas desafortunados não veem que, mesmo que não houvessem capítulos sobre o valor em meu livro, a análise das relações reais que faço conteriam a prova e a demonstração da relação de valor real. Todo o palavreado sobre a necessidade de se provar o conceito de valor vem da completa ignorância tanto do sujeito com que lidamos quanto do método científico. Toda criança sabe, também, que uma nação que parou de trabalhar, não digo que por um ano, mas mesmo por algumas semanas, pereceria. Toda criança sabe, inclusive, que as massas de produtos correspondentes às diferentes necessidades requerem massas diferentes e quantitativamente determinadas do trabalho total da sociedade. Que esta necessidade de distribuição do trabalho social em proporções definidas não pode ser terminada com uma forma particular de produção social, mas apenas pode modificar o modo como isto aparece, sua auto evidência. Nenhuma lei natural pode ser descartada. O que pode mudar, em diferentes circunstâncias históricas, é apenas as formas como estas leis se apresentam. E a forma na qual tal distribuição proporcional de trabalho se apresenta, numa condição de sociedade em que a interconexão de trabalho social se manifesta na troca privada de produtos de trabalho individuais, é precisamente o valor de troca destes produtos.” [17]
Desse jeito, Marx aponta, de maneira absolutamente clara, que a lei de valor é uma forma de expressão da lei mais geral das taxas de despesas de trabalho. Isto significa que as taxas quantitativas que estabelecemos em nosso plano entre diferentes setores da economia deve necessariamente repetir – sobretudo na sua forma mais pura – as taxas que tem sido estabelecidas na base da lei do valor, ou seja, nas condições da livre concorrência? Claro que não. Isto não é tema de nenhuma dúvida. Mas como nós conectamos isto à proposição indisputável de que a lei da proporcionalidade das despesas de trabalho tinha efeito em todas as formações sociais, e tem efeito agora, e “em geral, não pode ser eliminada”? Esta qustão não é respondida por Preobrazhensky, mas a resposta é clara. A lei da proporcionalidade das despesas de trabalho mostra apenas as condições mais gerais de equilíbrio; provém amplos limites, dentro dos quais divergências são possíveis de um lado a outro. Por virtude de sua generalização, esta lei é totalmente inadequada para a determinação de taxas quantitativas concretas, que são estabelecidas por um método no mecanismo de valor de mercado, e por outro método no plano da construção socialista. Para explicar como entendemos a relação entre estes “reguladores” usaremos a seguinte analogia: o processo de nutrição é basicamente condicionado pela necessidade de ocasionalmente renovar a energia gasta pelo organismo. O sentimento da fome é a forma com a qual nós sentimos uma dada necessidade fisiológica. Finalmente, em termos de quantidade, qualidade e tempo, a regulação consciente da nutrição é outra superestrutura. Todas estas coisas não necessariamente correspondem umas às outras. Há instâncias de ausência de apetite durante a fome biológica; há instâncias de falsa fome. A lei objetiva e a forma de sua aparência podem divergir uma da outra, do mesmo jeito que a regulação consciente da nutrição de jeito nenhum deve lidar exclusivamente com a manifestação de sentimentos subjetivos. Por fim, entre as fronteiras de leis fisiológicas gerais, a regulação consciente da nutrição deve ser exercida de diferentes maneiras, diversificando no aspecto qualitativo e quantitativo, e respeitando-se o tempo.
Em nossa economia nós temos uma imagem muito complexa. A lei de distribuição proporcional das despesas de trabalho marca as condições mais gerais de equilíbrio; dentro destes limites, taxas concretas de comércio são determinadas sob a influência poderosa e multilateral da política econômica do Estado proletário. Por fim, o valor, como uma forma específica de manifestação da lei de despesas de trabalho, estará em diferentes fases do definhamento em relação aos sucessos do desenvolvimento da economia socialista planificada. Contudo, não há nenhuma base para reduzir esta imagem complexa à forma simplificada da disputa entre a lei do valor e a “lei de acumulação primitiva socialista”.
III
Um experimento grandioso na regulação da economia nacional foi feito pelos Estados capitalistas durante da guerra. O estudo deste experimento ainda não foi apresentado apropriadamente na URSS. Na verdade, ele não tem apenas uma grande relevância teórica, mas também um profundo interesse prático. Não há dúvida de que, no iminente conflito mundial, o problema da organização da vida econômica se erguerá na dianteira, e sua solução mais ou menos bem sucedida será uma das mais importantes condições de vitória. Apenas a experiência alemã tem sido mais ou menos bem estudada aqui; existem trabalhos adequados e a literatura germânica tem sido estudada. A experiência da Inglaterra é muito menos conhecida, mas é tão significante quanto, se não mais. A regulação da vida econômica na Inglaterra era de certo jeito mais bem sucedida que na Alemanha. Os suprimentos na Inglaterra nunca se reduziram a níveis tão baixos quanto na Alemanha. Todo o mercado mundial de matérias-primas e alimentos ficaram à disposição da Inglaterra. Isto é porque a Inglaterra não estava em tal posição de desespero, e foi por esta razão que foi muito mais fácil organizar medidas regulatórias, em particular o racionamento de comida e a fixação de preços estáveis. De outro lado, sua grande efetividade de regulação é explicada pelo fato de que a Inglaterra obteve 4/5 de sua comida e quase toda a sua matéria-prima por mar, que, é claro, podem supervisionar com muito mais facilidade.
Em toda instância, as conclusões que tiramos da experiência alemã foram muito apressadas. Assim, por exemplo, Bukharin, em seu Economia no Período de Transição, retrata o colapso da fixação de preços por um comércio especulativo enquanto um fenômeno inevitável. Porém, todos os autores atentam ao fato de que na Inglaterra, preços fixos eram comumente observados, e que a regulação manteve a sua efetividade com o apoio enérgico não apenas da população, mas também dos homens de negócio em si, cada um dos quais conformados às ações de seus concorrentes.
Há outra questão que merece não menos atenção – o destino da regulação após a guerra. No mesmo Economia no Período de Transição, Bukharin desenhou uma imagem completa do capitalismo de Estado tal como o mesmo se desenvolveu da regulação de guerra. A realidade refutou esta imagem. Depois da guerra, observamos a rápida e decisiva destruição de todas as formas de supervisão e intervenção do poder do Estado na vida econômica. Contudo, não devemos parar no fato de que nos acusaram de termos exagerado o potencial do capitalismo de Estado. O processo de destruição da “economia coercitiva” deve ser estudado em todos os seus detalhes, tanto da perspectiva dos argumentos que foram oferecidos a favor e contra, quanto da perspectiva dos interesses escondidos por detrás desses argumentos e, por fim, da essência desta disputa. De novo, nós conhecemos principalmente a literatura germânica, em particular a literatura dedicada às questões de socialização, onde o problema da organização sistemática da vida econômica está diretamente ligado à solução dos problemas do destino da organização que foi criada durante a guerra. Para além disso, muito do que é interessante neste assunto, pode ser encontrado na literatura inglesa. [18]
Assim, a confirmação absoluta da proposição, que foi escutada antes da guerra, de que o poder estatal não poderia regular preços, dá lugar a confirmação relativa da proposição: a regulação é possível, mas apenas entre certos limites; estes limites devem ser demarcados empiricamente em cada caso separado.
O governo inglês, em sua supervisão da indústria, fez um amplo uso do apoio de todos os tipos de organizações oficiais e semioficiais – conselhos, comitês, etc. Algumas destas organizações estavam ocupadas exclusivamente com negociações e, diga-se de passagem, barganhando com o Estado; outros surgiram em uma capacidade consultiva; e ainda outros apreenderam a função de consideração apelativa dos vários conflitos entre o governo e as empresas privadas, e ainda outros, por fim, diretamente se encarregaram das funções administrativas, a distribuição de matérias-primas, ordens, etc. Por meio destas organizações, a burguesia imperialista envolveu o extrato superior da classe trabalhadora, dando um lugar para a representação de sindicatos. A burguesia tentou performar este experimento aqui, organizando comitês militares-industriais com a participação dos representantes dos trabalhadores. No período da guerra, a distribuição e os suprimentos organizados em várias maneiras apenas copiaram em uma escala mais ampla a prática a qual também foi usada anteriormente por grandes monopólios. Por exemplo, o comércio de produtos derivados de petróleo, de tabaco, e laticínios na Inglaterra, era organizado de tal maneira que a distribuição das mercadorias era feita na base do cálculo estatístico da demanda em diferentes mercados. Existia um plano para cada distrito; as mercadorias eram distribuídas com preços determinados que poderiam ser aumentados por pequenos comerciantes apenas sob a pena de se cessar o reabastecimento.
É importante considerar o fundamento legal que foi usado pelo governo inglês para a regulação da vida econômica. Poderes especiais foram contidos no Ato em Defesa do Reino (DORA). Entretanto, conteve apenas a autoridade para requerer parcelas de terra, empresas e todos os objetos necessários para fins militares; a questão dos preços foi deixada em aberto. A princípio, a forma de pagamento para um preço de mercado justo foi decidida. Mas tal formulação do procedimento claramente não limita o aumento dos preços de mercado. Logo cedo, o governo inglês teve de se preocupar em achar terrenos jurídicos para o estabelecimento de preços. Para isto, usou uma teoria medieval que dizia que a Coroa tinha o direito de medir qualquer porção de propriedade pela virtude de sua prerrogativa Real, e que o pagamento de compensação é uma questão de graça. Apoiando-se nesta doutrina, o governo inglês iniciou a regulação do preço, mas, deve ser dito, fez isto de maneira muito tímida, iniciando pela concordância e apenas se movendo gradualmente ao decrescimento dos preços. A doutrina da negação dos sujeitos do direito à compensação foi efetiva por toda a guerra e foi reconhecida por uma decisão da Corte de Apelação em 1915, no Caso do Aeroporto Shoreham [19]. Apenas em 1920 uma decisão da Casa dos Lordes deu um fim a esta doutrina. Mas os resultados desta decisão foram anulados pela Nota de Indenização, também de 1920. Durante a consideração desta última Nota, uma opinião foi exposta na Casa de Comuns de que se a decisão da Casa dos Lordes não fosse modificada pela legislação, então o governo teria que lidar com ações de centenas de milhões de libras. Uma comissão especial sobre danos (Comissão em Defesa das Perdas Reais), de acordo com a doutrina acima mencionada, estabeleceu o princípio de que ações para a compensação eram permissíveis apenas naqueles casos em que uma medida especial fosse especialmente dirigida contra um proprietário; se os danos foram causados não por uma regulação especial, mas por uma regulação de natureza geral, então aqueles que tiveram perdas não teriam direito à compensação. A prerrogativa Real, assim, assumiu um papel conspiracionista na justificação do direito à intervenção. “Apenas com a ajuda da doutrina da época do absolutismo”, elenca um autor “era possível sobrepor a tirania dos preços de mercado” [20]. A primeira partida dos preços de mercado ocorreu como uma ordem geral, no assim chamado Decreto 2B de Fevereiro de 1916. Lá estava estabelecido que, para um produtor, o preço requisitado era equacionado com os custos da produção acrescidos a um lucro regular; para um mercador isto era seu preço de aquisição, mas (apenas) se não fosse excessivo, e sim razoável. Além disso, uma pessoa que estivesse na posse de mercadorias não pela virtude de suas operações regulares, não poderia obter lucro. O direito de estabelecer preços máximos estava contido no mesmo decreto. O caráter inescrupuloso dos advogados ingleses avançou tanto, àquele tempo, que eles consideraram impossível, em um único Ato, requisitar e estabelecer preços; em virtude disto, na prática, dois atos foram publicados em tempos diferentes, um dos quais prescrevendo a solicitação de suprimentos, e o outro imediatamente estabelecendo preços máximos aos mesmos. Apenas após o fim da guerra estas ações inescrupulosas foram descartadas, e a prática de fixação de limite de preços por decreto de agências individuais do governo começaram a serem amplamente aplicadas. Desde então, os decretos não trazem nenhuma reclamação, e receberam suporte de todas as cortes. Em 1915, tal prática era ainda considerada “inconstitucional e legalmente impossível”. Um avanço foi garantir ao governo o direito de estabelecer os custos de produção por todos os métodos, isto é, chegando ao ponto da inspeção de livros – este era o, assim chamado, Decreto 7. Portanto, segredos comerciais e de produção foram abolidos. Pode-se mencionar também os Decretos 30A e 2E. O primeiro continha uma lei geral para a regulação do comércio e introduziu o procedimento de licitação. Começou-se com o comércio de armas, mas gradualmente se estendeu a todos os outros ramos do comércio. O segundo trouxe o direito de regular qualquer ramo do comércio ou indústria, estabelecendo todas as limitações e proibições possíveis, para fazer a emissão de licenças depender de condições, sendo a inobservância das mesmas punida criminalmente. Na base do Decreto 2E, também se estabeleceu um sistema de regulação comercial de produtos alimentícios.
Pode-se dizer que a descarada parcialidade dos ingleses de forma geral flutuou forte durante a guerra. Lloyd, que já citamos repetidamente, e que em seu livro dedicou um capítulo especial ao “fundamento jurídico do controle”, expressou o seguinte pensamento enquanto uma conclusão geral:
“Na realidade, na maioria dos casos, a legalidade ou ilegalidade do que foi feito não teve significância. O que foi importante foi estender para qual obteve um suporte geral e aplicou imparcialmente e igualmente a todos.” [21]
É interessante considerar a avaliação geral dos resultados da regulação estatal durante a guerra. Quase nenhum debate foi causado pela proposição de que é impensável remunerar a guerra moderna enquanto se mantem a chamada “economia livre”. O sistema de regulação estatal mostrou as suas indubitáveis vantagens. Na opinião de Baker, a regulação estatal salvou a vida dos EUA e Inglaterra [22]. Mas então, uma única questão surge: por que estas vantagens não podem ser usadas em tempos de paz? Sobre isto, as opiniões divergiram muito. Gray, cujo livro foi publicado em 1919, ou seja, diretamente após a guerra, se expressa bem cautelosamente:
“Qual a importância a longo prazo do controle governamental é algo que não poderemos constatar no presente momento […] mas isto que tem sido feito servirá como precedente e experiência; e para a estrutura industrial que emerge da guerra, esta experiência pode ser levada a uma importância maior que imaginamos.” [23]
Contudo, nos próximos anos, ocorreu uma revogação universal de vários tipos e formas de intervenção estatal, e por isso, mesmo os defensores mais fortes e zelosos da organização da economia para fins militares decidiram não a recomendar para tempos de paz. Lloyd, tendo dado uma alta avaliação da intervenção estatal durante a guerra, tem uma posição extremamente evasiva e mesmo negativa desta questão [24]. Baker também tende a relacionar o sucesso da regulação estatal com as condições especiais da guerra, quando é necessário “perder dinheiro para ganhar tempo” [25]. Na opinião de Briefs, que é parecida, os métodos da organização econômica aplicados durante a guerra eram “extraordinários” e não podem serem transferidos a condições normais. Porém, mesmo Briefs admite que “a consolidação da posição da grande empresa, por conta da economia de guerra, e a produção de massa concentrada com o mais econômico uso de matéria-prima e as massas de operários, são conquistas que não podem ser rescindidas”. “Porém”, ele coloca, “em ambos os casos é uma questão da manifestação aumentada de tendências já existentes ou novas, mas de nenhum jeito de uma reconstrução fundamental da velha visão econômica mundial.” [26]. Este ponto de vista deve ser reconhecido como típico. A experiência do controle estatal durante a guerra foi compreendida pelos economistas burgueses “até aqui”.
Em uma mão, a fé foi indubitavelmente abalada no poder incondicional e onipotente da iniciativa privada. Mesmo na Inglaterra, com as tradições da Escola de Manchester, a opinião comum de que um servo civil é chamado por incompetente na economia, e de que a intervenção estatal irá entalhar a burocratização, encontra a crítica na forma de declarações de que o tipo empreendedor puro também tem seus aspectos negativos, e de que efetividade máxima requer um “meio do caminho” entre empresários, a iniciativa, a busca do lucro máximo e o servo civil estatal, que é guiado pela consciência de dever e pelas considerações gerais do interesse estatal. Também é reconhecido que a organização estatal da indústria tem uma influência muito positiva na troca de experiências técnicas, no estabelecimento de cálculos comerciais corretos, e na racionalização de suprimentos, etc. Mesmo a competição, à qual os campeões da economia livre alocam o maior papel, ela transpira, não é de jeito nenhum eliminada e pode ser utilizada nos limites da organização centralizada regulada. Pode-se encontrar em Lloyd o pensamento sensível de que a luta sem misericórdia de alguns lojistas com alguma grande firma comercial essencialmente traz pequenos lucros para tal pequeno mercador, condenado à falência e ao percebimento de sua posição de desesperança, no fim, não estando apto a produzir nenhuma melhora em seu negócio; enquanto que, se ele se tornar um agente da grande firma comercial, como gerente de uma loja de departamento trabalhando por um bônus, por exemplo, pode desenvolver uma competitividade muito rica que trará um lucro verdadeiro [27]. De qualquer jeito, todas estas admissões não previne a maioria dos autores de recuar com horror à figura do capitalismo militar-estatal. Aqui vemos uma declaração típica, do prefácio do livro de Lloyd:
“Estava e estou convencido de que a remuneração de guerra necessariamente envolve a substituição da iniciativa privada pela organização coletiva. Sobre este assunto tenho concordância com aqueles que consideram que a necessidade, em tempo de guerra, de estabelecer o controle sobre a vida, liberdade e propriedade, é um argumento adicional para a eliminação da guerra. A próxima Grande Guerra irá mergulhar o mundo em algumas espécies de comunismo de guerra, em comparação a tal, o controle exercido na presente guerra parecerá Arcadia. A liberdade individual e a propriedade privada estão condenadas pelos requisitos da guerra moderna; e admito que tenho um preconceito com ambos os cenários.” [28]
Do ponto de vista de pequenos empresários, os lucros da organização centralizada são nada comparados à possibilidade de se apropriar para a empresa de alguém da divisão leonina da mais-valia. Por que um empresário faria uma concessão, de acordo com o igualitarismo, se a possibilidade existe de se repetir um superlucro para si mesmo às custas do seu vizinho? O mesmo se relaciona ainda mais a um período de depressão ou crise, quando cada empresário capitalista se esforça primariamente a escapar das consequências, cortando suas perdas da crise tanto quanto for possível, descarregando-as em seu vizinho. O destino da regulação estatal depois da guerra, mais do que qualquer coisa, prova a proposição de que a combinação de empresas capitalistas e a eliminação da competição entre as mesmas pode se concretizar apenas pelo caminho da coerção ou força pela mais poderosa entre as empresas, isto é, pelo método “natural” de cartéis e trustes, e não pelo método “artificial” da ação estatal. O período do controle estatal trouxe muitos benefícios para os monopólios. Nos Estados Unidos, a legislação antitruste, o famoso Ato Sherman, que mesmo antes já não tinha uma importância real, agora se tornou inteiramente em um fantasma incorpóreo [29]. Muitos monopólios na indústria inglesa têm seu “pedigree” decorrente dos conselhos e comitês organizados em tempos de guerra. Lloyd dita um exemplo curioso, a maneira como durante a guerra foi criada com a ajuda do governo, e sob a sua supervisão, criaram uma associação da indústria de couro com o propósito de segurar os preços das matérias primas do couro a certo nível. A guerra passou, mas desta experiência amarga os fazendeiros foram convencidos de que esta organização, este “laço”, continuou a existir e funcionar, agora sem qualquer ajuda do governo e sem a sua supervisão, segurando os preços baixos do couro cru. Outro motivo que leva os círculos de negócios a lutar pela eliminação do controle estatal foi o medo de uma revolução socialista, o medo do socialismo. Discussões bem-intencionadas e pacifistas, no assunto de que seria bom aplicar as gigantescas possibilidades produtivas reveladas pela guerra para a elevação da cultura mundial, foram saudadas sem nenhum entusiasmo pela sociedade capitalista.
O mesmo Baker, a qual a passagem anterior pertence, teve que reconhecer que a maioria dos países do mundo capitalista se tornaram os oponentes mais zelosos da preservação do controle estatal, precisamente porque pareceu ser um perigo de socialismo nestes planos:
“Desde que o controle estatal da indústria durante a guerra foi considerado como algo abrindo o caminho ao socialismo, a esmagadora maioria estava incondicionalmente preparada a condenar este controle. A revolução na Rússia e seu desenvolvimento do bolchevismo, a grande onda de descontentamento econômico e social, com suas greves, socialismo e anarquismo, que se espalhou pela Europa e Estados Unidos, produziu uma onda de conservadorismo, uma onda de simpatias pela lei e pela ordem que estava muito aparente na Europa e nos Estados Unidos. Este caráter conservador foi ao limite em sua demanda pela abolição do controle estatal, e não queria examinar as conquistas positivas que o mesmo tinha alcançado.” [30]
A experiência da regulação em tempos de guerra mostra claramente a qual extensão, e a qual nível, o capitalismo monopolista prepara a transição à produção socialista, e a qual extensão faz isto contra a própria vontade. Para a realização do socialismo, saltos são necessários, a transformação dialética de quantidade em uma nova qualidade. O mais previdente economista burguês, a exemplo de Schumpeter, entendeu claramente isto. Em seu artigo Possibilidades Socialistas de Hoje, Schumpeter escreve:
“Em princípio, a socialização é possível daquele momento em que grandes e gigantes empresas apareceram, quando o processo de racionalização da economia nacional tem sido claramente revelado, quando a máquina e o cálculo começaram a transformar a psiquê. Apesar desta era não ter um ponto inicial identificável, no entanto, é inquestionavelmente verdade que está longe de nós.” [31]
Schumpeter, assim, não compartilha do dogma reformista de que a sociedade capitalista não está preparada para a transição ao socialismo. Ele considera que o período em que o socialismo se torna possível, a priori, está atrás de nós, e para isso, os passos decisivos para a realização do socialismo serão, como ele põe, “uma questão de vontade e de oportunidade”.
Em paralelo, tais inimigos abertos podem ter colocado os verdadeiros doutrinadores, que têm pensado a transição ao socialismo como uma tarefa puramente organizacional, a tarefa da construção racional da economia socialista, abstraindo-a inteiramente da política de luta de classes. Beck, cujas palavras são citadas por Bukharin e são muito conhecidas em nossa literatura, pode servir como um bom exemplo de tal doutrinarismo [32]. Estas pessoas opuseram o “determinismo” econômico (que supostamente é inerente no marxismo) e buscaram por uma interferência de consciência ativa na vida econômica, vendo nesta interferência um antídoto ao caos da revolução.
Assim, sob as condições da crise pós-guerra de deslocação econômica nós vemos, em uma mão, o pequeno burguês, aterrorizado pela guerra e suas calamidades, antes de tudo com sede de retornar às condições de existência dos tempos de paz; na sua imaginação, estes tempos de paz, ou condições normais, estão conectados com a abolição do controle estatal. Na outra mão, estão os doutrinadores que se colocaram adiante com planos para a organização de uma economia socialista planificada, mas que viram suas costas às tarefas políticas mais urgentes, as tarefas da luta de classes; por fim, o burguês comercial, defendendo o capitalismo com unhas e dentes, indo contra qualquer tentativa de preservar ou aumentar o sistema de controle estatal, ao mesmo tempo usando as conquistas do período de guerra para fortalecer a posição de monopólios e para o processo de racionalização capitalista.
A conclusão nos apresenta algo nada novo: o sujeito de uma transição de uma economia planificada pode ser apenas o proletariado guiado pelo Partido Comunista, o proletariado que colocou em si mesmo a tarefa de destruir o Estado burguês e estabelecer a sua própria ditadura.
IV
Agora, falando-se da regulação da economia sob condições soviéticas, devemos, antes de tudo, notar que isto não é meramente uma tarefa técnica de estruturação racional da economia nacional, a conquista da proporcionalidade entre diferentes ramos de produção; isto não é uma tarefa de compilação de um balanço exato da economia nacional como um todo. É antes de tudo uma tarefa política, a continuação da luta de classes, a fundação da economia socialista apesar da resistência de extrato hostil, apesar da – ainda intacta – ideologia da propriedade privada; e de maneiras a fazer muitos sacrifícios. A nossa regulação tem um propósito definido, a criação mais rápida possível da base técnica e cultural para o socialismo. Nossos planos devem incluir, e incluem, um particular princípio guiador, e não apenas um simples ajuste mecânico de demanda e abastecimento.
A nossa regulação se distingue pelo fato de que é baseada na nacionalização. Nós não hesitaremos diante da santidade da propriedade privada, e nós abrimos o caminho diretamente influenciando o processo de produção. Inclusive, isto foi considerado impossível pelos teóricos burgueses. A regulação, por Estados capitalistas, começa na esfera da distribuição, e estava essencialmente limitado a isto.
O que muda na área da derivação do Direito do fato da regulação da economia nacional? Primeiramente, ee mais importante, é a fusão da legislação com a administração. Nós proclamamos a unidade do poder legislativo e executivo como o princípio básico da nossa estrutura estatal, mas o princípio penetra de forma especialmente profunda na prática tão cedo quanto nos movemos a uma atividade regulada e planificada. É suficiente citar tais exemplos como a aprovação de planos financeiros e de produção em ramos individuais da indústria, aprovação de planos para exportação e importação, planos de entrega, planos de construção – em todos estes casos, a criação de uma norma geral é inseparavelmente fundida com atos individuais concretos de administração. Em todos estes casos, não se pode pensar em duas agências das quais uma, unicamente, legisla, enquanto a outra apenas administra as leis. A regulação com a ajuda apenas das leis, a regulação apenas estabelecendo as formas gerais nas quais a atividade econômica de entidades inteiramente autônomas atua – e este é o princípio básico sobre o qual todo código civil é construído – isto, de fato, não é regulação. Processos econômicos que são mais variados em seus caracteres e tempo podem serem postos nestas formas gerais, da simples produção de mercadoria indo até o capitalismo, e mesmo em sua forma elevada monopolista. A verdadeira regulação econômica começa onde a atividade do Estado substitui a assim chamada “motivação econômica”, ou seja, a motivação de lucro individual, o egoístico interesse do isolado sujeito econômico. Ao mesmo tempo, a regulação estatal é caracterizada pela preponderância do aspecto técnico e organizacional do conteúdo sobre os aspectos formais. Atos legislativos e administrativos, transformados em tarefas operacionais, preservam apenas uma mistura muito fraca de elementos legais, isto é, formais. Estes executores das tarefas econômicas operativas têm, claro, poderes formalmente delimitados, e consequentemente uma responsabilidade formal enquanto administradores. Mas esses elementos assumem uma prioridade inferior em comparação com as despesas econômicas, seja na tarefa em si e nos métodos de sua execução. No sentido contrário, quanto menos o Estado atuar diretamente como uma organização engajada na atividade econômica (e de acordo com a doutrina burguesa, deve ser assim), mais os atos de administração são ocupados pelo seu lado formal. O processo de redução da forma jurídica passa por uma série de estágios, em geral correspondentes ao desaparecimento das relações mercantis, das relações de troca. O estudo interessante do professor Venediktov nos mostra como a transição das relações de troca mercantis às relações puramente planificadas transformam a agenda econômica – de um sujeito de direito especial contrastado a outros sujeitos, e conectado a eles por relações contratuais – simplesmente a uma das engrenagens da máquina estatal.
Neste caso, o truste, enquanto uma pessoa jurídica, enquanto portador de uma máscara de direito civil, desaparece; não é mais uma questão de seus direitos e deveres, mas simplesmente das obrigações dos oficiais a frente dos trustes, obrigações que se apoiam num plano puramente administrativo. Uma demanda feita ao truste, na base da transação de troca-mercadoria, é feita ao mesmo precisamente como uma pessoa jurídica. Esta demanda procede como uma regra do mesmo tipo de sujeito jurídico, a quem tem sido garantido capacidade civil jurídica, a prévia concordância das partes serve como base para a demanda. Uma demanda feita ao truste seguindo o procedimento para a redistribuição da propriedade estatal, no objetivo direto de planejar e regular agências, é endereçada não à personalidade jurídica do truste, mas aos seus gerentes, por meio de subordinação administrativa. Assim, nenhuma regra é jogada por se outra empresa, que recebeu a propriedade, tem garantido, ou não, os direitos de uma pessoa jurídica – do mesmo jeito que nenhum acordo prévio, qualquer que seja, é requerido entre as empresas, e nenhuma transação. A transferência da propriedade em si nos parece (se forem excluídos o elemento de subordinação administrativa das organizações subordinadas ou dos agentes aos seus superiores) um ato não jurídico, mas técnico-organizacional.
Contudo, não existe um único tijolo, claro, entre a esfera da troca de mercadorias e a pura planificação. Estas relações cruzam e mutualmente penetram uma à outra. Uma fronteira é criada; um movimento gradual ocorre, das formas puramente comerciais às formas mistas, e destas às formas puramente planificadas. Um exemplo típico de relações intermediadas são os contratos gerais que têm a muito tempo parado de serem transações bilaterais livres, mesmo que se preserve a forma externa contratual. O mesmo pode ser dito das relações intra-sindicais. Atos de compra e venda em um sindicato há muito já se tornou um simples ato técnico-executivo. O conteúdo de direitos e deveres e o muito obrigatório poder destes atos, não se baseiam de forma alguma na expressão correspondente de vontade das partes, mas na decisão de um encontro de delegados adotados em concordância com o estatuto do sindicato. O fato de que o não-cumprimento da obrigação, porém, continua a entalhar confiança civil na corte, apenas mostra a natureza imediata desta categoria de relações.
Esta perspectiva do desenvolvimento de atos técnicos e organizacionais e relações na despesa dos atos formalmente jurídicos, é a perspectiva de definhar o Direito, o que está mais intimamente ligado ao definhamento da coerção estatal na proporção da transição a uma sociedade sem classes.
O problema do definhamento do Direito é o pilar pelo qual medimos o grau de proximidade de um jurista ao marxismo.
A tentativa de adotar algum tipo de neutralidade nesta questão é apenas tão impossível quanto é manter a neutralidade na luta pelo socialismo, ou para os sucessos da construção do socialismo que temos nos encarregados na prática. Alguém que não admita que a base organizacional planificada erradica a base da forma jurídica é, essencialmente, convencido de que as relações da economia capitalista de mercadoria são eternas, e que suas perdas no presente momento é apenas uma anormalidade que será eliminada no futuro.
Considerando o processo de redução da forma jurídica, no entanto, devemos levar completamente em conta que, tão longo quanto o elemento de coerção estatal permaneça em operação, mesmo na esfera das relações que não tem nada em comum com o mercado ou troca, estaremos lidando com uma regulação legal. Até tal tempo assim, segue-se a completa fusão da administração à economia, como uma função formal, que é, com o cumprimento de tarefas puramente produtivas (ou seja, enquanto o Estado do período de transição é retido), será necessário preservar a sistematização destes elementos formais, por exemplo, as áreas jurisdicionais de agências individuais, sua mútua subordinação, etc. Consequentemente, um tipo particular de sistema jurídico, que pode ser chamado de público-econômico ou um sistema de Direito administrativo-econômico, também será retido. Muito mais destes elementos jurídicos permanecerão no caso de regulação de pequenas operações econômicas, especialmente pelo caminho da regulação direta. Esquematicamente, o assunto pode ser apresentado da seguinte maneira: o Estado modifica ou limita as possibilidades do uso econômico de certos meios de produção ou consumo. Isto pode ser alcançado seja pelo caminho de indicações diretas de natureza negativa, ou seja, proibições (como a proibição de destilados e a proibição de contrabando), ou pelo caminho de instruções positivas e prescrições (como preços máximos, cumprimento de um plano de plantio); isto também pode ser alcançado indiretamente, por exemplo, pela legislação fiscal. Para além disso, o Estado pode, sem se encaminhar ao pequeno produtor com instruções diretas ou requisitos, criar incentivos econômicos (como privilégios para fazendeiros coletivos, ou entregas planejadas de mercadorias manufaturadas e pão para a Ásia Central como um estímulo para a expansão do plantio de algodão), ou inventar condições econômicas coercitivas usando sua posição monopolística. Por fim, a influência pode ser formalizada na forma de um contrato (como a procuração), ou tomar a forma de uma influência puramente cultural, propaganda cultural, propaganda pela coletivização, propaganda agronômica, a luta contra o alcoolismo, etc. Na avaliação de formas puramente jurídicas de influência, pode-se levar em mente que a regulação da economia movimenta tarefas organizacionais ao primeiro plano, como o oposto a tarefas puramente normativas. Toda larga medida de uma natureza econômica regulatória requer, antes de tudo, uma equipe correspondente e bem ajustada que conhece seu trabalho. Particularmente importante é o papel da equipe não de uma natureza puramente político-administrativa, mas sim uma equipe econômica operacional, armada com informação econômica, usando dados científicos. O sucesso da regulação depende largamente da pesquisa científica, primariamente sob estatísticas exatas e corretas. É particularmente necessário perceber que a função regulatória do poder estatal será bem sucedida somente se acompanhada do suporte de organizações de classe social. Durante a guerra, os Estados imperialistas fizeram um amplo uso das organizações de classe, a imprensa burguesa e todos os tipos possíveis de propaganda entre a população. É o apoio da população, como muitos autores têm apontado, que garantiu o sucesso de toda uma série de medidas. Estes métodos devem, claro, serem adotados de maneiras ainda mais extensivas, e são adotados em um Estado em que o poder pertence ao povo trabalhador. Devemos considerar a experiência de nossos oponentes, que abertamente reconheceram que o sucesso de uma dada medida depende muito mais do apoio e simpatia da população, que na possibilidade de ser ou não estritamente constitucional. Finalmente, um enorme papel vem sendo desempenhado pela criação de motivações econômicas, o uso de niveladores econômicos, a criação das condições econômicas apropriadas. Apenas nestas condições pode uma ordem direta, ou uma proibição com sanção criminal, serem efetivas.
Uma conclusão geral pode ser tirada da maneira a seguir: se alguém compara a política da luta contra o lucro, tentativas de limitar o interesse neste (como aconteceu na Idade Média) ou o estabelecimento de preços máximos durante o tempo da grande Revolução Francesa, os resultados destas medidas aparecem de forma inconsequentes comparados com a efetividade com a qual a regulação da economia foi conduzida pelos Estados capitalistas durante a guerra, e em particular com a efetividade com a qual é conduzida sob as condições da ditadura do proletariado. Mas ao mesmo tempo o papel da superestrutura puramente jurídica – o papel do Direito – declina, e disto pode ser deduzida a regra geral que a regulação se torna mais efetiva, quanto mais fraco e menos significante é o papel do Direito e da superestrutura jurídica em sua forma pura.
Notas de Rodapé
- Este conceito é encontrado especialmente em E. A. Preobrazhensky, A Nova Economia (1926), Clarendon Press, Oxford, 1965; e em seus artigos em Vestnik kommunisticheshoi akademii, 1924 – [eds.]
- von Böhm-Bawerk, Macht oder ökonomisches Gesetz, Gesammelte Schriften (1924), pp.235.
- Strigl, Die ökonomischen Kategorien und die Organisation der Wirtschaft (1923).
- Max Weber, Grundriss der Sozialökonomie, in particular Part III, Wirtschaft und Gesellschaft (1925), Tubingen.
- Dobretzberger, Beziehungen zwischen Rechts- und Staatskategorien, Archiv für Rechts- und Wirtschaftsphilosophie (1927), vol.20, no.4.
- Stammler, Economia e Direito (1907), St. Petersburg, vol.I, p.200.
- Marx, Letter to Engels (10th October, 1868), in Marx e Engels: Correspondências Selecionadas (1942), International Publishers, New York, p.249 [eds.].
- Schumpeter, Socialist Possibilities of Today, Archiv für Sozialwissenschaften (1920), vol.48.
- Veja V. I. Lenin, Materialismo e Empirico-Crítica (1908), LCW, vol.14, esp. pp.226-232, and 322-330 [].
- Avançando um pouco, pode-se notar incidentalmente que a avaliação de Lenin concorda com a “definição clara e exata” do autor de economia política: “a ciência que estuda o desenvolvimento das relações sociais de produção e distribuição”. Lenin não se opôs a essa definição com o argumento de que o objeto da economia política teórica são apenas as relações de produção da sociedade capitalista de mercadoria, ou apenas as relações de produção que assumiram uma forma objetivada. Pelo contrário, Lenin parte de uma concepção de economia política como uma ciência que estuda não um, mas vários sistemas econômicos, e que explica as leis de transição de um sistema para outro. See V.I. Lenin, Sochinenii, Vol.2, p.371.
- Temos em mente a discussão, que durou por mais de um ano sobre I.I. Rubin’s Ensaios Sobre a Teoria de Valor em Marx. – Veja I.I. Rubin, Ensaios sobre a Teoria de Valor em Marx (1972), Black Rose, Detroit.
- A perspectiva desenvolvida sobre a questão da questão da economia política encontrou maiores objeções no seio da Seção de Estado e Direito, onde a delineei em uma palestra sobre o tema Economia e Regulação Jurídica. Pareceu-me que certos trechos de minha Teoria Geral do Direito e do Marxismo fornecem uma base para a conclusão de que – eu mesmo já havia defendido outros pontos de vista sobre essa questão. De fato, no período em que este trabalho foi escrito, minha atenção estava concentrada exclusivamente nas formas sociais das relações de produção, pois as vinculei aos traços característicos da forma jurídica. Também me parecia, portanto, que a economia natural não poderia ser o assunto da economia política como uma ciência teórica. Mas, durante a discussão com Preobrazhensky, fui forçado a alterar minha opinião – no sentido de que os problemas da objetificação e das relações de produção fetichizadas e desfetichizadas deviam necessariamente serem incluídos na economia política. Uma reflexão mais aprofundada sobre este tema me levou a concluir que a tentativa de confinar a teoria econômica apenas ao estudo das formas objetivadas ameaça transformar a teoria revolucionária militante de Marx em uma coleção de exercícios lógico-formais infrutíferos.
- Arauto da Academia Comunista (1925), no.11, p.319.
- Ammon, Objekt und Grundbegriffe der theoretischen Nationalökonomie, 2nd edition, p.199.
- … do fato de que sob o socialismo uma divergência específica entre a essência e a forma das relações sociais – uma divergência característica de uma economia mercantil – é eliminada, não se segue de forma alguma que, em geral, toda divergência entre a essência das coisas e a forma de sua manifestação são eliminadas, ou mesmo que essa eliminação ocorra no âmbito das relações sociais de produção. Esperar isso significaria que em uma área as leis da dialética deixam de operar e que, em vez de movimento e desenvolvimento por meio da contradição, segue-se uma calmaria morta e indiferente.
- A. Preobrazhensky, A Nova Economia (1965), Clarendon Press, Oxford, p.3.
- Marx, Carta a L. Kugelmann em Hanover (July 11, 1868), MESW, vol.2, pp.418-419 [eds.]
- Os trabalhos a seguir geralmente têm sido usados como base para a discussão: E.M.H. Lloyd, Experimentos no Controle Estatal (1924), Clarendon, Oxford; C.W. Baker, Controle Governamental e Operação da Indústria na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos durante a Guerra Mundial (1921), Oxford University Press, Nova York; O Estado e a Indústria durante e após a Guerra, um relatório de conferência do Ruskin College (Oxford), realizado em Manchester em maio de 1918; H.L. Gray, Controle da Indústria em Período de Guerra (1918), Macmillan, Nova York […]
- M.H. Lloyd (1924), op. cit., p.52
- , p.52.
- , p.64.
- W. Baker (1921), op. cit., p.126.
- L. Gray (1918), op. cit., p.xv.
- M.H. Lloyd (1924), op. cit., p.387.
- W. Baker (1921), op. cit., p.121.
- Briefs, Kriegswirtschaftslehre und Kriegswirtschaftspolitik, Handwörterbuch der Staatswissenschaften (1926), pp.984-1022, at p.989.
- M.H. Lloyd (1924), op. cit., p.358.
- , p.ix.
- W. Baker (1921), op. cit., p.119.
- , p. 124.
- Schumpeter (1920), cit., p. 332.
- Beck, Sozialisierung als Organisationsaufgabe (1919),