Por Nancy Krieger, via The Anarchist Library, traduzido por Jaqueline Uzai.
Hoje esquecida, a Dra. Marie Equi (1872-1952) foi uma médica de mulheres e crianças da classe trabalhadora, lésbica e uma dinâmica e brilhante ativista política. Ela era uma “agitadora nas causas do sufrágio, do trabalho e da paz em Portland nas décadas de 1920 e 1930”. (1) Uma reformista que virou revolucionária, Equi ganhou a alcunha “Rainha dos Bolcheviques’, tanto por seu caráter imperioso como a sua política.
Hoje esquecida, a Dra. Marie Equi (1872-1952) foi uma médica de mulheres e crianças da classe trabalhadora, lésbica e uma dinâmica e brilhante ativista política. Ela era uma “agitadora nas causas do sufrágio, do trabalho e da paz em Portland nas décadas de 1920 e 1930”. (1) Uma reformista que virou revolucionária, Equi ganhou a alcunha “Rainha dos Bolcheviques’, tanto por seu caráter imperioso como a sua política. O desenvolvimento político de Equi foi marcado por intensas e importantes mudanças na economia e política estado-unidenses e seu papel na política mundial, convulsões que lançaram bases para muitos dos movimentos nos quais ela se envolveu: progressista, de mulheres, socialista, de trabalhadores radicalizados e anti-imperialista. Abrangendo o período desde a consolidação do capitalismo industrial do norte do país à emergência dos Estados Unidos como a potência imperialista dominante, a vida de Equi serve como crônica de seu tempo e ilustra como uma pessoa era afetada pelos eventos mundiais e buscava mudá-los.
Como Equi já foi conhecida e hoje é esquecida? E porque é importante lembrá-la? De acordo com Elizabeth Gurley Flynn, Equi adquiriu sua reputação como “o pássaro trovão do noroeste” sendo “uma das mais temidas e odiadas mulheres do noroeste por sua franca crítica de políticos, industriais, dos assim chamados líderes civis, e também de todos aqueles que oprimiam os pobres. (2) Equi foi esquecida, porém, em parte graças aos poucos registros escritos de sua vida e pensamento existentes, em parte por seus anos finais de declínio, mas principalmente porque ela era o tipo de pessoa que os historiadores tradicionais prefeririam ignorar: uma mulher poderosa, lésbica, uma revolucionária militante e lutadora da classe trabalhadora. Porém, é precisamente por essas razões que Equi deve ser lembrada. Seu desenvolvimento político, seus sucessos e falhas e sua rica e intensa vida são fontes tanto de inspiração como de lições críticas para todos que, como Equi, agem para erradicar o mundo da exploração e da opressão.
A vida de Equi: os primeiros anos
A consciência política de Equi recebeu influência inicial tanto de seus pais imigrantes como de suas experiências de infância como uma trabalhadora nas opressivas fábricas têxteis de New Bedford, Massachussets. A mãe de Equi viera da Irlanda, fugindo da estagnação econômica e da repressão; ela firmemente se opôs a dominação militar e econômica inglesa sobre a Irlanda.(3) O pai de Equi, pedreiro e ativista nos Cavaleiros do Trabalho, viera da Itália quando tivera que lutar com Garibaldi para se opor ao domínio papal (4). Juntos, eles a criaram para “abominar o absolutismo, a monarquia a e opressão.” (5)
Equi, nascida em 7 de abril de 1872, adentrou nas fábricas quando tinha 8 anos de idade em 1880. Com a idade de 13 anos, ela desenvolveu tuberculose. Equi se recuperou, diferentemente daquele que adoecem com tuberculose, porque ela teve a oportunidade de ir para a Flórida por um ano. Equi então deixou os EUA para viver com seus avós na Itália em 1886 – o ano da primeira greve nacional pela jornada de trabalho de oito horas, do primeiro 1º de Maio e do massacre de Heymarket – e ela permaneceu lá por três anos. (6)
Encontrando seu próprio caminho
Equi retornou aos EUA com a idade de 17 anos em 1889, para um país ainda permeado por sentimentos antirradicais e anti-imigrantes. Ao invés de retornas às fábricas têxteis, Equi juntou-se ao êxodo da massa de estado-unidenses que buscavam criar uma nova vida no oeste. Diferente já aquela altura, Equi não foi morar com uma família, mas com outra mulher, sua amiga Bess Holcolm, para quem fora prometido um emprego como professora em The Dalles, a nova cidade no florescente estado do Oregon.(7) Quando ela chegou, o diretor da escola voltou atrás com sua palavra e negou a Bess sua vaga. Sua recusa levou ao primeiro caso documentando da enérgica e brilhante personalidade de Equi, seu apaixonado comprometimento com a justiça e sua determinação de não deixar ninguém permanecer em seu caminho. Como registrado em um dos jornais de Oregon, Equi surpreendeu o superintendente nas ruas de Dalles e – com um chicote – “administrou uma vigorosa chicotada na presença de uma grande multidão de pessoas”.(8) Desnecessário dizer, Bess conseguiu seu emprego.
Enquanto Bess lecionava, Equi estudou para entrar na faculdade de medicina – uma ambição bastante incomum para uma mulher da classe trabalhadora (ainda que a oposição direta às mulheres ingressarem na faculdade de medicina estivesse começando a diminuir no final do século XIX).(9) A determinação de Equi em se tornar doutora foi inspirada pelo seu desejo de ajudar as pessoas. Também pode ter sido alimentada por sua própria crise com a tuberculose, sua admiração por outras mulheres doutoras e sua vontade de ter uma profissão onde ela pudesse ter total controle de seu trabalho.
Equi ingressou na faculdade de medicina em 1900, frequentando a Faculdade Médica de Médicos e Cirurgiões de São Francisco porque a faculdade de medicina da Universidade de Oregon não aceitava mulheres. Quando a Universidade de Oregon mudou sua política um ano depois, Equi se transferiu e se graduou em 1903.(10) Ainda leal às suas origens na classe trabalhadora, Equi se estabeleceu como uma médica para mulheres e crianças da classe trabalhadora e se tornou uma especialista em diagnósticos.(11) Ela desenvolveu uma rede de amigos próximas com outras profissionais e colegas mulheres, apreciando mentes independentes. Equi logo tornou-se uma franca preponente do sufrágio feminino e da necessidade das mulheres de se envolverem na reforma social. Ela falou sobre ambos os tópicos em 1905 na Associação Nacional Americana pelo Sufrágio das Mulheres em Portland(12). Equi também organizou médicas e enfermeiras para irem a São Francisco para auxiliar vítimas do devastador terremoto de 1906. Lá, ela “ganhou a insignia de doutora dos Exército dos Estados Unidos, a única mulher a receber tal honra” até aquele ponto, e o presidente Theodore Roosevelt ainda deu a Equi uma recompensa por seus serviços.(13)
Em 1906 Equi também iniciou um romance com Harrit Speckart (14). Sua relação durou mais de 15 anos. À parte delas serem lésbicas, o fato de viverem juntas – ainda que raro – não era novidade. Um crescente número de profissionais e mulheres de classe média alta estavam começam a estabelecer casas conjuntas à época, e em Boston tais arranjos estavam se tornando tão comuns que eram chamados de “Casamentos de Boston”(15). O crescimento dessas casas exclusivamente femininas eram em parte produto das pessoas concentrando-se em grandes centros urbanos, e também um significante reflexo de uma fundamental mudança da posição das mulheres na sociedade industrializada: mulheres, como um grupo, estavam começando a serem capazes de sobreviver como assalariadas independentes, e não mais tinham necessidade de uma economia de família ou do salário dos maridos. Essas condições, somadas a crescente necessidade sobre o controle de natalidade e a distinção para mulheres entre o sexo para procriação e o sexo por prazer, também levou a uma crescente da viabilidade e da visibilidade de casas lésbicas.
A despeito da crescente consciência pública sobre a homossexualidade, a grande maioria das pessoas pensava que ela era antinatural e que homossexuais eram pessoas doentes e depravadas. Mesmo para uma pessoa auto confiante como Equi, deve ter sido difícil ignorar essa visão dominante. Além disso, a opinião progressista sobre homossexualidade a essa época pouco fazia para construir uma boa autoestima para homossexuais. A suposição fundamental daqueles que advogavam o direitos dos homossexuais era que essa era um condição congênita incurável (ainda que pudesse ser induzida “artificialmente”), e que portanto homossexuais não deveriam ser perseguidos por legislação homofóbica, mas deveriam ser deixados em paz.(16) Essas defesas, porém, forneceram um incalculável serviço para os homossexuais: validou a existência da homossexualidade e encorajou buscas em entender as razões de sua existência.
Ainda que Equi aparentemente não se depreciasse por ser lésbica e estivesse sempre aberta sobre isso com seus amigos e conhecidos políticos, parece que ela cultivou algumas dúvidas se ser homossexual era “normal”. Anos depois, quando ela estava na prisão em 1921, ela expressou em uma carta seus medos sobre ser “queer”, mas ela foi aconselhada por sua amiga a não se preocupar sobre sua relação com sua “companheira de seios fartos”:
O que você diz sobre si mesma ser queer, bem – eu devo convencê-la que você não é. É um fato que você ousou fazer coisas não estabelecidas e portanto desaprovadas, que você é considerada queer. Então, Marie D’Equi, fiquei bem, e aceite o conselho de uma amiga: você é perfeitamente sã, ainda que incomumente fora do comum. Continue a agir, pensar e aparentar como você já o fez nos anos passados, e alguém ficará feliz em ver que você não mudou quando você sair. (17)
Usando ternos sob medida e chapéus fedora, tendo intensos casos e paixões bem como um duradouro e sério relacionamento com Harriet, Equi atentou-se a esse conselho, e agiu, pensou e se apresentou como ela quis ao longo de sua vida.
O comprometimento de Equi com as mulheres e suas experiências pessoais de descriminação levaram-na a devotar energia ao sufrágio feminino, uma campanha na qual ela desempenhou papel instrumental. Ao mesmo tempo, sua origem na classe trabalhadora e suas experiências como médica levaram Equi a tornar-se engajada defensora de seus pacientes. Em ambos os casos, seu objetivo era a reforma através de processos legislativos, e ela sustentou politicamente o surgimento de um novo Partido Progressista, que buscou não desafiar as fundamentais relações de produção do capitalismo mas, ao invés disso, cercear seus excessos pela legislação. Em seus trabalhos sobre o sufrágio, Equi se opôs não apenas ao homens que eram meramente contra o sufrágio feminino, mas também os interesses da indústria das bebidas, que temiam que as mulheres votassem pela proibição do álcool. Em 1912, o ano no qual Equi liderou a marcha em Oregon “Pelo voto feminino” e as mulheres finamente adquiriram o direito a voto no Oregon, Equi estava no comitê executivo da Liga Estadual por Sufrágio Igualitário como uma do quadros executivos do Partido Progressista, também servindo como presidente da Liga Feminina das Oito Horas. (18) Através dessas organizações, Equi conheceu muitas mulheres dinâmicas e progressistas, algumas das quais se tornaram amigas para toda vida, como Charlotte Anita Whitney, então vice presidente da Associação Americana por Sufrágio Igualitário e posteriormente uma das mulheres líder no Partido Comunista. Essa intensa combinação de amizade e trabalho político ocorreu várias vezes na vida de Equi, com relações se desenvolvendo e terminando a medida que a posição política de Equi mudava. A essa altura, porém, Equi e todas essas mulheres compartilhavam a noção progressistas de melhora gradual sob o capitalismo. Não foi antes da violenta greve da fábrica de conservar em Portland em 1913, liderada pelos Trabalhadores Unidos do Mundo, que os eventos mudaram a opinião de Equi.
As mulheres que entraram em greve na fábrica de conservas de frutas Oregon Packing Company em Julho de 2013 eram sobretudo imigrantes, o tipo de pessoas para quem Equi eram tanto médica quanto defensora; foi uma das pacientes de Equi que a envolveu na greve. (19) A principal razão da greve foram os salários baixos. As mulheres recebiam de $2.50 a $4.50 por semana, muito abaixo do mínimo de $10 semanais que a Liga dos Consumidores de Oregon descobriram ser o pagamento que as mulheres de Portland precisavam simplesmente para sobreviver. (20) A situação dos grevistas era bastante comum: a Liga dos Consumidores também descobrira que praticamente dois terços das mulheres trabalhadoras de Portland recebiam menos do que o necessário para a sobrevivência. Além de salários, outros problemas dos grevistas incluíam longas horas de trabalho (que em alguns casos poderiam ir das 6 da manhã às 10 da noite, com as portas dos edifícios trancadas para garantir que as mulheres permanecessem o período completo) e condições insalubres. (21)
Ao longo da greve, a recém criada Comissão pelo Bem-Estar dos Industriais, um produto da Era Progressista, ignorava que suas próprias leis recentemente estabelecidas proibiam “o trabalho de mulheres ou menores em quaisquer ocupações em horas excessivas, sob condições prejudiciais à saúde ou à moral, ou salários inadequados para sua sobrevivência.” (22). Eles o fizeram estabelecendo com os donos das fábricas um salário de $6 por semana, sem ao menos consultar os grevistas (23). Equi testemunhou essa traição e também descobriu que o direito à liberdade de expressão era relativo, que poderia ser revogado pelo prefeito ou governador quando confrontados por trabalhadores militantes que demandassem melhores condições. Finalmente, Equi também viu a polícia atacando mulheres grevistas desarmadas, e foi essa brutalidade que a fez romper com o Movimento Progressista.
Equi descreveu o evento que desencadeou sua radicalização em uma entrevista que ela deu um ano depois. Recontando uma das numerosas lutas por liberdade de expressão durante a greve – uma tática que era marca registrada da Primeira Guerra Mundial, que demandava o direto de falar nas ruas em reuniões para atingir o desempregados, não organizados e aqueles em greve – Equi lembrou:
Uma garota indiana [A Srta. O’Connor] subiu em uma caixa para falar. Ela estava prestes a se tornar mãe em poucos meses. A cavalaria do policia desceu do dorso de seus cavalos, atingindo a cabeça de homens trabalhadores na multidão. Quando eles puxaram a garota de cima da caixa – foi quando eu enlouqueci. Todo o sangue da luta subiu em meu coração. Eu subi na caixa e falei. Eles levaram a garota indiana para o tribunal. E os segui e entrei. (24)
Uma vez lá, Equi deixou claro que sua determinação de ver a justiça sendo feita e de libertar a Srta.O Connor não conhecia limites:
O Deputado Sheriff Downey tentou impedir a mulher enfurecida [Equi], ela lhe deu um golpe de braço direito na mandíbula. O vigia noturno Fifer, um homenzinho manso, tentou advertir a Dra. Equi, mas seu punho direito o atingiu sob o olho esquerdo. Ele lutou contra ela e a jogou na calçada, onde ela caiu de quatro. Mas a Dra. Equi não ficou nada temerosa por essas experiências, que ela tomou como meros reveses temporários. Chegando a entrada, ela fez o homem do elevador levá-la até à cadeia no andar de cima, onde ela descarregou sua carga de insultos sobre Sheriff Word e seus deputados. Ela os jogou de proa á popa. Enquanto os trabalhadores olhavam por cima dos ombros uns dos outros, esquecendo-se completamente de suas prisões em sua admiração pelos insultos, de modo que tiveram que falar com eles várias vezes antes destes serem autuados. Enquanto os IWWs olhavam por cima dos ombros uns dos outros, esquecendo-se completamente de suas prisões em sua admiração pelas qualidades da vituperação, de modo que tiveram que falar com eles várias vezes antes de serem autuados. “Vocês são criaturas covardes e atavisticas. Você é um filhotinho primitivo! Você bate na sua esposa e você bateria no seu filho se esse chorasse a noite e você não conseguisse dormir. Você é um homem das caverna, é isso que você é.” Essas ofensas foram direcionadas diretamente ao Deputado Sheriff O.N Ford… A Srta. O’Connor não foi fichada, mas foi autorizada a deixar a delegacia, escoltada pela Dra. Equi.(25)
Essa ataque à Srta. O’Connor atingiu Equi em diferentes níveis: como uma defensora dos trabalhadores, uma mulher e uma médica aterrorizada ao ver uma mulher grávida ser atacada. Galvanizada por essa injustiça grosseira, e por sua própria experiência na cadeia, Equi se lançou a apoiar a greve, criando mais história de primeira página. Dois dias depois, em uma reunião de rua convocada em desafio a proibição do prefeito, Equi foi presa; ela golpeou o policial com um alfinete de chapéu que os jornais especularam estar envenenado (26). A polícia manteve Equi presa e disse a seus amigos – inclusive a Harriet – que “eles poderiam escolher prender Equi em um sanatório, internando-a no manicômio, enviá-la para uma penitenciária ou ser banida do Estado permanentemente.”(27). Equi se recusou a deixar o estado, e a polícia a liberou alguns dias depois e nunca a levou a julgamento; Equi afirmou que isso ocorreu porque ela testemunhara sobre o tratamento brutal que ela recebeu na cadeia. (28).
Os eventos da greve da fábrica de enlatados alteraram fundamentalmente a vida de Equi. A greve radicalizou Equi ao expô-la, simultaneamente, a brutalidade policial e a fraqueza da política do Partido Progressista. Como ela mesma disse:
Foi minha experiência durante a greve que me fez socialista…Antes disso eu era progressista… Qualquer melhora nas condições de vida devem vir da ação direta, em outras palavras, da militância (29).
Equi, confrontava com as duras condições da luta de classes, aprendeu que a reforma legislativa, ainda que necessária e crítica, nunca poderia em si dar um fim a exploração e a opressão intrínsecas ao sistema capitalista. O escopo de sua visão política alargou-se consideravelmente, e ela começou a perceber como diferentes lutas que ela vinha se envolvido eram moldadas por relações de classe. Equi também viu o Estado agir à base da força para proteger os interesses da classe dominante. Entusiasmada pela militância dos IWW, seu comprometimento com organizar o desorganizado e seu reconhecimento – como colocado na introdução – da “história missão da classe trabalhadora de acabar com o capitalismo,” Equi passou por uma profunda mudança. Ela começou a perceber o presente como história, a ver a história e a política como expressões do conflito de classes, e a entender que com essa compreensão é possível mudar a história. Por consequência, Equi entrou em um período de sua vida intrinsecamente conectado com a história e a política de seu próprio tempo.
A radical
Tendo “declarado guerra contra as forças organizadas do capitalismo”, (30) Equi como radical e socialista rapidamente se fez presente em praticamente todos os movimentos progressistas de Portland. Ela não confinou seu trabalho a assuntos meramente econômicos ou industriais, como os IWW costumavam fazer. Trazendo sua análise de classe para o que ela via como movimentos de visão estreita e pauta única, Equi argumentava que esses pouco alcançariam se não conectassem os seus esforços a por fim ao capitalismo e criar o socialismo, como ela expôs em uma entrevista em 1914:
Certamente eu sou uma sufragista. Mas estou longe de acreditar que o sufrágio feminino é uma panaceia para todos os maus políticos. Eu não sou uma proibicionista, ainda que reconheça que o mal da bebida é uma grande maldição nacional. Na minha visão, o mal da bebida, o mal social, o desemprego e todos os problemas sociais e econômicos que nos confrontam são meros sintomas do mal maior do capitalismo. (31)
Tendo dito isso, Equi – uma mulher para qual as palavras eram chamados para a ação – compilou uma multiplicidade de assuntos específicos, todos conectados a sua visão estratégica de como o capitalismo poderia ser superado
De 1913 a 1915, Equi trabalhou sobretudo com os IWW, fazendo campanha por melhores condições para os madeireiros. Arriscando ser presa, ela participou da campanha nacional dos IWW para organizar os desempregados durante a severa depressão econômica de 1913, e teve sucesso em obter alívio para as necessidades, alimento e abrigo para muitos dos desempregados de Portland. Na primavera de 1914, Equi viajou de volta para o leste para encontrar outros ativistas, visitar sua família e descansar. (32). O conteúdo e a complexidade de seu trabalho político mudaram, contudo, que o estouro da imperialista Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914.
Logo após o início da guerra, Equi juntou-se a recém formada União Americana Contra o Militarismo (AUAM), baseada na crença que os Estados Unidos eventualmente desempenhariam papel militar no conflito para garantir sua aposta nos resultados. AUAM publicou análises anti militaristas da guerra, pressionando Washington contra a preparação e o recrutamento, e também fazendo campanha contra o imperialismo estado-unidense na América Latina e no Caribe, tentando levar para o público dos Estados Unidos que a verdadeira razão da guerra era lucro econômico. (33)
Não inclinada a uma vida tranquila, na primavera de 1915, quando Equi se envolveu com a AUAM, ela e Harriet adotaram uma bebê. A garota, Mary, nascera em 15 de março de 1915; a esse ponto Equi tinha 43 anos e Harriet 32 anos. Por razões não inteiramente claras, mas que podem ter relação com a adoção, Harriet casou-se temporariamente com um organizador do IWW, James F. Morgan, em 18 de março de 1915, e se divorciou dele 29 de maio de 1915 (34). Morgan não ficou satisfeito com esse desenrolar dos eventos e reclamou com amargura com alguns colegas membros do IWW como “A doutora roubo sua esposa.” A filha de um desses membros do IWW, que depois tornou-se amiga de Equi, ouviu isso e perguntou a seu pai o que a palavra “lésbica” significava. Defendendo Equi firmemente, ele respondeu que a sexualidade de cada um era uma preferência do indivíduo, e que “a Dra. Equi é uma mulher maravilhosa e que isso era bem sabido no mundo do trabalho e que qualquer um com cérebro não criticaria.” (35). Seu apoio a Equi, em um momento em que lesbianismo era visto como comportamento desviante tanto por progressistas como por setores conservadores da sociedade é ainda indicativo de quão respeitada Equi era.
Com um ano da adoção de Mary, Equi se estabeleceu como uma ruidosa crítica da guerra e do movimentos dos EUA em se preparar para ela. Isso a colocou em desacordo com a maior parte de Oregon predominantemente conservadora, branca, com a população nascida nos Estados Unidos, com os grandes empresários (sobretudo madeireiros), e com os jornais chauvinistas super patriotas. (36). Em abril de 1916, Equi falou com tanta força na reunião anti mobilização de guerras que os organizadores proibiram qualquer um de a segui-la, por medo que um motim estourasse. (37). Em 4 de junho de 1916 – Dia da Preparação Nacional, um dia no qual 150000 pessoas em Chicago, 120000 em Nova York e milhares de outras cidades marcharam para a guerra (38) – Equi se superou ao levar sua política anti-imperialista para o centro da parada em Oregon.
A parada de Oregon tinha de 15000 a 20000 participantes. A pedido do AUAM, Equi carregou nessa multidão um cartaz onde se lia:
Preparem-se para morrer, trabalhadores, J.P. Morgan &Co. quer preparação para lucrar. Não matarás.
Não surpreendentemente, dois guardas próximos atacaram e derrubaram o cartaz, e polícia levou Equi sob custódia. (38) Liberada mais tarde naquele dia, Equi segui desse protesto a outro. Pegando emprestado um par de esporas de um amigo, ela escalou até o topo de um poste de telefone (tendo praticado semanas antes para realizar tal façanha) e, enquanto fazia outro discurso contra a guerra, desenrolava outro cartaz “Abaixo a Guerra Imperialista”. Ela conseguiu atrair uma grande multidão e despertar a ira da polícia, que não conseguia trazê-la para baixo para prendê-la. Totalmente frustrada, a polícia ligou ao corpo de bombeiros para trazer um caminhão de bombeiros e escadas para trazer Equi para baixo, mas eles não sabiam que os bombeiros eram amigos de Equi, graças aos tratamentos que ela dava às suas esposas e namoradas. Os bombeiros “tomaram o próprio tempo tranquilo” para responder à ligação, ao ponto que Equi havia terminado seu discurso e a polícia havia desanimado de prendê-la. (39).
Algumas semanas depois desse incidente, Margaret Sanger chegou a Portland como parte de sua turnê nacional de palestras sobre a necessidade de controle legal de natalidade. A essa altura, Equi já realizava há anos abortos para qualquer uma que os necessitasse, baseada em sua crença que mulheres só deveriam ter filhos se assim quisessem e se fossem capazes de cuidar deles. (40) Uma vez que Sanger chegou à cidade, Equi imediatamente se envolveu com sua visita. Nos primeiros dias da visita de Sanger, Equi revisou seu panfleto sobre controle de natalidade, Limitação Familiar, para torná-lo mais preciso do ponto de vista médico. Em 19 de junho, quando Sanger deu a sua palestra, a polícia prendeu três homens por venderem panfletos sob a alegação de que estes eram “literatura obscena” – ainda que apenas depois das prisões o conselho da cidade tenha verdadeiramente passado uma lei para bani-las como “obscena”. (41). Depois que Sanger deixou a cidade por alguns dias para dar uma palestra em Seattle, Equi assumiu o esforço de defesa, uma tarefa que ela aceitou de bom grado graças ao laço rapidamente desenvolvido com Sanger. Apaixonada por seus ideais, seu trabalho, sua política e suas amizades, Equi era rápida em fazer amizades com mulheres que eram igualmente apaixonadas, igualmente envolvidas em política e igualmente dispostas em colocarem-se na linha de frente. Era quase como se o isolamento causado por ser uma pária política na sociedade como um todo fosse compensado por amizades tão intimas e fortes.
Uma vez que Sanger retornou, um comício foi feito para os homens presos. Isso tornou-se uma demonstração selvagem, e a polícia prendeu Equi, Sanger e várias outras mulheres. Seu julgamento recebeu muita publicidade, e seus apoiadores foram a seu encontro cantando “Pobreza e famílias numerosas andam de mãos dadas” e “Às mulheres pobres é negado aquilo que as ricas possuem”. (42). O juiz considerou todas as rés culpadas, mas apenas multou os homens que venderam os panfletos, e então liberou-os das taxas. Ainda que a visita de Sanger a Portland e o tumulto que dela resultou não tenha ajudado no movimento de controle de natalidade na medida que Sanger esperara (43), cimentou a amizade entre ela e Equi. Durante os anos que se seguiram, Equi escreveu muitas cartas para Sanger expressando seu profundo amor, admiração e mesmo paixão por ela, e Sanger correspondeu aos sentimentos de Equi; não há evidencia, porém, que ambas fossem amantes.
O comprometimento de Equi em acabar com a opressão das mulheres, como demonstrado pelo seu trabalho quanto ao sufrágio e ao controle de natalidade era, porém, enquadrado pelo amplo contexto de luta de classes, como sintetizado pela guerra.
No outono de 1916, mulheres ricas republicanas fizeram campanha pelo candidato republicano à presidência, Charles Evans Hughes, porque ele era pró sufrágio. Elas ignoravam o fato de que ele também apoiara a entrada dos EUA na guerra. Essas mulheres fizeram turnê em um trem apelidado “O Especial de Ouro”. Quando o trem chegou a Portland, Equi o recebeu com um grande cartaz perguntando “Qual ganso botou os ovos de ouro?” (44). Seu ponto era deixar claro que essas mulher puderam bancar a campanha por Hughes somente porque seus maridos eram ricos e queriam Hughes eleito. Equi seguiu essa confrontação com outra, liderando uma manifestação pró Wilson na esquina que abafou o comício pró Hughes do outro lado da rua. Ela vividamente descreveu esse incidente com grande satisfação em uma carta para Sanger:
Olá Garota Querida! Com certeza foi uma boa sexta-feira para mim… Nós com certeza tivemos um momento extenuante – colando as Hughesetes completamente fora de campo. Eu fui presa à tarde. Detida por uma hora. Fiança de $100 – uma tentativa foi feita de apresentar uma acusação de insanidade – te enviou o jornal de Portland com a foto do cartaz. Nós tivemos 5000 pessoas entre a 6ª (avenida) e a (avenida) Alder… Te digo que foi a coisa mais rica já obtida – e uma completa surpresa – mesmo para os democratas. Eu não acredito em nenhum dos homens, mas escolhi o menor de dois maus… Nenhum jogo de futebol aqui no Oeste já conseguiu a torcida que conseguimos. Eu subi na minha velha mesinha – e comecei o Grito de Wilson… a recepção que esse bando de Wall Street teve – eles vão lembrá-la até o fim de seus dias… Trazer um grupo de mulheres do Partido Republicano! Solidariedade das mulheres!” Eles me prenderam como exemplo disso! (45)
Esse incidente também testemunhava o tanto que Equi mudara nos últimos quatro anos. Antes de 1913, o sufrágio feminino era praticamente todos os meios e fins de sua política, mas em 1916 ela estava em um novo estágio onde via essa luta particular em termos de como ela se inseria no amplo contexto das relações e conflitos de classe.
Alguns dias depois dessa demonstração, Equi foi levada de volta às atividades dos IWW em 4 de novembro 1916, no Massacre de Everett. Equi imediatamente viajou para Everett e assumiu o cuidado dos membros feridos dos IWW. Ela também investigou as mortes daqueles mortos, e testemunhou que “com cirúrgica atenção ele teria tido mais chance de recuperação” para um dos homens mortos. (46). Então, em 19 de novembro, Equi recebeu a honra de ser a delegada de Oregon dos IWW para lanças as cinzas de Joe Hill ao vento no primeiro aniversário de sua execução (47), como outros estavam fazer em todos os outros estados da união (exceto Utah, onde Hill fora incriminado e morto) e em “todos países da América do Sul, partes da Europa e Ásia, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul (48). A linha principal do trabalho político de Equi, porém, permaneceu sendo o ativismo anti guerra estimulado pela entrada dos EUA no conflito em 2 de abril de 1917.
Os anos de guerra
Logo que o governo dos Estados Unidos declarou guerra, ele tomou medidas imediatadas para esmagar a resistência doméstica. O Congresso rapidamente passou um Ato de Espionagem, que determinava que “se qualquer um fizer ou transmitir falsas declarações com a intenção de interferir com a operação ou sucesso das forças navais…ele deverá ser punido com multa não superior a $10.000 ou prisão por não mais de 20 anos ou ambas (49). Essa dura sentença garantiu que a versão do governos obre a realidade seria o medidor para mesurar a “verdade”. Para construir um sentimento público pró-guerra, o governo ajudou a criar e promover a formação de sociedades “patrióticas” para encorajar cidadãos a informar sobre “oposição subversiva à guerra. O exemplo chefe disso era o Liga Protetora Americana do Departamento de Justiça. Pelo fim de 1917, ela possuía unidades em 600 cidades e municípios com 100.000 membros (que cresceram para 250.000 em 1918), e que afirmava ao fim da guerra ter reunido mais de 3 milhões de casos de “deslealdade” à luz. (50) O governo também reprimiu ativistas anti guerra de numerosas formas: por exemplo, o serviço postal confiscou cartas e jornais em toneladas, e uma nova “clausula radical” permitiu a deportação de estrangeiros suspeitos de serem membros da IWW. (51) Sob a bandeira da “segurança nacional”, o governo atuou para erradicar os IWW de uma vez por todas, e foi através desse ataque que o governo finalmente pode condenar Equi por sua atuação política.
O momento da campanha do governo contra os IWW foi definido quando esses lançaram uma greve bem sucedida pela jornada de trabalho de oito horas na industria madeireira Pacífico Noroeste em junho de 1917. Porque a madeira tinha significado estratégico militar, o governo se moveu rapidamente. Em um plano acordado pelo Conselho Nacional de Defesa, o Promotor Geral, o Secretário do Trabalho, o Presidente Wilson, o Departamento de Justiça, o Serviço Postal dos Estados Unidos e a Liga Americana Protetora, o governo lançou nacionalmente numerosas invasões contra os IWW em setembro, acusando a maioria dos seus líderes e centenas de seus membros de violação do Ato de Espionagem (52). Nas florestas do Pacífico Noroeste, onde Equi tinha laços estreitos com os IWW, o governo enviou 45.000 soldados para trabalhar como madeireiros. Eles também criaram a Legião Leal de Madeireiros a Lenhadores (também como os 4Ls), uma organização ultra patriótica dedicada à concepção de uma “loja aberta” e a eliminação dos IWW, com seus membros servindo como fura-greves e espiões de membros dos IWW (53). A intensidade dos ataques do governo sobre os IWW foi elevada pelo sucesso da Revolução Bolchevique em novembro de 1917. A despeito do fato de que os IWW eram essencialmente uma organização anarco-sindicalista, e não marxistas-leninistas, o governo dos Estados Unidos respondeu aos IWW como eles próprios fossem uma ameça bolchevique. Em maio de 1918, o governo passou a Lei da Sedição, uma emenda ao Ato de Espionagem, para dar fim ao pouco que restava dos IWW e dos oponentes da guerra. Essa nova lei proibiu críticas ao governo dos Estados Unidos, da constituição, aos militares, à bandeira, à marinha, aos uniformes, e aumentou o tempo das sentenças de prisão e multas que poderiam ser impostas (34). Foi essa nova lei que finalmente enlaçou Equi.
Equi foi presa por um discurso contra a guerra que ela deu no salão dos IWW em Portland em 27 de junho de 2018. Sua agitação anti guerra atingira um ponto de eficácia que demandara que o governo dos EUA tentasse silenciá-la. Indiciada secretamente em 29 de junho, Equi foi acusada de insultar a bandeira, os soldados, e a aliada Grã-Bretanha – tudo isso por dizer que os trabalhadores não deveriam participar de uma guerra onde eles matariam seus companheiros sob ordem de seus mestres, e elogiando a Revolta de Páscoa na Irlanda (55). Os homens que forneceram ao Estado as informações contra Equi eram funcionários do Escritório de Inteligencia Militar, o braço do Departamento de Inteligência do Exército dos Estados Unidos que tinham laços próximos com os 4Ls. Foram esses homens que creditaram à Equi por dizer que os militares eram “escória”, uma acusação que Equi consistentemente negou, dizendo que ela sabia que a maioria dos soldados eram jovens da classe trabalhadora sem reais opções e que ela não deveria insultá-los; seu alvo eram aqueles que lucravam com a guerra. Através de seu julgamento, Equi e outros argumentaram que os interesses madeireiros queriam “pegá-la” por causa de seu trabalho com os IWW, uma acusação que era essencialmente fundamentada.(56) Do momento que ela foi presa até o fim de seu julgamento, o Departamento de Justiça também pagou Margaret Lowell Paul para ser uma informante de tempo integral sobre Equi. Paul conheceu Equi através de Kathleen O’Brennan, uma das principais atividades da campanha de defesa de Equi. Paul tornou-se amiga de O’Brennan fingindo conhecer os membros da capela de Nova York de Sinn Fein, uma organização irlandesa revolucionária a qual O’Brennan pertencia. O’Brennan, por sua vez, conhecera Equi em sua viagem de 1918 a Oregon para uma palestra sobre a causa irlandesa; pouco depois de conhecer Equi, O’Brennan apaixonou-se por ela e as duas acabaram tendo um caso (57).
Depois de vários adiamentos, o julgamento de Equi finalmente começou em 12 de novembro, um dia após o fim da Primeira Guera Mundial. Durando nove dias, o julgamento consistiu em uma sucessão de operativas dos 4Ls, policiais e “cidadãos íntegros” – alguns da Liga Protecionista Americana – que testemunharam a má reputação de Equi quanto à lealdade. Muitos deram evidência sobre atos que Equi conduzira ou observações que ela fizeram registrando sua oposição para a guerra antes da entrada dos Estados Unidos e a promulgação da Lei de Espionagem; o juiz permitiu esses testemunhos para serem usados como evidência, a despeito dos protestos do advogado de Equi. Essas acusações foram contrapostas pelas testemunharam que falaram em pró de Equi, indo de membros aleatórios dos IWW a médicos e outros “cidadãos respeitáveis”. O ponto alto do julgamento foi a confrontação entre Equi e o promotor; um juiz comentou “da primeira questão até o intervalo da corte tal batalha de inteligência estava acontecendo como se vê raramente em um tribunal entre uma mulher e um homem (58). Depois de argumentar com seu advogado quanto a melhor forma de proceder, Equi usou o julgamento como uma plataforma política:
Nem mesmo os avisos e protestos de seu advogado… poderiam fechar sua boca. A mulher responderia uma questão do Procurador do Governo com outra questão; ela exibia suas visões sobre industrialismo, pobreza, crime, salário, bem estar infantil, trabalho infantil, títulos de guerra, militarismo, vícios, músicas dos IWW, princípios dos IWW, quem começou a guerra, e diversos variados outros tópicos (59).
Ao final do julgamento, o promotor lançou-se a uma diatribe vitrólica de uma hora e meia contra Equi e os IWW. Atacando Equi por ser uma “mulher sem sexo” (60), ele atacou que:
A bandeira vermelha está flutuando sobre a Rússia, Alemanha e grande parte da Europa. A menos que você coloque essa mulher na cadeia, eu te digo que ela flutuará sobre o mundo”. (61)
Finalmente, ele apelou para os sentimentos patrióticos do juri “com uma comovente comparação da bandeira vermelha, branca e azul e a bandeira vermelha defendida por Dra. Equi e encerrou citando “A bandeira estrelada”(62), tornando cristalino que o objetivo político do julgamento era construir consenso sobre a guerra e a política internacional dos Estados Unidos, bem como silenciar críticos como Equi. Em três horas, o juri conclui que Equi era culpada (63). Equi insistiu que o julgamento foi armado, e o longo processo de apelo começou.
O juiz sentenciou Equi a três anos de prisão e uma multa de $500 em 31 de dezembro de 1918. Ele afirmou que o crime dela fora expressar suas visões, não simplesmente tê-las (64). O veredicto e sentença demonstravam que os cidadãos dos Estados Unidos não possuem efetivamente o direito de criticar a política governamental, a despeito da existência da primeira emenda, quando os interesses primordiais da classe dominante estão em jogo. Quando Equi deixou a corte depois de ser sentenciada, ela entrou em uma briga violenta com William Bryon, o chefe do Departamento de Justiça, agente designado para o seu caso que, em seus numerosos relatórios sobre Equi, revelou seu ódio absoluto por ela por ser “uma anarquista, uma degenerada (lésbica) e uma abortista.” (65) Equi perguntou a Byron se ele estava “satisfeito” com o resultado e pronto para ir atrás de outra mulher inocente. Em resposta, Bryon atacou Equi e empurrou Harriet contra o chão quando ela tentou ir ao socorro de Equi (66). Indicativo do suporte que Equi ainda possuía em um clima de impressionante repressão, a Federação do Trabalho do Estado de Oregon unanimemente passou uma resolução condenando as ações de Byron e demandando que ele fosse removida do caso de Equi (67).
Equi passou o ano e meio seguinte apelando em seu caso. Foi um período no qual a nação por uma Ameaça Vermelha de massivas proporções, bem captura pela frase de John Dos Passos na novela 1919 “Ser um vermelho no verão de 1919 era pior do que ser um alemão ou um pacifista no verão de 1917” (68). O caso de Equi foi direcionado para o Nono Circuito do Tribunal de Apelação em São Francisco, que manteve sua condenação em 27 de outubro de 1919 (69). Em resposta, Equi deu um discurso abordando o destino do presos políticos e declarou:
Nós podemos pensar que vivemos em um país livre, mas em realidade nós somos nada mais que escravos. Quando recentemente o Presidente Wilson recentemente disse que nós estamos em guerra ele disse a verdade pela primeira vez. Mas nós não estamos em guerra com outra nação, mas uma guerra de classes sem fim dentro do nosso próprio país (70).
Após mais apelos e atrasos, Equi finalmente foi mandada para São Quentin em 19 de outubro de 1920, e sua sentença foi comutada em um ano e meia (71). Antes de partir, ela mandou Mary para viver com Harriet em sua casa em Seaside, na costa de Oregon; Harriet permaneceu em Seaside até sua morte em 1927, nunca voltando a morar em Portland ou com Equi novamente (72).
De certa forma a prisão foi um alívio para Equi. Ela escreveu para Sanger que:
Quando eu deixei Portland para cá foi como se eu tirasse dos meus ombros uma roupa usada – e toda a amargura – o ódio – quem tem sido jogado em minha direção (73).
Enquanto estava presa, Equi correspondeu-se com muitos amigos pessoais e políticos, e Harriet escreveu para ela quase todos os dias. Por um período de vários meses, o Departamento de Justiça copiou todas as cartas de e para Equi, e usou essa informação para tentar rastrear Kathleen O’Brennan, bem como compilaram um memorando sobre Equi para J. Edgar Hoover (cheio de imprecisões). Essas cartas revelam os profundos laços existentes entre Equi e seus amigos queridos, e o suporte que ela recebeu dos membros do IWW e outros radicais que nunca a encontraram. Elas também revelam o comprometimento inabalável de Equi com o fim do capitalismo, sua convicção sobre seu direito de falar contra a guerra, e suas opiniões sobre as necessidades de uma reforma prisional. (74)
Equi foi liberada em 10 de setembro de 1921, para enfrentar a solitária e árdua tarefa de reconstruir sua vida e reestabelecer-se sem Harriet ou o Movimento Progressista para recebê-la. Não mais nos turbulentos anos 1910, o mundo que Equi encontrou era relativamente hostil a ela e suas ideias, e uma mudança revolucionária nos Estados Unidos parecia mais distante do que nunca: os IWW tinham sido efetivamente destrupidos; os Comunistas, em número pequeno, estão apenas começando a ganhar influência; o movimento tradicional de mulheres tinha basicamente debandado depois da conquista do sufrágio em 1920; o movimento de controle de natalidade estavam mais e mais nas mãos dos eugenistas; o movimento anti-imperialista foi silenciado; e a economia dos Estados Unidos parecia próspera, ainda surfando sobre os lucros obtidos durante a guerra.
O Declínio
O declínio de Equi como ativista política começou após ela ser libertada da prisão. Causada principalmente por sua idade e pelo deterioramento de sua saúde na prisão, a atividade de Equi reduziu também como reflexo da ausência de ações políticas revolucionárias ou mesmo Progressistas em Portland, também expressada pela ascensão da Ku Klux Klan. Com a exceção do Partido Comunista, ao qual aparentemente Equi não estava interessada em se juntar, não havia saída para sua política revolucionária. A despeito de sua relativa falta de envolvimento político, Equi manteve suas conexões com outros ativistas políticos. Em 1926, Elizabeth Gurley Flynn foi morar com Equi, tendo sofrido um colapso no curso de sua extenuante campanha por Sacco e Vanzetti; Flynn, anteriormente uma líder central dos IWW, conhecia o passado político de Equi. Ela a apoiou e tomou conta de Flynn enquanto essa descansava e se recuperava. Ainda que não haja evidência de que as duas tenhas sido amantes, é certo que elas tiveram uma intensa, emocionalmente envolvida e frequentemente tempestuosa relação.(75) Apesar de seus altos e baixos, cada uma amava e respeitava a outra, como Flynn expressou em uma carta para sua irmã:
[Equi] não é uma pessoa fácil de se lidar, ela tem um temperamento difícil de suas origens irlandesas-italianas, mas também uma mente brilhante, um espírito progressistas, e foi presa por sua oposição à Primeira Guerra Mundial, e eu a admiro muito. (76).
Flynn acabou por viver com Equi por 10 anos, do meio dos “Loucos anos 1920” ao meio da Depressão.
Em 1930, quando Equi tinha 58 anos, ela sofreu um ataque cardíaco, que a deixou de cama praticamente pelo resto de sua vida. Flynn agora tomava conta de Equi. Em uma tentativa de manter-se em contato com o mundo, Equi convidou uma nova geração de ativistas para sua casa. Um deles recordou:
Sempre que nós íamos visitá-la, ela estava sempre alegre, e falava e falava. Ela era fascinada em ouvir… Quando estava na cama… ela costumava renovar suas forças vitais falando – e ela era uma faladeira maravilhosa.
No verão de 1934, Equi deixou a cama para seu último ato político público registrado, que ocorreu em uma monumental greve nas docas, que atingiu o transporte de toda Costa Oeste. De acordo com o The Hook, o boletim oficial do sindicato, depois que a polícia de Portland feriu gravemente quatro grevistas,
Uma senhora idosa de cabelos brancos, de 62 anos, caminhou até o escritório dos estivadores no Templo do Trabalho essa tarde. Ela disse que ela queria fazer algo pelos meninos atacados e, mais especificamente, pelo quatro garotos em leitos nos hospitais pela cidade. Ela doou $250 para serem usados exclusivamente para tratamento médico e hospitalar… Nós devemos agradecer a Dra. Marie Equi por essa doação e também pelo maravilhoso suporte moral que ela nos deu. (78)
Ainda que os dias de ativismo político de Equi tivessem acabado, ela continuava a chamar-se Vermelha e insistia que outros fizessem o mesmo em relação a ela. Quando a polícia de Portland publicou uma Lista Vermelha em 1934, motivada pelo envolvimento comunista na greve do ILA, e omitiu o nome de Equi,
Equi ficou absolutamente lívida com esse aborrecimento. Ela ligou para o chefe da polícia e ameaçou processar o departamento de polícia. Ela queria que seu nome fosse adicionado “Dra. Marie Equi, Rainha dos Bolcheviques”, no topo da lista. (79).
Foi Flynn, porém, e não Equi, que tornou-se a protagonista no Partido Comunistas dos Estados Unidos. Em 1936, a despeito dos protestos de Equi, Flynn partiu para Nova York para seu juntar ao partido, e ela se tornou a primeira mulher a ingressar no quadro nacional.
Equi viveu até 1952, seus últimos dezesseis anos sem registros públicos. Durante seus últimos anos, a era McCarthy chegou. Esse Terror Vermelho foi similar aquele que atingiu a nação depois da Primeira Guerra Mundia. Durante a Guerra da Coreia, o mesmo Ato de Espionagem sob o qual Equi foi condenada foi ressuscitado quando os EUA entraram em “estado de emergência, e o permanece até hoje (80).
Equi morreu em 12 de julho de 1952, com a idade de 80 anos, praticamente uma mulher esquecida. Ela sobreviveu apenas na memória de seus amigos, que a conheceram como uma “mulher de apaixonada convicção, e uma verdadeira amiga dos despossuídos do mundo.” (81)
A vida de Equi merece ser lembrada. Fica claro como ela, sua personalidade e sua política estavam intimamente conectados com os eventos mundiais. Equi passou por uma caminho familiar para muitos que foram levados ao ativismo político dos progressistas por uma causa, para então eventualmente chegarem à conclusão que esses assuntos estavam conectados ao todo da luta de classes que molda o desenvolvimento da sociedade. É crédito de Equi que ela tenha superado os limites dos grupos reformistas e renunciou as suas crenças anteriores através de uma mudança gradual. Fazendo conexões entre diferentes lutas que aconteciam ao seu redor, na sua própria vida e no mundo em geral, Equi tornou-se uma defensora do socialismo e da mudança revolucionária.
A política revolucionária de Equi floresceram e foram moldadas pela paixão de sua vida. A preocupação de Equi pelos outros, sua decisão de tornar-se médica e seu ativismo político eram firmemente baseados em seu espírito generoso, reforçado por suas memórias de suas origens na classe trabalhadora, e foram mais do que uma resposta intelectual ao sofrimento e eventos do mundo. Equi não era alguém para ser dominada de maneira alguma, e suas palavras sempre se traduziam em ação. Ela viveu abertamente como lésbica, e estabeleceu-se em uma profissão em que ela não dependia de ninguém para seu sustento. Através de seu trabalho médico e político, Equi entrou em contato com outras mulheres dinâmicas e progressistas, como Sanger e Flynn, e estabeleceu um mundo integrado de laços pessoais, profissionais e políticos. Motivada por seu profundo desejo de que a justiça seja feita, sustentada por sua intrínseca vitalidade e capaz de fazer seu próprio caminho pelos seu jeito dominante, Equi verdadeiramente mereceu seu título de “Rainha dos Bolcheviques”. Sua vida permanece como um relato inspirador e instrutivo de como uma pessoa, consciente de seu lugar na história, escolheu juntar-se aos outros para criar, nas palavras dos IWW “um novo mundo a partir das cinzas do antigo”, livre de exploração, opressão e degradação humana.
A vida de Equi e a amplitude de sua visão, permanecem como um desafio impressionante para aqueles muitos isolados em movimentos progressistas nos Estados Unidos hoje. Seus registros, nos relatos sensacionais da greve da fábrica de conversas, seu trabalho com os IWW, a Preparação da Marcha de Março, as manifestações sobre controle de natalidade e sua atuação sufragista anterior, suas atividades anti-imperialistas e o julgamento do Ato de Espionagem, se comunica com todos movimentos progressistas, feministas, do trabalho, de solidariedade e anti intervencionistas. Suas experiências com o Partido Progressista são um desafio para aqueles que defendem que o socialismo pode ser alcançado somente pelo processo eleitoral ou através de medidas econômicas estritas, e aqueles que minimizam o caráter profundo e a natureza violenta da luta de classes em nossa sociedade.
Finalmente, gostaríamos de agradecer a Rosalyn Baxandall e Sandy Polishuk por seu interesse, assistência e suporte.
Notas:
[1] Oregonian, 15 July 1952, p. II. (Note: This newspaper will be abbreviated as “Oreg.”)
[2] Elizabeth Gurley Flynn, The Rebel Girl (NY: International Publishers, 1975), pp. 197–98.
[3] Letter from Equi to Sara Bard Field, 29 May 1921, in Department of Justice files. (Note: These files will be referred to as “DOJ files.”).
[4] Joe Lukes, letter, 6/19/81.
[5] Oregon Daily Journal, 19 November 1918, p. 4. (Note: This newspaper will be abbreviated as “ODJ”.).
[6] Sandy Polishuk, interview, 3/31/81.
[7] Ibid.
[8] ODJ, 19 July 1913, p. 5.
[9] May Roth Walsh, “Doctors Wanted: No Women Need Apply”–Sexual Barriers in the Medical Profession, 1938–1975 (New Haven: Yale University Press, 1977). p. 179.
[10] Sandy Polishuk, “The Radicalization of Marie Equi,” unpublished paper, 1971. Note: This paper will be referred to as “RME”).
[11] Julia Ruutilla, interview, 6/6/81.
[12] Ida Husted Harper, The History of Woman Suffrage, VoL VI, 1900–1920 (NY: J.J. Little & Ives Co. 1922), p. 149.
[13] ODJ, 19 July 1913, p. 5; New York Times, 15 July 1952, p. 21.
[14] Report of Agent Bryon, 19 September 1918, and letter from Equi to Harriet Speckart, 22 May 1921, DOJ files.
[15] Oral presentation by Boston Gay and Lesbian History Project, June 1980.
[16] Sheila Rowbotham and Jeffrey Weeks, Socialism and the New Life: The Personal and Sexual Politics of Edward Carpenter and Havelock Ellis (London: Pluto Press, 1977), p. 161.
[17] Letter from Mark Avramo to Equi, 31 March 1921, DOJ files.
[18] Inez Rhodes, letter, 4/17/81: Oreg., 9 March 1912, p. 4; Polishuk, RME, p. 2.
[19] Polishuk, RME, pp. 4–5.
[20] Report of the Social Survey Committee of the Consumen League of Oregon on the Hours, Wages and Conditions of Work and Cost and Standard of Living of Women Wage Earners in Oregon with Special Reference to Portland (Portland, OR: Consumers League of Oregon, 1913), p. 20.
[21] Portland News, 28 June 1913, p. I.
[22] ODJ, 19 May 1913, p. 1.
[23] ODJ, 3 July 1913, p. 2
[24] New York World, 5 April 1914, Sec. M, p. 4.
[25] Oreg., 16 July 1913, p. 1, p. 3.
[26] Oreg., 18 July 1913, p. 5.
[27] Evening Telegram, 18 July 1913, p. I. (Note: This papcr will be abbreviated as “ET”.).
[28] New York World, 5 April 1914, Sec. M, p. 4.
[29] New Bedford Evening Standard, 17 March 1914, p. 3.
[30] Ibid.
[31] Ibid.
[32] Ibid.
[33] Blanche Weisen-Cooke, ed., Crystal Eastman on Women and Revolution (NY: Oxford University Press, 1978), pp. 12–13.
[34] Polishuk, 3/31/81.
[34] Polishuk, 3/31/81.
[35] Julia Ruutilla interview.
[36] E. Kimbark MacColl, The Growth of a City: Power and Politics in Portland, Oregon, 1915 to 1950 (Portland, OR: The Georgian Press, 1979), p. 139.
[37] Polishuk. RME, p. 125.
[38] ODJ, 4 June 1916, Sec. 1, p. 6.
[38] ODJ, 4 June 1916, Sec. 1, p. 6.
[39] Julia Ruutilla interview.
[40] Ibid.
[41] Oreg., 8 September 1966, p. 36.
[42] ODJ, 25 November 1971, p. 5.
[43] Margare! Sanger, Margara Sanger: An Anthology (NY: W.W. Norton & Co„ 1938), p. 206.
[44] Polishuk, RME, p. 25.
[45] Equi letter lo Sanger, 2 October 1916, Library of Congress.
[46] Walker C. Smith, The Everett Massacre (Chicago: IWW Publishing House, n.d.), p. 94.
[47] Inez Rhodes letter.
[48] Philip S. Foner, The Case of Joe Hill (NY: International Publishers, 1965), p. 92.
[49] James P. Foreit, The Industrial Worker in the Northwest 1909–1931: A Study of Community-Newspaper Interaction, Thesis, University of Washington, 1969, p. 138.
[50] H.C. Peterson and Gilbert C. Fite, Opponents of War, 1917–1918 (Madison, WI: The University of Wisconsin Press, 1967), p. 19.
[51] Roben Tyler, Rebels of the Woods: The IWW in the Pacific Northwest (Eugene, OR: University of Oregon Books, 1967), p. 141.
[52] Peterson and Fite, p. 62.
[53] Charlotte Todes, Labor and Lumber (NY: International Publishers, 1931), pp. 141–143.
[55] Judgment Roll #8099, United States vs. Marie Equi. Registrar No. 7968, Indictment, 29 June 1918.
[56] Workers Un¡te: A Presentation of the Case of Dr. Marie Equi, November 1919, p. I.
[57] Report of Agent Bryon, 4 September 1918, DOJ files.
[58] ODJ, 19 November 1918, p. 14.
[59] Oreg., 19 November 1918, p. I.
[60] ODJ, 21 November 1918, p. 2.
[61] Flynn, p. 252.
[62] Oreg., 21 November 1918, p. 2.
[63] ET, 31 December 1918, p. 1.
[64] Judgment Roll #8099, Judge Bean, Instructions to the Jury, p. 84.
[65] Repori of Agent Bryon, 9 September 1918, DOJ files.
[66] ET, 31 December 1918, p. 1.
[67] Workers Unite, p. 6.
[68] John Dos Passos, Nineteen Nineteen, ¡n USA (NY: Random House, 1939), p. 457.
[69] ODJ, 27 October 1919, p. 1.
[70] Oreg., 1 November 1919, p. 9.
[71] Letter from Equi to Sanger, 29 October 1920, Library of Congress.
[72] Polishuk, 3/31/81.
[73] Letter from Equi to Sanger, 24 November 1920, Library of Congress.
[74] DOJ files.
[75] Polishuk, 3/31/81.
[76] Rosalyn Baxandrall, “Dreams and Dilemmas: Introduction to Elizabeth Gurley Flynn’s Writings on Women,” unpublished paper, 1982, p. 30.
[78] International Longshoremen Association, “The Hook,” Vol. 2, No. 11, II July 1934.
[79] Julia Ruutilla interview.
[80] Howard Zinn, A People’s History of the United States (NY: Harper & Row, 1980), p. 357.
[81] Julia Ruutilla interview.