Por Rodrigo Gonsalves
Essa foi uma da fala proferida e desenvolvida por Rodrigo Gonsalves no evento ‘Design e Comunismo’ criado pelo Circulo de Estudos da Ideia e da Ideologia (CEII), que aconteceu no último final de semana no Rio de Janeiro. O coletivo acabou de concluir esta que foi a sexta edição de eventos destinado à pensar, discutir e problematizar a hipótese comunista diante de outras áreas e campos do pensamento sem se esquecer da realidade (social) atual. O evento que já circulou dentro de universidades, está agora se consagrando fora delas. Assim como em suas edições prévias, esse evento contou com ricas discussões e importantes provocações para problematizar este curioso par do design e comunismo. Esta fala originalmente recebeu o título de ‘Design(ação) ou porque odiamos os patinetes…’ e aqui foi re-nomeado para “Design e Comunismo” ou carinhosamente “Design e Comunismo: não aos patinetes!”.
Provocado e inspirado pelas tantas conversas que tivemos com os companheiros, conseguimos dizer que esse ensaio é um resultado destes tantos anos de conversas. Sendo assim, contam com algumas antigas provocações e ideias, e também, desenvolvimentos que nos acompanham já há algum tempo e que só agora, encontraram a chance de serem apresentados. Desta maneira, gostaríamos de ressaltar o tom de conversa aberta, de ensaio e agradecer aos camaradas por mais este bom encontro. Bem, a primeira vez em que paramos para pensar sobre o tema, sobre ‘design’ e ‘comunismo’, entre essa união curiosa, pensamos em objetos que mesmo diante da realidade capitalista e com todo esse apreço exacerbado pela propriedade privada, parecem sustentar algo de (in)comum, como se houvesse alguma coisa em alguns objetos que fizesse questão de furar essa montagem da realidade ditada pelo capitalismo. E, em partes inspirados pelo comunismo que Mladen Dolar [1]encontra no fumar, na prática de acender um cigarro que parece convidar algo de comum aos seus adeptos, que une esse grupo heterogêneo, que forma laços inesperados e momentaneamente autênticos, que atravessam diferenças sociais dadas e que por fim, produzem situações no mínimo inusitadas… Nos vimos então, compelidos à encontrar outras situações ou quem sabe, objetos poderiam gerar efeitos semelhantes a este insight. Pensamos, se o fumar pode conquistar essa comunidade, essa postura entre pares inesperados, quem sabe, pelo lado do objeto, poderíamos encontrar alguns outros curiosos objetos que provocam seus limites em nossas vidas. Bem, por associação quase que imediata, pensamos nos isqueiros, que ainda bem próximo ao nosso ponto de partida inicial com Dolar, participam em parte da mesma situação. Porém, são os isqueiros que materializam uma espécie de circulação distinta da habitual, há certa perda material, algo do isqueiro se vai a cada vez em que se acende, que se faz indiferente diante do gesto. Se o pedido formal é o “me empresta” o isqueiro… algo sempre é presenteado e não propriamente emprestado. Não se espera o retorno monetário do uso do isqueiro, não se espera um gesto de troca por seu uso – é um gesto que caminha na direção da situação do fumar. Por vezes, isqueiros materializam um inesperado encontro, o pedido à um outro, um pedido de amigos, dizem de uma troca, mas são objetos que adquirimos e que, em parte, nos desafiam à dizermos tranquilamente que os temos. Nos distanciando mais desse primeiro objeto, em seguida, nos pegamos conversando sobre as canetas bic que insistem em não possuírem um dono, que são emprestadas tipicamente sem seu retorno, as tais canetas que acabam circulam por aí e que alguma vez foram nossas, ou que, como os isqueiros nunca de fato o foram, que serviram para marcar nossos nomes, nossa escrita, nossa letra em alguma superfície, algum contrato, alguma carta, algum bilhete de amor e que se foram, que circularam de mão em mão, participando da materialização de outros traços por outras mãos…
O interessante nesses objetos é que eles não são como as balas que entregamos, não são como os pedidos que atendemos, eles vem com a uma promessa de retorno que, por vezes, é facilmente traida. Mais crucial é que, minimamente, são objetos que mesmo de dentro do recrudescimento da realidade capitalista, dentro dessa máquina de moer carne, produtora de zumbis da nossa realidade, tais objetos acenam para uma troca mínima, que gera um curto circuito na efetivação do seu uso desapegado (Fisher, 2014)[2]. Esse participantes materiais de uma breve vida comum, pouquíssimas vezes são atravessados de maneira patente pelo pensamento e mentalidade dos bens, tão típicos da propriedade privada, não vem com a sensação típica da posse. E, um pouco mais do que isso, são esses pequenos objetos que nos remetem a um certo aceno mínimo do trair essa ideia, quase que um aceno de um compartilhamento impossível, de algo que na atual atomização social e depredação do espaço público, não parece mais poder existir. Bem, canetas bic, isqueiros, dizem dessa mínima perda, que sugere uma circulação que encontra sua contrapartida por outra via, seja uma via do afeto, uma via ética, ou quem sabe, em forma de uma pergunta. Hoje em dia, quando se é comum falar das máquinas que se relacionam com máquinas, quando se é habitual discutir as relações ciborgues e cibernéticas, é um desafio pensar quais objetos hoje, integrantes da nossa vida cotidiana, que parecem atravessar o espaço simbólico pela via desse compartilhamento, desta troca inusitada que une as pessoas. Sem cair no perigo de dizer que o novo é mal e o velho é bom, ou então, sem tropeçar num saudosismo do que nunca foi, é inevitável notarmos que a nossa interação hoje é mediada pela tecnologia, é mediada por um certo pensamento prévio que organizam até os encontros amorosos, passa por um certo design. Como chegamos aqui? Pensando nessa vergonhosa aposta dos patinetes ‘compartilhados’ que ocupam os espaços das vias por tudo quanto é canto hoje. Os argumentos do apelo ao saudável ou de que se trata de uma alternativa para seguir ao seu trabalho, vencendo o trânsito, diz de uma realidade dita pequeno-burguesa, forte demais, tendenciosa demais, que mergulha mais profundamente sobre as suas contradições. Seguindo a linha de algo que Zizek já havia adiantado acerca das bicicletas, afirmamos que olhar para isso, por um lado é poder afirmar que andar de patinete não salvará o mundo, nem resolverá a mobilidade pública, menos ainda, construirá uma revolução… Entretanto, esse estorvo, dizendo de qualquer pessoa que já teve de desviar desses troços jogados pelas calçadas, são esforços da cooptação do público pelas empresas, pela agenda neoliberal, que aposta na apatia das pessoas pelo público, com a mesma força, como aposta no desejo pela estética dos corpos “sarados”. Aqui, então, fizemos um elogio ao cigarro e criticamos os patinetes como solução para algo, provavelmente, arriscamos dizer que este não seria um ensaio muito popular entre youtubers e influenciadores digitais nos dias de hoje…
O que estamos afirmando aqui é que, um mínimo contato com qualquer trabalhador cansado do seu dia a dia, depois de sua jornada de trabalho, lhe ofertar pedalar ou se equilibrar para casa ao invés de uma solução outra, chega a ser deplorável praticamente um insulto. Essa forma de pensar o trabalho privilegiando apenas uma forma de trabalho a saber, o trabalho intelectual, que esquece das outras tantas formas de trabalho manual, de práticas manufatureiras, de movimentos repetitivos ou que se esquece da idade das pessoas, que se esquece de que os trabalhadores também envelhecem…. Logo, não é absurdo afirmar que patinetes são para alguns. São para uma parcela “cool” da classe média, essa parcela mais ou menos consciente da causa da natureza e que por vezes, se vale dessa tranquilização no seu fazer imediato pela via do consumo, nem que o que se consuma no caso, sejam suas próprias pernas depois de um dia de trabalho ou antes dele. São muitos os indícios que apontam para essa tendência do patinete como uma maneira fortemente liberal de usurpar do público à locomoção pelas próprias pernas, que tentar roubar da discussão o descaso das práticas de governo acerca da mobilidade pública, mas que em sua efetivação, quando vemos patinetes espalhados cada vez mais ao caminharmos pelas ruas, vemos a transformação das vias públicas em quartos de crianças mimadas que espalham seus brinquedos por aí, sem nunca os recolher. Se Freud por vezes apontou que há algo da infância que não vai embora, quem sabe seja algo disso essa prática escancara…
Bem, talvez esse tenha sido um breve desvio do foco central da discussão, mas não sem sua razão, há algo nesses objetos jogados nas ruas que de maneira farsesca, parece convidar as pessoas para um compartilhamento, entretanto, tal mediação é de uma classe totalmente outra das canetas bic ou dos isqueiros. Esses patinetes que poluem visualmente e atrapalham materialmente as já pequenas calçadas, nunca são de fato seu para que você os ceda para alguém. A mentalidade típica neoliberal do consumo de um serviço encontra nos patinetes da SCOO, Grin e Yellow, a realização da uberização do objeto e fundamentalmente, em nome do que? Bem, para o que cabe em nosso breve ensaio, tais brinquedos apontam para algumas das contradições imanentes da vida capitalista atual. Outro exemplo, que sempre nos chamou atenção, são as tais bebidas geladas do Starbucks. O consumo de um milkshake para adultos tem um apelo imenso às pessoas, lembrando que a montagem do Starbucks tem como foco uma estratégia de dominação aberta – seu lugar familiar em qualquer lugar do mundo. Bem, familiar para quem? Talvez para o capitalismo globalizado que habitualmente faz se encontrar mesmo um starbucks em cada esquina, que talvez ocupe hoje o que ontem era o lugar do McDonalds como esse sinal da ‘novidade’ que espalha seus tentáculos realidade. E, o seu café com consciência social, que tentar livrar dos seus consumidores a culpa apenas segue estruturando sua contradição. Outro elemento quem sabe, está no ‘kawaii’ do desenho da Aggretsuko, que embora teça uma mini-crítica ao universo do trabalho e conforme seu criador em documentário recente ‘Enter the Anime’ (2019) da Netflix diz se chocar com quão atrasadas as pessoas ainda são por se impactarem com sua criação. O anime Aggretsuko gira em torno da personagem Retsuko que canaliza sua agressividade encapsulada e reprimida ao longo da intemperes do dia a dia, no karaokê para cantar Heavy Metal. O apelo ao infantil capturado pela fofura que encarna a contradição e abranda o conteúdo mostrado por seu personagem central. Ela é explorada, ela é abusada, ela é humilhada, mas ela é tão fofinha… Quem sabe, tenha um efeito correlato ao atribuído por Zizek às piadas, fazer piada de coisa séria, normaliza aquilo que nos deveria aterrorizar. E aí, temos uma das chaves do embrutecimento atual.
Bem, mas e aí, o que o Design ou o Comunismo tem a ver com tudo isso? A princípio – tudo. Pensar o design não é necessariamente uma tarefa simples, além de evocar uma série de desafios teóricos, parece também exigir um certo algo a mais destes que se atrevem a escrever, falar ou tecer considerações acerca do tema. Há quase como um pedido tácito de que algo resultante disso seja ‘criativo’, seja ‘inovador’, seja ‘uma mudança’ e etc… Essa intuição, esse empuxo inicial, ao invés de ser suprimido ou colocado em suspensão, poderia se tornar um vestígio para ser interrogado: Por que o design parece precisar ser criativo? Por que a ideia do design parece precisar ser algum destes traços levantados antes? Bem, tipicamente, o design diz da aplicabilidade artística à uma determinada função, melhor dizendo, diz do percurso do pensar a arte aplicada transformando o fazer da realidade (Groys, 2008) [3]. O par dessa conversa é o tal do ‘espantalho’, que carinhosamente, também é chamada de ‘fantasma’ do comunismo. Essa conhecida hipótese de Badiou ou então, essa tal Ideia mentirosa, como já fora chamada por Zizek [4], mentira esta que nos permite ver verdades, a saber: “a verdade do sistema existente do capitalismo e seus antagonismos” (p.300).
Tanto o design quanto o comunismo encontram certo ponto de contato, um exemplo que trazemos aqui vem do Zizek ao discutir por exemplo a arquitetura da União Soviética sob o Stalinismo:
“os grandes projetos de construção pública na União Soviética da década de 1930 colocavam frequentemente no topo de um prédio de escritórios de vários andares uma gigantesca estátua do Novo Homem idealizado ou de um casal; no espaço de poucos anos, a tendência de achatar cada vez mais o edifício de escritórios (o local de trabalho real das pessoas vivas) tornou-se claramente perceptível, de modo que se transformou cada vez mais num mero pedestal para as estátuas maiores que a vida. Será que essa característica externa e material do projeto arquitetônico não torna visível a “verdade” da ideologia stalinista na qual pessoas reais e vivas são reduzidas a instrumentos, sacrificadas como o pedestal do espectro do futuro Homem Novo, um monstro ideológico que se esmaga sob seus pés homens vivas reais? O paradoxo é que se alguém na União Soviética dos anos 30 dissesse abertamente que a visão do Novo Homem Socialista era um monstro ideológico esmagando pessoas de verdade, elas teriam sido imediatamente presas – no entanto, isso foi permitido, até mesmo encorajado fazer tal ponto através do projeto arquitetônico… Mais uma vez, “a verdade está lá fora”. Não é simplesmente que a ideologia também permeie as pressupostas camadas extra-ideológicas da vida cotidiana: essa materialização da ideologia na materialidade externa torna visíveis os antagonismos inerentes que a formulação explícita da ideologia não pode reconhecer – é como se fosse um edifício ideológico, se é para se funcionar “normalmente”, precisa obedecer a um tipo de “impiedade da perversidade” e articular seu antagonismo inerente à externalidade de sua existência material.” (2016, p.314-5)
O ponto defendido por Zizek aqui, diz de como, por uma lado a verdade participa de um paradoxo semelhante ao da jouissance: de ser simultaneamente impossível se chegar nela e também, impossível se livrar dela. Mas que por outro lado, defendendo seu mestre Lacan em Televisão, a verdade por razões estruturais não pode ser toda dita, apenas meio-dita (mi-dire). Ou poderíamos lembrar de outra lição de Lacan crucial da verdade como estrutura de ficção e então, muitos dos seus efeitos. Mas, seria isso um motivo para cairmos no relativismo pós-moderno? De modo algum! Explicará o esloveno que, não se trata de fragmentar e dispersar a verdade: a verdade é ao mesmo tempo algo que não conseguimos nos livrar, uma vez que independente do que queiramos obliterá-la, ela nos alcança e inadvertidamente articulamos através dela nossa própria tentativa de evadí-la ou despistá-la. Retornamos aqui à tal Ideia mentirosa que, como defenderia Zizek, nos permite ver a verdade do sistema existente do capitalismo e seus antagonismos. O que nos dá indícios da importância contrafactual da ideia mentirosa do comunismo, ou então, da importância de concebermos efeitos para àquela ideia que escancara as contradições do que é dado, que mesmo que ainda invisíveis ao olho nu, possuem seu lugar na realidade. Melhor dizendo, considerar que ‘a verdade está lá fora’, isso pode nos dizer bastante sobre o design, podemos meio-dizer algumas coisas sobre as coisas e sobre nós mesmos, principalmente, pelo escancaramento dos antagonismos que ele promove. Se por um lado a inquietação provocada pelo design nos convida aos questionamentos ontológicos mais profundos, especialmente àqueles que poderiam nos provocar a discutir certa a ontologia des-orientada ao objeto, como quis Zupančič diante da nossa realidade – por outro lado, seja crucial essa discussão, não a faremos por aqui. Mas sim, há algo dos paradoxos entre o sujeito e o objeto, que claramente estão postos aqui. Desde o reencantamento da realidade que é defendido por uns até as boas e velhas discussões acerca do fetichismo da mercadoria. Mas por ora, nos satisfaremos com o que já estávamos debatendo. Ou então, o que ‘a verdade está lá fora’ dos patinetes espalhados pelas vias públicas nos diz? Aponta para a dominação contínua dos espaços públicos pela porosidade capitalista, sob formato de pressuposta diversão. E por um outro lado, o que seria ‘a verdade está lá fora’ dos isqueiros e canetas bic? Bem, quem sabe, estes apontam para um caminho oposto que disputam a designação atual do ‘compartilhar’.
Sendo assim, há uma espécie de procedimento interessante, fundamentalmente artístico, que encontra no design uma certa capacidade única, de operar na forma em busca de um escancaramento das contradições ou infelizmente, de fortalecê-las. A aposta está justamente no para qual dos lados tende ou regimenta o esforço dessa transformação: há consequência nas escolhas deste fazer – nem que seja oriundo do exame das fantasias que estão apegadas em sua produção. E aqui, claramente temos uma divisão de possibilidades dadas ao design que pode sim, irromper e promover novas cadeias associativas, mesmo que retroagindo sobre objetos antigos ou re-significando objetos dados, mais para o lado das canetas bic e dos isqueiros, mas design que também, pode se disfarçar de ‘novidade’ para apenas manter tudo como está ou quem sabe, projetar uma fantasia que aprofundar uma determinada dominação, como é o caso dos patinetes. O caráter paradoxal da circulação está aqui posto, pois curiosamente, do lado das coisas que circulam, temos por exemplo o dinheiro, vemos os isqueiros e as canetas que fogem por aí, enquanto ao lado das pessoas que circulam, estão os tais dos patinetes. Há uma certa falsidade elementar que nos convidam a pensar a aparência do oposto que fazem parte hoje da realidade. E, evocar a materialidade do dinheiro em seu caráter circulatório é mergulhar em seu fetiche ou hoje, diante da financeirização, seria o seu contrário? Tempos curiosos esses em que vivemos… de maneira quase alucinante, haveria hoje na forma circulatória material do dinheiro em espécie, no lembrar de sua materialidade, uma inspiração de resgate do encantamento que talvez ainda nos possa ensinar algo sobre a propriedade privada, mas que não conseguimos aprender? Parece ser o caso. Ou então, haveria no pensar das circulações de alguma materialidade do objeto entre nós alguma coisa que ainda possamos aprender? Como aumentar a circulação de certas coisas entre todos nós? Como dizer tudo isso um pouco melhor, há sim no campo da interpretação do fetichismo pela via da reificação uma discussão a ser feita, mas que nesse primeiro nível sempre resgata ao apelo da razão e que não dá o segundo passo em direção ao outro nível daquilo que o próprio Marx adiantava diante do fetiche. Há algo dessa magia posta numa situação como essa e seus adeptos estão encantados. A pergunta que surge é: como então lidarmos com essa magia sem nos perdermos no próprio encantamento? Como não nos perdermos no encanto de que tem nessa contradição dos objetos que circulam e que nos contam de uma “outra verdade que está lá fora” – claramente, há outro objeto que deveria estar circulando por mais mãos e que deveria ser, subsumido e transformado em algo propriamente novo – que o imploda e não o reinvente – como são as novas cryptocurrencies. Nosso caminhar para além do consumo, nosso caminhar para além do trabalho, nosso caminhar para além da propriedade privada, não está aí. E, não cair na ladainha moralizante-afetiva neoliberal, já pode ser um passo considerável diante de tanta falsa magia, baixo encantamento…
E finalizando, se para Marx, ao menos no que diz respeito à liberdade, “pensamos que o comunismo não abolirá a liberdade mas sim, abolirá à servidão capitalista, trazendo a liberdade real, a liberdade que não será mais é a forma da aparência de seu oposto. Conseguimos dizer, portanto, que não é a própria liberdade que é a forma de aparência de seu oposto, mas apenas a liberdade falsa, a liberdade distorcida pelas relações de dominação” (Zizek, 2016 b, p.70) [5]. Então, conseguimos pensar na ideia do comunismo enquanto uma fantasia inerente ao capitalismo, sua transgressão inerente mais radical em sua forma mais pura. Entretanto, devemos cair no bom e velho aguardar cínico, também não. Encontramos aqui motivos para abandonar essa ideia? Como prescreverá Zizek, muito pelo contrário, o tratamento dado à Ideia do comunismo é tomá-la no sentido hegeliano estrito ou então, “uma noção que se transforma no curso de sua atualização”. O design aqui consegue justamente operar escancarando das contradições da nossa realidade e apontando para o caráter transformador possível nessa atualização (Zizek, 2016, p.314).
NOTAS:
[1] Dolar, Mladen. Comunismo da fumaça, publicado pelo próprio blog: https://18.118.106.12/2017/08/21/o-comunismo-da-fumaca/
[2] Fisher, Mark. Capitalism Realism. Zero Books. London: 2014. Em processo de tradução para o Português, mas sem previsão de publicação.
[3] Groys, Boris. The Obligation to Self-Design in Journal #00 – November 2008
https://www.e-flux.com/journal/00/68457/the-obligation-to-self-design/
[4] Zizek, Slavoj. Disparities. 2016.
[5] Zizek, Slavoj. Troubles with the Neighbours. 2016 b
* Rodrigo Gonsalves é psicanalista e professor, doutorando pela European Graduate School em Filosofia e mestrando em Psicologia Clínica pela USP, membro do Latesfip e do coletivo CEII-SP.
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