Por Alain Badiou, traduzido por Diogo Fagundes
Estas teses compõem o sumário de uma das duas palestras, dirigidas ao grande número de jovens que se reuniram no Liceu Henri-IV e na École Nationale des Beaux-Arts de Paris para ouvi-lo falar em 2017. Alain Badiou afirma que ainda estamos firmemente enraizados no Neolítico, subjugado pelas estruturas de poder político – propriedade, família e estado. Ele clama por uma segunda revolução para restaurar a cada pessoa sua liberdade e agência. Por meio de uma análise das tentativas recentes de organização política, incluindo a Primavera Árabe, o Occupy e o debout de Nuit, Badiou mostra que o progresso em direção a esse objetivo só será alcançado através de uma ênfase na igualdade, não na diferença.
Tese 1 – A atual situação econômica mundial é a da hegemonia territorial e ideológica do capitalismo liberal.
Tese 2 – Essa hegemonia não está de forma alguma em crise, muito menos em um coma irreversível, mas em uma sequência particularmente intensa de seu desenvolvimento.
Tese 3 – Três contradições ativas estão enfraquecendo essa hegemonia. Um: a dimensão oligárquica altamente desenvolvida da propriedade do capital deixa cada vez menos latitude para que novos proprietários se integrem a essa oligarquia. Daí a possibilidade de esclerose autoritária. Dois: a integração dos circuitos financeiros e comerciais em um único mercado mundial se opõe, em termos de policiamento das massas, à manutenção de entidades nacionais que inevitavelmente se tornam rivais. Daí a possibilidade de uma guerra mundial para que um país surja como claramente hegemônico, inclusive no mercado mundial. Terceiro: há dúvida hoje de que o Capital, em sua atual linha de desenvolvimento, pode colocar para trabalhar a força de trabalho de toda a população mundial. Daí o risco de que uma massa de pessoas totalmente destituídas e, portanto, politicamente perigosas, se desenvolva em todo o mundo.
Tese 4 – Nos últimos dez anos, houve muitos, às vezes fortes, movimentos de revolta contra este ou aquele aspecto da hegemonia do capitalismo liberal. Mas eles também foram derrotados sem dificuldade significativa.
Tese 5 – A causa desta fraqueza dos movimentos da última década é a ausência de política, ou mesmo a hostilidade à política, que se apresenta de várias formas e é identificável por uma série de sintomas.
Tese 6 – Devemos lembrar as experiências mais importantes do passado recente e refletir sobre seus fracassos.
Tese 7 – Uma política interna a um movimento deve ter cinco características, concernentes a palavras-de-ordem, estratégia, vocabulário, existência de um princípio e uma visão tática clara.
Tese 8 – A política é responsável pela própria persistência do espírito dos movimentos, que é igual à escala de tempo dos Estados e não um mero momento negativo do seu domínio. A sua definição geral é que organize, entre os vários componentes do povo e na mais ampla escala possível, uma discussão em torno das consignas que devem ser tanto da propaganda permanente como dos movimentos futuros. A política fornece o quadro geral para essas discussões: é a afirmação de que existem atualmente dois caminhos para a organização geral da humanidade, o caminho capitalista e o caminho comunista. O primeiro é apenas a forma contemporânea do que existia desde a Revolução Neolítica há vários milhares de anos. Este último propõe uma segunda revolução global e sistêmica no devir da humanidade. Propõe sair do Neolítico.
Tese 9 – A política é feita com gente de todas as partes. Não pode aceitar cumprir as várias formas de segregação social organizadas pelo capitalismo.
Tese 10 – Não existe mais nenhuma organização política real hoje. Portanto, a tarefa é tentar encontrar maneiras de reconstruí-lo.
Tese 11 – A forma clássica do Partido está condenada hoje porque se definiu não por sua capacidade de fazer o que diz a Tese 9, ou seja, trabalho de massa, mas por sua pretensão de “representar” a classe trabalhadora, ou o proletariado.
Tese 12 – A relação com o Estado não é, como acabamos de ver, o que define a política. Assim, a política ocorre “à distância” do Estado. Estrategicamente, porém, o Estado deve ser esmagado porque é o guardião universal da alternativa capitalista, principalmente porque protege o direito à propriedade privada dos meios de produção e troca. Como os revolucionários chineses durante a Revolução Cultural costumavam dizer: “Devemos romper com a lei burguesa”. Conseqüentemente, a ação política em relação ao Estado é uma mistura de distância e negatividade. O objetivo é, na verdade, que o estado seja gradualmente cercado por uma opinião pública hostil e posições políticas que se tornaram estranhas a ele.
Tese 13 – A situação do capitalismo contemporâneo envolve uma espécie de desconexão entre a globalização do mercado e o caráter ainda amplamente nacional da polícia e do controle militar das populações. Em outras palavras, há uma lacuna entre a disposição econômica das coisas, que é global, e sua necessária proteção baseada no estado, que permanece nacional. O segundo aspecto revive as rivalidades imperialistas, mas de formas diferentes. Apesar dessa mudança de forma, o risco de guerra é crescente. A guerra já está presente, aliás, em grandes partes do mundo. A política do futuro também terá a tarefa de prevenir, se puder, a eclosão de uma guerra total, que pode colocar em risco a existência da humanidade desta vez. Também se poderia dizer que a escolha histórica é: ou a humanidade rompe com o Neolítico contemporâneo do capitalismo e inicia sua fase comunista em escala global, ou permanece em sua fase Neolítica, e estará em grande perigo de perecer em um guerra nuclear.