Por Vittorio Morfino, traduzido por Zaira Rodrigues Vieira
Do ponto de vista teórico, o texto mais relevante na produção althusseriana dos anos oitenta é provavelmente o escrito datilografado que os organizadores dos Escritos apresentaram, fazendo, porém, escolhas redacionais muito precisas¹, intitulando-o Corrente subterrânea do materialismo do encontro. Trata-se de um texto extremamente fascinante no qual são apenas esboçados os traços de uma história subterrânea de um materialismo que escaparia à clássica oposição idealismo-materialismo – oposição de todo interna à história da metafísica ocidental: um materialismo da contingência e do aleatório, não dominado pelo grand principe “nihil est sine ratione”, que repercutiu, como disse Heidegger, na história do pensamento ocidental antes de ser enunciado por Leibniz. Mas, precisamente na fascinação que este texto exerce se esconde seu risco maior: como disse o próprio Althusser das Tesi su Feuerbach, trata-se de um texto que ofusca mais que ilumina, lampejos de genialidade que dilaceram lugares filosóficos comuns, agora inveterados, intuições que abrem caminho, mas que, na maior parte dos casos, não são sustentadas pelo paciente trabalho do conceito. O risco maior é aquele de ver aí uma liquidação do potente racionalismo dos escritos dos anos sessenta numa filosofia do evento, do caso ou, pior ainda, da liberdade. O desafio consiste, pois, não tanto em negar a ambiguidade sobre a qual se baseiam interpretações deste gênero, mas em reconhecê-la e pô-la em evidência, tentando dissipá-la com um golpe de força teórico, colocando no centro do texto de Althusser, uma tese não escrita e que, todavia, representa sua chave de interpretação: a tese do primado do encontro sobre a forma. A questão fundamental que imediatamente se coloca é aquela de saber em que relações se colocam esta tese com a afirmação do primado da relação sobre os elementos, várias vezes repetida nos anos sessenta e setenta. Há contradição? A primeira tese não alude talvez a uma pré-existência dos elementos com respeito à relação negada pela segunda? O que está em jogo, aqui, é a possibilidade mesma de se pensar o materialismo aleatório sem abandonar o viés do racionalismo.
1. O primado da luta de classes
Como dito, a tese do primado da relação sobre os elementos caracteriza os escritos do primeiro Althusser. É célebre, neste sentido, a posição tomada na Réponse à John Lewis, onde – em oposição à concepção humanista, segundo a qual o homem faria a história transcendendo a história precedente – Althusser afirma que: 1) são as massas que fazem a história e 2) que a luta de classes é o motor da história. As duas teses não estão, porém, sobre o mesmo plano, visto que a primeira pode ser entendida corretamente apenas se subordinada à segunda: “isto significa que a potência revolucionária das massas é poderosa [n’est puissante] apenas em função da luta de classes”2 . Em outras palavras, não é pensável a existência das classes de forma separada e anterior à luta: “Deve-se, pois, partir da luta de classes para compreender a existência e a natureza das classes. Deve-se pôr a luta de classes em primeiro lugar [Il faut mettre la lutte des classes au premier rang]3. E, poucas linhas depois, conclui: “Primado absoluto da luta de classes [Primat absolu de la lutte des classes]”4. É claro, como sublinhou Stanislas Breton, que a tese do primado da luta de classes sobre a existência das classes é traduzível, em termos abstratos, pela tese do primado da relação sobre os elementos5. Trata-se, porém, de perguntar-se o que significa, aqui, exatamente primado. Parece-me que o termo, numa primeira aproximação, possa ser lido na linha da tradição aristotélica daquilo que é primeiro por natureza: prote fusei significa uma anterioridade não temporal, mas ontológica. Sem, todavia, remontar a Aristóteles, se pode esclarecer o significado do conceito de “primado” lendo-o à luz da primeira proposição da primeira parte da Ética: “Uma substância é, por natureza, primeira em relação às suas afecções [Substantia prior est natura suis affectionibus]”6. Trata-se, pois, de um primado ontológico que deve ser afirmado sobre um plano epistemológico contra um empirismo ingênuo que toma as coisas que se encontram frente ao sujeito como realidade subsistente por si. Neste sentido, é fundamental o comentário da proposição 10 da segunda parte da Ética dedicado ao correto ordo philosophandi:
Todos, sem dúvida, devem admitir que nada pode ser, nem ser concebido, sem Deus. É, para todos,um fato incontestável que Deus é a única causa de todas as coisas, tanto de sua essência, quanto de sua existência, isto é, que Deus é causa das coisas não apenas em relação ao devir, mas, também, quanto ao ser. Muitos, todavia, dizem que pertence à essência de uma coisa aquilo sem o que a coisa não pode nem ser, nem ser concebida e, por isso, creem ou que a natureza de Deus pertença à essência das coisas criadas ou que as coisas criadas possam ser e ser concebidas sem Deus ou, ainda – o que é mais certo – não são coerentes. A causa disto, creio que tenha sido o fato de que não tenham respeitado a ordem do Filosofar. De fato, acreditavam que a natureza divina – que deveriam ter considerado antes de qualquer outra coisa, já que ela é primeira tanto para conhecimento, quanto por essência – fosse última na ordem de conhecimento e que as coisas que chamamos objetos dos sentidos fossem primeiras em relação a todas as outras.7
Esta importante nota metodológica sobre o primado da totalidade segue à enunciação de uma tese de extraordinário alcance filosófico: “A essência do homem é constituída por certas modificações dos atributos de Deus [essentiam hominis constitui a certis Dei attributorum modificationibus]”8. Isto significa que não tem sentido pôr-se o problema do homem em termos de essência intemporal, pois, a essência é constituída por modificações e pode ser corretamente pensada apenas se posta em relação com a totalidade.
Introduzindo o Positivismusstreit na sociologia alemã, Adorno tomará uma posição metodologicamente análoga segundo a qual os fatos não são um dado último e impenetrável, como afirmava a sociologia então dominante, mas deixam aparecer aquilo que os põem e os constituem enquanto tais:
A interpretação dos fatos – escreve Adorno – conduz à totalidade, sem que esta seja ela mesma um fato. Não há nenhum fato social que não tenha seu lugar e seu significado naquela totalidade. Esta é pré-ordenada em relação a todos os sujeitos singulares, pois, estes, também em si mesmos, obedecem a sua pressão e representam a totalidade em sua própria constituição monadológica, senão, sobretudo, nela. Neste sentido, a totalidade é o ser supremamente real.9
Naturalmente, uma posição deste gênero não pode ser tomada de modo filosoficamente ingênuo; é necessário – como surge, também, na passagem adorniana – colocar-se a questão da relação que ela possui com a tradição da causalidade expressiva de Leibniz a Hegel.
2. O primado da relação: telos ou álea?
Justamente na focalização da diferença entre a concepção marxista e aquela leibniziana/hegeliana, Althusser tinha dedicado o parágrafo final de Objeto do Capital, significativamente intitulado “a imensa revolução científica de Marx”. Althusser retém que, na teoria da história e da economia política do Capital, esteja presente, em estado prático, um conceito de causalidade que, todavia, Marx não teorizou sobre um plano estritamente filosófico. Conceito, este, que responde à questão da determinação dos elementos de uma estrutura e das relações estruturais entre estes elementos através da eficácia desta mesma estrutura. Neste sentido, nem o modelo mecanicista, nem aquele organicista são adequados:
Muito esquematicamente se pode dizer que a filosofia clássica (…) dispunha, em tudo e por tudo, de dois sistemas de conceitos para pensar a eficácia. O sistema mecanicista de origem cartesiana, que reduzia a causalidade a uma eficácia transitiva e analítica: esta só conseguiria pensar a eficácia de um todo sobre seus elementos à custa de extraordinárias distorções (como se vê na “psicologia” ou na biologia de Descartes). Todavia era disponível um segundo sistema concebido precisamente para dar conta da eficácia de um todo sobre seus elementos: o conceito leibniziano de expressão. É exatamente este modelo que domina o pensamento de Hegel; mas, ele pressupõe, como princípio, que o todo de que se trata seja redutível a um único princípio de interioridade, vale dizer, a uma essência interior da qual os elementos do todo são apenas formas de expressão fenomênicas, estando o princípio interno da essência presente em cada momento do todo, de modo que, a cada instante, se possa escrever a equação imediatamente adequada: tal elemento (econômico, político jurídico, literário, religioso, etc. , em Hegel) = à essência interior do todo. Trata-se de (…) um modelo que permite pensar a eficácia do todo sobre cada um dos seus elementos. Mas, esta categoria essência interior / fenômeno exterior, para ser aplicável, em todo lugar e em todo instante, a cada um dos fenômenos contidos na totalidade em questão, pressupõe uma certa natureza do todo, precisamente a natureza de um todo “espiritual”, no qual, cada elemento é expressivo da totalidade inteira como “pars totalis”. Em outros termos, há, em Leibniz e em Hegel, uma categoria da eficácia do todo sobre seus elementos ou suas partes, mas com a condição absoluta de que o todo não seja uma estrutura.10
Marx, portanto, não se teria servido nem do modelo mecanicista, nem daquele organicista, mas, sem sabê-lo11, daquele spinoziano da causalidade imanente. A este ponto, porém, o problema consiste todo no diferenciar com precisão o modelo spinoziano daquele hegeliano, largamente utilizado na tradição marxista. No fim deste parágrafo, multiplicam-se as formulações que deveriam marcar esta diferença: “causalidade estrutural”, “sobredeterminação” (categoria introduzida no Pour Marx), Darstellung, causalidade metonímica, causa imanente, teatro sem autor. Alguns anos mais tarde, não acrescentando nada à substância da argumentação, Althusser oporá, em Est-il simple d’être marxiste en philosophie?, “tudo” a “totalidade”12 e, em Elements d’autocritique, o “todo sem fecho”13 à totalidade fechada da tradição idealista.
A fim de esclarecer este ponto, tentemos tomar em consideração a teoria do primado da relação na tradição da causalidade expressiva. Em Leibniz, as relações são constitutivas da realidade enquanto estrutura espaço-temporal dos fenômenos. Todavia, estas relações que estruturam o mundo assim como ele aparece necessitam de uma dupla fundação: por uma parte, em uma substância espiritual que permanece para além da relação mesma, não é constituída por ela, e, por outra parte, no intelecto divino, sem o qual nada seria verdade. Em Hegel, a substancialidade está diluída na mais radical relacionalidade e, todavia esta relacionalidade não é puro jogo de ação e reação sem qualidade: ela é presença (parousia) de um tempo que não é constituído pela relação, mas que, antes, guia a relação; é contemporaneidade de um princípio imanente ao jogo das relações (a bela individualidade, a personalidade jurídica abstrata, etc.) que decide antecipadamente dos desenvolvimentos a que o jogo das relações dá lugar. A obscuridade presente na Wechselwirkung tende à luz do conceito e este seu tender está inscrito ab initio no esquema da simultaneidade, grande metáfora temporal do espírito.
Tanto Leibniz, quanto Hegel, parecem, pois, terem colocado em termos radicais a questão das relações e, ao mesmo tempo, recuado frente às extremas consequências de uma tal posição: de uma parte, a teoria da harmonia preestabelecida permite a Leibniz não colocar em jogo a substância na relação senão quando ela se encontra, ainda, na forma de essência possível no intelecto divino e, pois, lhe permite não fazer da relação nada mais que o jogo combinatório do mundo do Deus arquiteto e soberano, sempre já decidida pela tensão da sua vontade rumo ao bem; por outra parte, a teoria da astúcia da razão como aquela atividade de tecelagem daquele grande tapete que é história universal permite a Hegel dominar o sentido do jogo das relações. Harmonia pré-estabelecida e astúcia da razão colocam a relacionalidade a serviço de uma teleologia: primado da teleologia sobre a relacionalidade, podemos dizer, pra fazer eco às formulações althusserianas de que partimos. Em ambos os casos, a concepção da temporalidade é o segredo deste primado, a eternidade teológica de Leibniz e sua secularização hegeliana na contemporaneidade da época.
No Esquisse d’une théorie du temps historique, Althusser procura precisamente construir um conceito de temporalidade livre desta dupla hipoteca: o tempo da totalidade não é nem a eternidade, nem a contemporaneidade e tão pouco o sincrônico (em manifesta polêmica com o “estruturalismo”), mas a complexa articulação de temporalidades diferenciais não recondutíveis a uma essência simples14. Se, portanto, a tese do primado da relação, como admite o próprio Althusser, pode ser lida pela via da tradição idealista, trata-se de encontrar uma fórmula capaz de exprimir esta concepção com uma força igual e contrária, em relação à tradição da causalidade expressiva. Primado do aleatório sobre a relacionalidade? A meu ver, a fórmula de longe mais clara é : primado do encontro sobre a forma. Mas, como dito, não se encontra na Corrente Subterrânea.
3. As 7 teses da “Corrente subterrânea” e o materialismo do encontro
Em primeiro lugar, tomemos em consideração o esboço deste materialismo. Althusser delineia os traços de uma tradição que teria atravessado os séculos permanecendo invisível à superfície, invisível porque combatida, incompreendida, removida. Esta tradição ele denomina “materialismo da chuva, do desvio, do encontro e da ‘pega’a ”15. Epicuro, Lucrécio, Maquiavel, Spinoza, Hobbes, Rousseau, Marx, l’es gibt heideggeriano, o fallen wittgensteiniano. Estes autores têm em comum a resistência, a irredutibilidade, a uma história do pesamento ocidental entendido como história da razão ou da metafísica, a resistência às grandes periodizações hegel-heideggerianas.
Quando se põe a definir este materialismo, Althusser afirma que ele está contido nestas teses:
1) “tese do primado da positividade sobre a negatividade (Deleuze)”16
2) “tese do primado do desvio sobre a retidão do percurso retilíneo (para a qual a Origem é desvio e não razão)”17;
3) “tese do primado da desordem sobre a ordem (pense-se à teoria do ‘rumor’)”18;
4) “tese do primado da ‘disseminação’ sobre a posição do sentido em cada significante (Derrida)”19;
5) “tese do primado da ausência sobre a presença (Derrida), não como remontar-para, mas enquanto horizonte que recua interminavelmente, como em face do caminhante que, buscando seu caminho numa planície, encontra sempre uma outra planície na sua frente”20;
6) “tese do primado do ‘nada’ sobre toda ‘forma’”21;
7) “tese do primado do materialismo aleatório sobre todo formalismo”22.
As referências filosóficas fundamentais, nestas teses, são Deleuze (tese 1), o epicurismo (teses 2 e 6), Derrida (teses 4 e 5). Entre as primeiras quatro teses e a quinta, Althusser refere-se ao Fall wittgensteiniano e ao es gibt de Heidegger. Mas, a multiplicação das referências teóricas, a meu ver, não se coloca no caminho certo: não entro no mérito da pertinência de cada uma delas (se pudesse fazê-lo, demonstrando que se trata, no máximo, de vagas sugestões), me limito a afirmar que se tratam de referências que correm o risco de serem desviantes com relação à conceitualidade em jogo na definição de materialismo. O risco, para o qual me parece tender esta série de teses, se mostra perfeitamente em uma expressão que Althusser usa a propósito de Heidegger: “contingência transcendental do mundo”. A expressão está no limite do absurdo, mas, na medida em que ela é inteligível, me parece instituir uma hipostasiação / contraposição de sujeito e mundo, cujo encontro tomaria os caracteres “necessários” da contingência.
Trata-se, pois, de deixar provisoriamente de lado estas teses com suas ambiguidades para tentar ver se se sustenta aquela que eu considero a tese fundamental: o primado do encontro sobre a forma. Vejamos como Althusser caracteriza a filosofia do encontro, em um breve interlúdio de sua história subterrânea, antes de se ocupar com Marx:
1. Para que um ser seja (um corpo, um animal, um homem, um Estado ou um Príncipe) é necessário que tenha havido encontro, no pretérito mais-queperfeito (…), que o encontro tenha ocorrido entre possíveis afins [affinissables], como tal indivíduo e tal conjuntura ou Fortuna – pois, a conjuntura é, ela mesma, junção, conjunção, encontro fixado, mesmo se móvel, que já teve lugar e que reenvia, por sua vez, ao infinito de suas causas antecedentes, assim como reenvia, por outra parte, ao infinito da série de causas antecedentes, seu resultado que é um tal indivíduo definido (…).
2. Só há encontro entre séries de seres que resultam de muitas séries de causas – pelo menos de duas, mas estas duas proliferam rápido, por efeito do paralelismo ou do contágio ambiental (…).
3. Cada encontro é aleatório, não apenas nas suas origens (nada garante jamais um encontro), mas, também, nos seus efeitos. Dito de outro modo, cada encontro, embora tenha acontecido, poderia não ter acontecido, mas a sua possível negação esclarece o sentido de seu ser aleatório. E todo encontro é aleatório em seus efeitos já que, antes deste mesmo encontro, nada em seus elementos desenha os contornos e as determinações do ser que dele resultará23.
Para resumir,
1) todo ser é fruto do encontro,
2) todo encontro é efeito de outros encontros ao infinito,
3) todo encontro poderia não ter tido lugar,
4) os elementos que produziram o encontro não continham o ser a que deram lugar, mas apenas partindo do resultado do encontro, em direção aos elementos, estes podem ser considerados afins.
4. A função do vazio
Que papel o vazio desempenha num quadro teórico deste tipo? Gostaria de tentar sustentar que a grande ênfase colocada sobre os conceitos de “nada” (“nulla”, “niente”) e “vazio” tem uma função exclusivamente retórica: a contingência, o álea, é posta, na verdade, pelo encontro, não pelo nada/vazio. Se se toma esta função retórica por teórica corre-se o risco de se transfigurar a teoria do encontro em uma teoria do evento ou da liberdade.
Vejamos, analiticamente, a forma em que aparecem estes termos no esboçar os autores da Corrente subterrânea:
1) em Epicuro e Lucrécio, o vazio é aquilo que permite a queda paralela dos átomos e o nada é o clinamen, “o ‘nada’ do desvio [le rien de la déviation]24 que origina a carambola dos átomos;
2) em Maquiavel, o nada se oculta nas condições da unidade da Itália: “um homem sem nome [homme sans nom]”, que parte para “um canto da Itália sem nome [dans un coin d’Italie sans nom]”25. Aumentando a dose, Althusser afirma que as condições da regeneração são que esta seja realizada por “um desconhecido [homme de rien], saído do nada [parti de rien]”26;
3) o vazio de Spinoza é “o objeto [mesmo] da filosofia”27, no sentido paradoxal que esta faz o vazio dos conceitos da teologia, da gnoseologia, da moral e da política através de um trabalho de “desconstrução”28, seguindo a lição de Maquiavel, que “fez o vazio de todos os conceitos filosóficos de Platão e de Aristóteles para pensar a possibilidade de fazer da Itália um Estado nacional”29.
4) em Hobbes, o vazio aparece como o fundamento da liberdade, como ausência de obstáculos ao movimento30;
5) em Rousseau, o vazio entra em cena na figura da floresta do estado de pura natureza, o qual representaria “um nada de sociedade anterior a toda sociedade [un néant de societé antérieur à toute societé]”31 e o nada, na figura dos cataclismas que põem fim a este estado, naquela do “abismo […] da re-caída [l’âbime de la re-chute] no estado de natureza” que estabelece o autêntico sentido do Contrato social32.
Se atentamos para a estratégia teórica que comanda o aparecimento destes termos, emerge, com clareza, que a ênfase posta sobre eles é puramente retórica: o nada do clinamem de Epicuro, assim como o nada de sociedade, em Rousseau, são o efeito de uma estratégia filosófica posta em ação para desativar o horizonte conceitual no qual estes autores pensaram (o espaço qualitativo aristotélico, o jusnaturalismo); o nada em Maquiavel, sobre o qual Alhusser insiste a propósito do Valentino, é um verdadeiro e particular engano: longe de ser um homme de rien, saído do nada, César é filho de Alexandre VI, protegido e aconselhado pelo pai e por ele denominado gonfaloneiro do estado pontífice; o vazio filosófico de Spinoza e Maquiavel é a descrição de uma precisa estratégia filosófica: é verdade que Althusser coqueteando com Derrida a chama “desconstrução”, mas, longe de poder ser inscrito numa tradição hermenêutica, que anula todas as diferenças, estamos, em realidade, face ao caso limite de toda atividade filosófica que consiste no ocupar, de modo conflituoso, uma posição no interior “do espaço pleno de um mundo já ocupado”33. O vazio de Hobbes, enfim, não é outro que não a ausência de determinações externas à ação, portanto, não uma ausência absoluta de determinações.
O que demonstra que os conceitos de “vazio” e “nada” (niente, nulla) não são absolutamente necessários para pensar o encontro é, a meu ver, o fato de que estes conceitos desaparecem quando Althusser chega a tratar de Marx (e não se deve esquecer que a reconstrução da corrente subterrânea é, no fundo, apenas a premissa metodológica desta leitura de Marx34) e a opor, no seu pensamento, uma concepção aleatória e uma teleológica do modo de produção. As únicas duas ocorrências do termo “vazio” têm a tarefa de mostrar a diferença entre a concepção aleatória e aquela teleológica do modo de produção:
Aqui, as histórias individuais não flutuam mais na história como átomos no vazio, favorecendo um ‘encontro’ que poderia não ocorrer. Tudo é realizado antecipadamente, a estrutura precede seus elementos e os reproduz para reproduzir a estrutura35.
Estamos nas antípodas da concepção do ‘encontro entre a burguesia’, elemento ‘flutuante’ como os outros, e os outros elementos que flutuam para constituírem um modo de produção original, aquele capitalista. Não há, pois, encontro, já que a unidade precede os elementos, já que não há aquele vazio necessário a todo encontro aleatório [ce vide nécessaire à toute rencontre aléatoire]. Quando se trata, ainda, de pensar o fato por se realizar, Marx se instala deliberadamente no fato concluído e nos convida a segui-lo nas leis da sua necessidade36.
O vazio não é nada mais que a condição de possibilidade da flutuação, é o conceito necessário para pensar a flutuação, a ausência de plano que precede o encontro dos elementos, mas não tem nenhum significado por si.
A partir disto parece-me que se delineia, com clareza, a inadequação de todas aquelas teses que não sublinham o elemento do encontro. Termos como “positividade”, “desvio”, “desordem”, “disseminação”, “ausência”, “nada” correm fortemente o risco de serem ambíguos ou desviantes se não compreendidos por meio da categoria de encontro. Possuem, é verdade, o mérito de fazer uma ponte com outros pensamentos, sublinhar afinidades, estabelecer alianças no Kampfplatz filosófico, mas, ao mesmo tempo, me parecem esconder aquilo que é verdadeiramente inaudito no materialismo althusseriano.
5. As duas chuvas de Althusser
Retomemos, agora, a página inicial de Althusser, trata-se de uma página literariamente muito bonita:
Chove.
Que este livro seja, pois, antes de tudo, um livro sobre a simples chuva. Malebranche se perguntava “Por que chove sobre o mar, sobre as grandes estradas e a areia”, dado que esta água do céu que, alhures, molha as culturas […], não acrescenta nada à água do mar ou se perde pelas estradas e pelas areias do deserto.
Não se tratará, aqui, daquela chuva providencial ou contraprovidencial.
Este livro se ocupa, ao contrário, de uma outra chuva, de um tema profundo que percorre toda a história da filosofia e que foi combatido e removido tão logo foi enunciado: a ‘chuva’ (Lucrécio) dos átomos de Epicuro que caem paralelamente no vazio, a ‘chuva’ do paralelismo dos atributos infinitos em Spinoza e muitos outros ainda, Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Marx e, também, Heidegger e Derrida37.
Althusser chegará, nas linhas sucessivas, a definir a corrente subterrânea como “materialismo da chuva”38. Todavia, na prossecução do escrito datilografado, Althusser não manterá a promessa da esplêndida abertura, o seu não será, de forma alguma, um livro sobre a chuva. A metáfora da chuva retornará raramente e, às vezes, despropositadamente para explicar algumas passagens: a chuva de átomos, em Epicuro39; dos estados italianos, em Maquiavel40; dos atributos paralelos, em Spinoza41; dos homens, na floresta rousseauniana42; dos séquitos paralelos dos operários e estudantes do maio francês43. Estas chuvas, de modo mais ou menos pertinente, têm como modelo a chuva dos átomos de Epicuro, queda vertical e paralela dos corpos, antes que o clinamen dê lugar à carambola que origina os mundos. Esta chuva, é bom sublinhá-lo, não é metáfora da tese do primado do encontro sobre a forma, mas de uma outra tese que, talvez, lhe seja complementar: a tese do primado do não-encontro sobre o encontro, seja: antes que acontecesse o encontro que origina um mundo, os átomos caiam como gotas de chuva sem se se encontrarem e sua existência, enquanto elementos que entram em jogo no encontro, era puramente abstrata.
A chuva que abre o escrito, a chuva que cai sobre terra cultivada ou sobre estrada, sobre desertos ou sobre mar, vem deixada às margens como uma bela imagem não pertinente. Em realidade, a meu ver, ela é o centro teórico do texto: é a chuva de que falou Aristóteles, muito antes de Malebranche, num parágrafo fundamental da Física. Trata-se de um parágrafo que fecha um livro – o segundo – no qual emergem alguns dos conceitos que constituíram verdadeiros eixos da tradição Ocidental: substância (ousia), causa (aitia), caso (automaton), fortuna (tuke). Ora, no tecido desta trama conceitual, Aristóteles escreve a tese fundamental da sua filosofia: o primado da forma sobre a matéria. A forma, enquanto estrutura, enquanto organização interna nos seres viventes, é mais natureza (e, pois, substância) que a matéria e a ela são recondutíveis três (eficiente, formal e final) dos quatro sentidos em que se diz a causa44. E, também, no momento em que Aristóteles traça uma linha de demarcação quanto à tradição segundo a qual “se costuma dizer que são causas também a fortuna e o caso” (tomando distância, por um lado, do atomismo, que põe o caso à origem do mundo e, por outro, do culto popular da Tuke, segundo o qual ela seria uma causa que se oculta ao pensamento humano, um algo de divino e de demoníaco) é, de novo, o conceito de forma que lhe permite esta demarcação por meio da construção da própria teoria do caso e da fortuna. Sobre esta, vale a pena deter rapidamente o olhar.
6. A chuva sobre campos de grão
Aristóteles distingue: 1) as coisas que se geram sempre do mesmo modo; 2) aquelas que se geram, na maioria das vezes, do mesmo modo; 3) e aquelas que não acontecem nem sempre nem na maioria das vezes e todos afirmam serem fortuitas. A fortuna e o caso não dizem respeito nem aos eventos do primeiro grupo, nem àqueles do segundo, mas só àqueles eventos do terceiro grupo, que acontecem em vista de um fim, haja ou não haja uma escolha em sua origem. O caso, pois, diz respeito aos eventos que não acontecem nem sempre nem na maioria das vezes, mas em vista de um fim, de modo acidental, se, à origem, não há uma escolha, enquanto que a fortuna diz respeito aos eventos que não acontecem nem sempre nem na maioria das vezes, mas em vista de um fim, de modo acidental, se à origem há uma escolha. O caso, geralmente entendido como o que não tem causa, para Aristóteles, não existe; ele tem sentido apenas em relação a uma ordem causal e, na verdade, a pressupõe. Tudo aquilo que acontece tem uma causa: uma pedra cai em virtude de sua natureza, um homem vai ao mercado para fazer compras. Tratam-se de processos naturais. Todavia, estes eventos não acontecem sozinhos, mas em meio a outros processos naturais. Acontece que alguns processos se entrelaçam com outros: a pedra cai e bate em um homem que está passando; o homem que foi ao mercado encontra um devedor e recupera seu crédito. Em ambos os casos, tratam-se de encontros entre dois processos causais: de fato, o homem atingido passava por ali por razões determinadas, o devedor encontrava-se no mercado por razões determinadas. Ora, aquilo que, neste entrelaçamento de processos causais, nos faz falar de caso e de fortuna é uma teleologia aparente, um ‘como se’: pareceria que este entrelace fosse preparado por um sentido, uma intenção. Poderia parecer que a pedra tivesse caído com a intenção de matar, como se, à origem, houvesse o fim de matar; poderia parecer que o homem tivesse ido ao mercado para recuperar [a dívida], como se, à origem, houvesse o fim de recuperá-la, mas, em realidade, não é assim: o fim da pedra era cair para baixo – a sua causa por si, por acidente, bateu no homem; o fim do homem era ir ao mercado gastar – a sua causa por si, por acidente, encontrou o devedor.
Baseado nesta teoria do caso, Aristóteles está à altura de refutar a posição de Demócrito segundo a qual o caso seria a causa “deste céu e de todos os mundos”45.
E visto que os resultados do caso e da fortuna são sempre tais que teriam podido ser produzidos pela inteligência humana e pela natureza, embora, com efeito, eles emerjam acidentalmente; e visto que é evidente que nenhuma das coisas que ocorrem acidentalmente é primeira em relação àquelas que se produzem por si, como a causa acidental também não é primeira em relação à causa por si; então o caso e a fortuna sucedem ao intelecto e à natureza. De modo que, se, também, se diz que a causa do céu é, sobretudo, o caso, é necessário, porém, que a inteligência e a natureza sejam causas primárias deste universo e de muitas outras coisas46.
Aristóteles está afirmando, nestas linhas, o primado do intelecto e da natureza sobre o caso e a fortuna, isto é, para traduzir na terminologia althusseriana as palavras de Aristóteles, o primado da forma sobre o encontro. Todavia, no parágrafo 8, Aristóteles vacila, sente que uma objeção radical poderia ser feita a sua construção teórica – objeção estreitamente inerente à definição de caso como teleologia aparente. Aristóteles se interroga se toda teleologia não é, na realidade, aparente, uma aparência de finalidade, em outras palavras, se toda forma não é, na realidade, efeito do caso. Eis a extraordinária passagem aristotélica:
Apresenta-se uma dificuldade: o que impede à natureza de agir não com vistas a um fim, nem porque é melhor, mas à maneira da chuva, que existe não para que o grão cresça, mas por necessidade? Uma vez que aquilo que se levantou no alto deve resfriar-se, e aquilo que se resfriou, uma vez que se tornou água, deve cair; e, disto, resulta o crescimento do grão. O mesmo sucede no caso em que a colheita de alguém apodrece na eira: não é em vista disto – isto é, da perda da colheita – que choveu, mas isto aconteceu acidentalmente. E, pois: o que impede que se suceda do mesmo modo, também, com as partes das coisas que são por natureza? Por exemplo, tomemos em consideração os dentes: por necessidade, uns, os incisivos, são agudos e adaptados ao corte, enquanto, os outros, os molares, são planos e, portanto, adaptados à mastigação dos alimentos? Eles certamente não são gerados com este fim, mas resultam tais por acidente. E é assim, também, com as outras partes, nas quais parece haver uma finalidade. E queremos referir aqueles seres nos quais sucedeu como se tudo fosse produzido com vistas a um fim, enquanto as coisas foram encontradas constituídas de modo oportuno, casualmente;
as coisas que, ao contrário, não foram encontradas organizadas de modo adequado extinguiram-se e extinguem-se, assim como afirma Empédocles com relação aos bois da face humana47.
Tudo teria podido ocorrer por necessidade e não com vistas a um fim. Chove, é um fato. E a chuva pode ter efeitos positivos, fazer crescer o grão nos campos cultivados, ou negativos, fazer apodrecer a colheita na eira. Nos dois casos, não chove por um fim, mas necessariamente. Aristóteles se pergunta se toda forma não poderia ser pensada sobre o modelo da chuva e de seus possíveis efeitos sobre o grão. As formas seriam apenas o resultado de uma combinação bem sucedida da necessidade, uma boa organização que, por isto, se perpetua; as más organizações, ao contrário, perecem e pereceram como os vitelos da face humana. As formas, portanto, não subsistem porque produzidas com o fim de subsistirem, mas porque casualmente são adaptadas à subsistência.
Aristóteles descarta esta hipótese apoiando-se sobre o uso da língua, cujas estruturas, ele pensa, se identificam com a mesma estrutura ontológica da realidade, e, na língua, resume perfeitamente Wieland, “onde quer que falemos de caso, temos sempre já pressuposto positivamente estruturas teleológicas”48.
7. O primado do encontro sobre a forma: reler Darwin
O que eu quero sustentar é que a posição althusseriana é diametralmente oposta àquela aristotélica e que a tese não escrita apertis verbis por Althusser na Corrente subterrânea é, na realidade, o seu centro teórico fundamental: o primado do encontro sobre a forma.
Para iniciar, algum apontamento textual (para o que possam valer apontamentos textuais feitos sobre uma montagem redacional): o termo “forma” aparece, no singular e no plural, 25 vezes no texto (4 ocorrências do termo “formação”); o termo “encontro”, 122 vezes no singular e 4 no plural; o termo “pega”, como substantivo ou como particípio passado, 34 ocorrências. A alta recorrência destes termos, em várias combinações (a forma “pega” pelo encontro, o encontro que “pegou”, etc.) é uma primeira evidência textual da centralidade da tese.
Um segundo argumento parece-me, porém, mais relevante. A tese do primado do encontro sobre a forma recebe, do confronto do texto althusseriano com um autor que é evocado apenas uma vez – Charles Darwin, uma luz totalmente nova. Tomemos em consideração o contexto em que Althusser cita Darwin:
Portanto, se é preciso dizer que não há nenhum resultado sem seu devenir (Hegel), é, também, preciso afirmar que não há nada que veio-a-ser que não seja determinado pelo resultado deste devenir: desta recorrência mesma (Canguilhem). Vale dizer, ao invés de pensar a contingência como modalidade ou exceção da necessidade, é preciso pensar a necessidade como o devenir necessário do encontro de contingentes. É assim que se vê, não apenas o mundo da vida (os biólogos atentaram para isto recentemente, justo eles, que deveriam conhecer Darwin), mas, também, o mundo da história consolidar-se, em certos momentos felizes, na “pega” de elementos conjugados num encontro adequado para desenhar uma tal figura: uma tal espécie, um tal indivíduo, um tal povo49.
É extremamente claro o papel que Althusser faz Darwin desempenhar na página: Darwin é jogado contra Hegel e o que está em jogo é, naturalmente, Marx, ou seja, a possibilidade de distinguir uma teoria aleatória e uma teleológica do modo de produção. Papel fundamental porque fornece a Althusser um modelo de aplicação da tese do primado do encontro sobre a forma no estudo do mundo natural. Nenhuma contingência transcendental do mundo, mas a emergência de toda forma natural do complexo de um número extremamente amplo de elementos.
Diz-se que Aristóteles, no parágrafo 8 da Física, tinha contemplado, para, depois, refutá-la, a possibilidade de uma tal tese. Na página de abertura do Compêndio histórico do progresso das idéias sobre a origem das espécies, Darwin cita justamente a passagem de Aristóteles que lemos, acrescentando:
Nestas palavras, encontramos, velado, o princípio da seleção natural; mas, as observações sobre a conformação dos dentes demonstram o quanto Aristóteles estava longe de uma total compreensão deste princípio50
Ora, que a teoria de Darwin seja oposta àquela de Aristóteles é, de alguma maneira, admitido, também, pelo senso comum (mesmo se a teoria fixista se delineia como tal apenas em contraposição ao evolucionismo), mas que ela seja, também, oposta à filosofia hegeliana, isto é bem menos evidente. A teoria da seleção natural – e Althusser refere-se claramente a ela – foi interpretada, por muito tempo, como uma teoria do progresso, da evolução das formas, neste sentido, totalmente compatível com a sintaxe da lógica hegeliana (como, de resto, demonstra perfeitamente a Dialética da natureza de Engels).
Tentemos, agora, ler A origem das espécies, nesta perspectiva. Um primeiro elemento teórico, de fundamental importância, é a erosão do próprio conceito de forma produzida pela observação da variação das espécies no estado de natureza. Darwin observa como “nenhuma [definição do termo espécie] satisfez todos os naturalistas”51; do mesmo modo, “o termo ‘variedade’ é quase tão difícil de se definir”52; as monstruosidades, por fim, aproximam-se gradativamente das variedades e constituem notáveis desvios não úteis à espécie. Espécie, variedade, monstruosidade são, pois, graus na diferenciação dos indivíduos não separados por coordenadas ontológicas fortes: isto acarreta incerteza e arbitrariedade nas classificações dos naturalistas. Substancialmente, segundo Darwin, se pode construir um tipo de escala progressiva que vai das diferenças individuais (pequenas diferenças que comparecem nos descendentes do mesmo genitores, o primeiro passo em direção à variedade) a variedades mais diferentes e persistentes (isto é, graus rumo a variedades mais caracterizadas e estáveis) até às subespécies e, finalmente, às espécies:
A passagem de um grau de diferença a um outro pode, em muitos casos, considerar-se devida apenas à natureza e às diferentes condições físicas às quais foi, por muito tempo, exposto ; mas, em relação às características mais importantes e de adaptação, a passagem de um estágio de diferença a um outro, pode ser atribuída, com certeza, à ação cumulativa da seleção natural […]. Uma variedade bem distinta pode, portanto, chamar-se uma espécie nascente53.
Um segundo elemento teórico fundamental reside no apontamento da luta pela existência como mecanismo seletivo das formas. Darwin se pergunta “como foram aperfeiçoadas todas as maravilhosas adaptações de uma parte do organismo a uma outra e às condições de vida, e as relações de um organismo vivo a um outro”54 e “de que modo aquelas variedades que chamei de espécies incipientes transformaram-se, no final, em boas espécies, distintas uma da outra; as quais, evidentemente, na maior parte dos casos, diferem entre si muito mais que as variedades”55. A resposta bem conhecida é que as variações úteis são conservadas na luta pela existência: em analogia com a seleção doméstica – à qual é dedicado o primeiro capítulo da Origem das espécies – Darwin chama de seleção natural este complexo tecido de relações. Esta, todavia, não se apresenta nunca como instância seletiva transcendente (portanto, finalista); as variações úteis são, de fato, conservadas por efeito de “relações infinitamente complexas [infinitely complex relations] com os outros organismos e com as condições físicas de vida”56. A expressão “luta pela existência” deve, pois, ser entendida em sentido amplo e metafórico: o conceito que a subjaz é a recíproca dependência de todos os indivíduos, uma luta pela existência entre indivíduos da mesma espécie, de espécies diversas e, enfim, de todos os indivíduos contra as condições de vida. Em outras palavras, a luta pela existência não opera nunca como uma instância simples, mas como uma rede de relações infinitamente complexa entre plantas, animais e condições climáticas de um determinado lugar geográfico (como escreve justamente Canguilhem, o ambiente darwiniano é “bio-geográfico”57). Tomemos um exemplo de Darwin:
Um de meus parentes possui, no Staffordshire, uma propriedade onde tive ocasião de realizar numerosos estudos; ao lado de uma charneca muito estéril, que jamais se cultivou, encontra-se um terreno de muitas centenas de jeiras da mesma natureza, mas que foi tapado há vinte e cinco anos e nele se plantou pinheiro da Escócia. Esta planta tem apresentado, na vegetação da parte fechada da charneca, alterações tão notáveis, que se pensa passar-se de uma região para outra; não apenas o numero proporcional das urzes comuns tem mudado completamente, como doze espécies de plantas (sem contar ervas e espadanas) que não existiam na quinta, prosperam na parte plantada. O efeito originado sobre os insetos tem sido maior ainda, porque se encontram a cada passo, nas plantações, seis espécies de aves insectívoras que nunca se tinham notado na charneca, a qual era apenas frequentada por duas ou três espécies distintas de aves insectívoras. Isto prova a imensa alteração produzida pela introdução de uma única espécie de árvores, pelo simples fato de não se ter feito cultura alguma nesta terra; contentaram-se em cercá-la de maneira que o gado não pudesse entrar. É verdade que o cerrado é também um elemento assaz importante de que pude observar as conseqüências junto ao Farnham, no condado de Surrey. Aí se encontram extensas propriedades plantadas aqui e acolá, no alto das colinas de alguns capões de velhos pinheiros da Escócia; durante estes dez últimos anos, fecharam-se algumas destas quintas, e hoje aparecem por toda parte novos pinheiros e quantidade, nascidos espontaneamente, e tão aproximados uns dos outros, que não podem sobreviver todos. Quando soube que estas árvores novas não tinham sido nem semeadas nem plantadas, fiquei surpreendido de tal maneira, que me dirigi a diversos pontos de onde podia descortinar centenas de hectares de propriedades que não estavam fechadas; pois nada descobri a mais que as velhas árvores. Analisando com mais cuidado o estado da charneca, descobri grande quantidade de pequenas plantas que tinham sido roídas pelos animais. No espaço de um único metro quadrado, a algumas centenas de metros de distância de uma das velhas árvores contei trinta e duas novas; uma delas compunha-se de vinte e seis anéis; tentara, durante anos, levantar a curuta acima das urzes e não o conseguiria. Não admira, pois que o solo se revista de novos pinheiros vigorosos desde que os cerrados foram constituídos. E, contudo, estas charnecas são tão áridas e tão extensas, que jamais alguém imaginaria que os animais aí conseguissem encontrar alimentos.
Vemos que a existência do pinheiro da Escócia depende estritamente da presença ou da ausência dos animais; em algumas partes do mundo, a vida do gado depende de determinados insetos. O Paraguai oferece, talvez, o mais marcante exemplo; neste país, nem os animais silvestres, nem os cavalos, nem os cães retornaram ao estado selvagem, pelo contrário, têm-se reproduzido em grande escala nas regiões situadas ao norte e ao sul. Azara e Rengger demonstraram que se deve atribuir este caso à existência, no Paraguai, de uma conhecida mosca que põe ovos nas ventas desses animais logo após o nascimento. Por mais numerosas que sejam estas moscas, a sua multiplicação deve ser dificultada por qualquer obstáculo, provavelmente pelo desenvolvimento de outros insetos parasitas. Por esta razão, se certas aves insetívoras diminuíssem no Paraguai, os insetos parasitas aumentariam, com certeza em número, o que acarretaria a desaparição das moscas, e então os animais silvestres e os cavalos voltariam ao estado selvagem, o que traria como conseqüência lógica modificar consideravelmente a vegetação, como pude constatar em muitas regiões da América meridional. A vegetação por sua vez, teria uma grande influência sobre os insetos, e a reprodução destes provocaria, como acabamos de constatar o exemplo de Staffordshire, o desenvolvimento das aves insetívoras e assim sucessivamente, em áreas cada vez mais complexas.58
Darwin acrescenta que as relações não são, porém, sempre simples assim, “a luta dentro da luta é um fenômeno recorrente com êxito variável”59. Os seres naturais estão “unidos por uma rede de relações extremamente complexas [a web of complex relations]”60 e o número médio dos indivíduos de uma espécie é produto de “muitas causas que agem em diferentes períodos da vida e nas diversas estações ou no curso dos anos”. A seleção, portanto, não é, de forma alguma, uma escolha consciente da natureza (antes, a natureza não aparece ali como totalidade, mas apenas como rede de relações complexas), nem tampouco produz, ela mesma, as variações. Ela age apenas enquanto trama de relações complexas sobre variações individuais:
Pode-se dizer, metaforicamente, que a seleção natural procura, a cada instante e em todo o mundo, as variações mais sutis; repele as que são nocivas, conserva e acumula as que são úteis; trabalha em silêncio, insensivelmente, por toda parte e sempre, desde que se apresente a ocasião para melhoras os seres organizados relativamente às suas condições de vida orgânicas e inorgânicas61.
Um terceiro elemento teórico fundamental reside na concepção darwiniana da ordem e do tempo. A ordem é apenas a temporária compensação das forças, nesta trama de relações complexas; não lei de natureza transcendente ou imanente sob cuja proteção o indivíduo age, mas trama complexa de compensações da qual o indivíduo é parte e que pode ocorrer menos com o variar de um dos fatores que constituem esta complexa estrutura:
(…) contudo, no decorrer dos séculos, as forças equilibram-se de tal maneira que a face da natureza permanece uniforme durante longos períodos, embora a causa mais insignificante baste para assegurar a vitória a tal ou qual ser organizado. Não obstante, a nossa ignorância é tão profunda e a vaidade tão grande que nos admiramos quando nos chega ao conhecimento a extinção de um ser organizado; como não compreendemos a causa da mesma, sabemos apenas invocar cataclismos, que vieram entristecer o mundo, e inventar leis sobre duração das formas vivas!62
O tempo, pois, não tem nenhuma influência sobre a seleção natural e não se deve crer que todas “as formas de vida [devem] sofrer modificações por alguma lei da natureza”63.
A duração do tempo é importante […] apenas enquanto oferece maiores possibilidades ao surgimento de variações vantajosas e à seleção, acumulação e fixação destas. Contribui, além disso, para aumentar a ação direta das condições de vida em relação à constituição de cada organismo64.
Ordem e tempo não podem, portanto, ser articulados numa sintaxe teórica que faça da teoria da seleção natural, da teoria da relação complexa dos indivíduos naturais, um tipo de grande filosofia da natureza e da história sob o signo da evolução teleológica das formas, um tipo de “hegelianismo dos pobres”65, segundo a feliz expressão de Althusser em É fácil ser marxista em filosofia?
8. Darwin e o materialismo aleatório
Longe de ser uma referência marginal da Corrente subterrânea, a teoria de Darwin parece ser, antes, seu centro invisível. Seu núcleo fundamental não é, de fato, a tese da evolução das formas (contra o fixismo), mas, precisamente, o primado do encontro sobre a forma, isto é, a contingência não tanto do mundo (termo que, em Darwin, não teria sentido), mas de toda forma, já que resultado de um complexo entrelaçamento de encontros, cada um dos quais, necessários – embora se trate de uma necessidade, se me é concedido o oximoro, totalmente aleatória, isto é, privada de um projeto ou de um telos. Neste sentido, os elementos que “pegam” [fanno presa] não estão ali porque a forma exista, mas possuem, cada um, uma história própria, resultado, por sua vez, de um entrelaçamento de encontros que se realizaram, mas que obviamente, também, falharam. Neste sentido, com a condição de que seja repelido o telos e o projeto (e o correlato conceito de natureza como ordem), resultam perfeitamente compatíveis a tese do primado do encontro sobre a forma e da relação sobre os elementos: a complexa trama de relações que constitui a face estável da natureza, em um dado período, não é ordem e garantia de estabilidade, mas entrelaçamento complexo de encontros, o desaparecer ou o acontecer de um dos quais pode redesenhar a trama e assim por diante, como escreve Darwin, “em círculos de complexidade sempre crescente”.
Parece-me que seja precisamente este modelo que permite a Althusser fazer a distinção entre uma concepção teleológica e uma aleatória do modo de produção: o exemplo darwiniano do efeito do cercamento sobre a flora e a fauna de Staffordshire permite estabelecer uma sugestiva ressonância (e nada mais que isto, obviamente) com o efeito dos enclosures, no nascimento do modo de produção capitalista na Inglaterra.
Como é bem sabido, na leitura da Origem das espécies, Marx escreve a Engels: “apesar da ausência da fineza inglesa no desenvolvimento, é neste livro que se encontra o fundamento histórico natural [die naturhistorische Grundlage] da nossa concepção”66. Este juízo de Marx foi canonizado pela célebre frase pronunciada por Engels sobre a sepultura de Marx: “Assim como Darwin descobriu a lei da evolução da natureza orgânica, Marx descobriu a lei da evolução da história humana”. Para compreender esta declaração é, todavia, necessário tentar entender de que modo Marx e Engels leram Darwin. O aleatório que reina na teoria darwiniana, a completa ausência de uma ideia de progresso e de um aperfeiçoamento gradual das formas viventes é, de todo, renegada, tanto por Marx, quanto por Engels. Em uma carta de 1861 a Lassalle, é verdade, Marx afirma que Darwin “desfere um golpe mortal à teleologia na ciência da natureza”, mas, logo depois, acrescenta que “pela primeira vez, o sentido racional [der rationelle Sinn] da teleologia é, ali, exposto empiricamente”67: a Origem das espécies seria nada mais que a confirmação empírica da sintaxe do léxico teleológico hegeliano, assim como a lei da evolução dos modos de produção seria nada mais que a confirmação empírica da filosofia da história hegeliana (ou a célebre inversão, se se prefere). Redescobrir Darwin desembaraçando-se do darwinismo permite, a Althusser, ler Marx de forma totalmente diversa, encontrando, em alguns capítulos do Capital, uma concepção aleatória do modo de produção: naturalmente Darwin, que não serve mais de base, de fundamento biológico de uma concepção histórica, mas, sim, de modelo e de cautela metodológica contra toda concepção linear do desenvolvimento das formas em qualquer nível de complexidade que se ponha – como escreve Althusser, em uma passagem que já lemos, “para que um ser seja (um corpo, um animal, um homem, um Estado ou um Príncipe) é necessário que o encontro tenha ocorrido, no pretérito mais-que-perfeito”.
Que tudo isto não é uma pura conjectura, um belo exercício de composição filosófica sem nenhum apoio histórico, fica demonstrado pela nota (uma das pouquíssimas do texto) que Althusser coloca de lado sobre a única ocorrência do nome Darwin em seu texto:
Cf. o belo colóquio Darwin, recentemente organizado com enorme sucesso, em Chantilly, por Dominique Lecourt e Yvette Conry68.
Nos anais69 deste colóquio, ocorrido em Paris, de 13 a 16 de setembro de 1982, há um belo artigo de Dominique Lecourt – um dos alunos prediletos de Althusser – com o título “Marx au crible de Darwin”, em que é detalhadamente reconstituída a grade conceitual hegeliana através da qual Marx e Engels leram Darwin, mostrando como eles “contrairement à ce que la tradition marxiste, notamment, a voulu faire accroire, sont passé a côté de Darwin” e que “cette méprise a fait le lit d’une conjonction entre marxisme et évolutionnisme”70 .
Na conclusão do artigo, Lecourt escreve que “l’ordre d’exposition du Capital […] laisse apparaitre […] un contre-mouvement de la pensée de Marx, […] dans le chapitre sur ‘l’acumulation primitive’, comme dans la section sur ‘la journée de travail’”71. E, no centro deste contra-movimento, há a categoria de “encontro”(e não de “vazio ou de nada”): mas, Marx, ao invés de desenvolver este tema, que teria podido reconhecer ilustres predecessores em Maquiavel e Epicuro, refugiou-se na concepção hegeliana do devenir.
Mas, o que tem a ver Darwin com este contra-movimento? A Darwin é dedicada a conclusão de Lécourt. O que teria sucedido se Marx tivesse lido Darwin de outra forma e não como uma teoria do progresso necessário, ou seja, se o encontro não tivesse ocorrido sob o signo de um mal-entendido?
Il y aurait donc trouvé, non l’occasion d’une quelconque transposition de la contingence darwinienne dans une théorie de l’histoire, puisque ladite théorie aurait par elle-même dénoncé par avance les motifs d’une telle transposition, mais je le répète, l’occasion de changer de position philosophique, et d’ouvrir contre la tendance conservatrice de son hégélianisme renversé des perspectives à sa pensé dans le sens du contremouvement dont elle était sourdement animée. Il aurait peutêtre tiré l’idée que l’histoire n’est ni “plus aisée ni moins aisée” à connaître que la nature; que la couple métaphysique histoire/nature doit être lui-même remis en question; et que penser l’histoire hors de ce couple, c’est s’exposer à reconnaître qu’elle ne détient nulle part cachée la garantie de son sens, ou de son “progrès”72.
* Tradução do italiano de Zaira Rodrigues Vieira, mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais.
** Vittorio Morfino é pesquisador da Università degli Studi di Milano-Bicocca
Notas:
1 Cf., para os critérios adotados na edição do texto, a nota de redação de François Matheron in L. Althusser. Ecrits philosophiques et politiques. Tomo I. Paris, Stock/Imrv, 1994, pp. 533-538.
2 L. Althusser. Réponse à John Lewis. Paris, Maspero, 1973, p.30.
3 Idem. Ibidem.
4 Idem. Ibidem.
5 S. Breton. “Althusser aujourd’hui”. In Archives de Philosophie, 56, 1993, p.418.
6 B. Spinoza. Ethica. In Opera, Vol. II, org. C. Gebhardt. Heidelberg, Winter, 1925, p. 47.
7 Idem. Ibidem, pr. 10, schol., pp. 93-94.
8 Idem. Ibidem, pr. 10, cor., p. 93.
9 T. W. Adorno. Einleitung. In H. Mauss. Der Positivismusstreit in der deutschen soziologie. Neuwiend – Berlin, Herman Luchterhand Verlag, 1969.
10 L. Althusser. “L’objet du Capital” in Lire le capital. Paris, PUF, 1996, pp. 402-403.
11 Idem. Ibidem, p 403.
12 L. Althusser. “Soutenance d’Amiens” in Solitude de Machiavel. Paris, PUF, 1998, p. 213.
13 L. Althusser. “Eléments d’autocritique”, in Solitude de Machiavel. Paris, PUF, 1998, p. 188.
14 L. Althusser. “L’objet du Capital”. In Lire le Capital. Op. cit., pp. 272-309.
a) N.T. Mantivemos a tradução do termo “presa” por “pega”, em uniformidade com os tradutores, para o português, do texto de Althusser ao qual o autor se refere. Cf. L. Althusser. “A corrente subterrânea do materialismo do encontro (1982)”. In Crítica Marxista, 20. São Paulo, Revan, 2005, p. 38.
15 L. Althusser. “Le courant souterrain du matérialisme de la rencontre”. In Ecrits philosophiques et politiques. Tomo I. Op. cit., p. 540.
16 Idem. Ibidem, p. 562.
17 Idem. Ibidem.
18 Idem. Ibidem.
19 Idem. Ibidem.
20 Idem. Ibidem, p. 563.
21 Idem. Ibidem, p. 564.
22 Idem. Ibidem. Matheron assinala que “cette phrase est un rajout manuscrit” (Ecrits. Tomo I, op. cit., p. 579).
23 Idem. Ibidem, pp- 565-566.
24 Idem. Ibidem, p. 564.
25 Idem. Ibidem, p. 544.
26 Idem. Ibidem, p. 545.
27 Idem. Ibidem, p. 549.
28 Idem. Ibidem, p. 551.
29 Idem. Ibidem, p. 547.
30 Idem. Ibidem, p. 553.
31 Idem. Ibidem, p. 557.
32 Idem. Ibidem, p. 559.
33 L. Althusser, “Soutenance d’Amiens”. Op. cit., p. 201.
34 Está dito apertis verbis, nas páginas 15-16, do texto datilografado: o propósito deste texto é “appeler les fantômes philosophiques de Marx par leur nom, idéalisme, et […] appeler l’authentique tradition matérialiste à laquelle il se rattache par son nom. […] C’est pourquoi je voudrais reprendre ici la tâche là où l’avaient laissée mes premiers essais maladroits et mes rectifications ultérieurs. Voir plus clair et si possible enfin clair dans la théorie de Marx, dans sa pensée théorique” (Arquivo Imec).
35 L. Althusser, “Le courant souterrain du matérialisme de la rencontre”. Op. cit., p. 573.
36 Idem. Ibidem, p. 576.
37 Idem. Ibidem, p. 539.
38 Idem. Ibidem, p. 540.
39 Idem. Ibidem.
40 Idem. Ibidem, p. 546.
41 Idem. Ibidem, p. 549.
42 Idem. Ibidem, p. 557.
43 Idem. Ibidem, p. 569.
44 Remeto, aqui, ao comentário de F. F. Repellini in Aristóteles, Física. Livros I e II. Milão, Bruno Monadadori, 1995, p. 95.
45 Aristóteles, Phys., 196a 25.
46 Idem. Ibidem, 198a 5-13.
47 Idem. Ibidem, 198b 17-33.
48 W. Wieland. Die aristotelische Physik. Untersuchungen über die Grundlegung der Naturwissenschaft und die sprachlichen Bedingungen der Prinzipienforschung bei Aristoteles. Gottingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1962. Trad. it. org. C. Gentili. Bologna, Il Mulino 1993, p. 328.
49 L. Althusser, “ Le courant souterrain du matérialisme de la rencontre”. Op. cit, pp. 566-567.
50 C. Darwin, The origin of species by means of natural selection. In The works of Charles Darwin, vol. 16. London, William Pickering, 1988, p. xiii.
51 Idem. Ibidem p. 34.
52 Idem. Ibidem.
53 Idem. Ibidem, p 43.
54 Idem. Ibidem, p. 50.
55 Idem. Ibidem, pp. 50-51.
56 Idem. Ibidem, p. 51.
57 G. Canguilhem. “L’essere vivente e il suo ambiente”. In Id., La conoscenza della vita. Trad. it. de F. Bassani. Bologna, Il Mulino, 1976, p. 197.
58 C. Darwin, op. cit., pp. 58-59. Trad. port.de E. Fonseca. São Paulo, Hemos, s/d, pp. 75-76.
59 Idem. Ibidem, p. 59.
60 Idem. Ibidem, p. 59.
61 Idem. Ibidem, p. 68. Trad. port. de E. Fonseca. São Paulo, Hemos, sd, p. 87.
62 Idem. Ibidem, p. 59. Trad. port.de E. Fonseca. São Paulo, Hemos, s/d, p. 77.
63 Idem. Ibidem, p. 86.
64 Idem. Ibidem, p. 86.
65 L Althusser. “Soutenance d’Amiens”. Op. cit., pp. 216-217.
66 Marx a Engels, 19 Dez. 1860, in Marx Engels Werke, Bd. 30. Berlim, Dietz Verlag, 1982, p. 131.
67 Marx a Lassalle, Jan. 1861. Idem, ibidem, p. 578.
68 L. Althusser, “Le courrant souterrain du matérialisme de la rencontre”. Op. cit., p. 566.
69 Yvette Conry (org.), De Darwin au darwinisme. Paris, Vrin, 1983.
70 D. Lecourt, “Marx au crible de Darwin”. In De Darwin au darwinisme. Op. cit., p. 241.