Por Yanis Varoufakis, via Project Syndicat, traduzido por Daniel Fabre
O ex-ministro da fazenda grego, Yanis Varoufakis, analisa o polêmico referendo do Reino Unido que decidiu pelo afastamento do país da União Européia. Varoufakis, assim como o movimento DiEM25 (movimento pela democracia radical na Europa) do qual faz parte, defendem que a esquerda deve enfrentar a questão da União Europeia de “dentro e contra”, antagonizando, nesse sentido com a esquerda que fez campanha pelo “brexit”.
O referendo do Reino Unido sobre sua saída da União Europeia criou algumas companhias estranhas – e alguns ainda mais estranhos adversários. Ao passo que os Tories (membros do Partido Conservador britânico) se voltaram sem clemência sobre si mesmos, a cisma no establishment conservador recebeu muita atenção. Mas uma divisão paralela (felizmente mais civilizada) afetou também o meu lado: a esquerda.
Tendo feito campanha contra a “saída” por muitos meses na Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia, era inevitável que eu enfrentasse críticas de apoiadores de esquerda do “brexit”, ou “lexit” como ficou conhecido.
Apoiadores do lexit rejeitam o chamado do movimento DiEM25 (o movimento pela democracia radical na Europa, lançado em Berlim em fevereiro) para um movimento pan-europeu para mudar a UE de dentro. Eles creem que reviver políticas progressivas requer a existência de uma UE neoliberal e incorrigível. A esquerda precisa do resultado desse debate.
Muitos da esquerda corretamente desdenham da desistência fácil dos outros sobre sua premissa de que a globalização tornou o estado-nação irrelevante. Se os estados-nação se tornaram mais fracos, o poder nunca deveria ser confundido com soberania.
Como a pequena Islândia demonstrou, é possível para um povo soberano resguardar suas liberdades básicas e valores independentemente de seu poder de estado. E, crucialmente, a Islândia, diferentemente da Grécia e do Reino Unido, nunca entrou na União Européia.
Nos idos anos 90, fiz campanha contra a entrada da Grécia na eurozona, justamente como o líder do Partido Trabalhista britânico Jeremy Corbyn fez nos anos 70 campanha contra a entrada na União Européia. De fato, quando perguntado por meus amigos na Noruega ou na Suíça sobre se eles deveriam apoiar a entrada de seus países na União Européia, minha resposta foi negativa.
Mas uma coisa é se opor a entrada na União Européia, e outra é apoiar sua existência uma vez que se está dentro. A saída não levaria necessariamente à onde se estaria, economicamente e politicamente, se não tivesse entrado. Assim, se opor tanto a entrada como a saída é uma posição coerente.
Se faz sentido para a esquerda advogar em favor da saída, isso se liga a se um estado-nação liberado das instituições da União Européia pode oferecer um solo fértil para cultivar uma agenda progressiva de redistribuição, direitos trabalhistas e anti-racismo. Também dependerá do provável impacto de uma campanha de saída na solidariedade transnacional. Como viajo pela Europa, advogando por um movimento pan-europeu para confrontar o autoritarismo da União Européia, sinto o surgimento de um grande internacionalismo em lugares tão diferentes um dos outros quanto Alemanha, Irlanda e Portugal.
Distintos apoiadores do lexit, como Richard Tuck de Harvard, estão preparados para arriscar essa onda. Eles apontam para momentos importantes quando a esquerda tomou a vantagem da falta de uma constituição escrita da Grã Bretanha para expropriar serviços médicos privados e criar seu Serviço Nacional de Saúde e outras instituições similares. “Um voto para ficar na União Européia”, escreve Tuck, “irá… terminar em uma falta completa de esperança de uma política de esquerda no Reino Unido.”
De forma similar, sobre imigração, Tuck alega que, apesar da insuportável xenofobia que dominou a campanha pela saída, a única forma de superar o racismo é deixar o povo da Grã-Bretanha “sentir-se” soberano novamente, devolvendo o controle de suas fronteiras a Londres.
A analise histórica de Tuck está certa. A União Europeia é hostil a projetos tais como o NHS e industrias nacionalizadas (embora tenha sido o estado-nação britânico que, sob o governo da primeira-ministra Margareth Thatcher, que deu à União Europeia seu caráter neoliberal). E talvez a perda de controle sobre a imigração gerou ainda mais xenofobia.
Mas, uma vez preso a esta União Europeia, uma campanha política para sair não é provável que impulsione a política nacional na direção de objetivos da esquerda. O mais provável, é que resulte em uma nova administração Tory que aperte ainda mais a tecla da austeridade e que crie novos cercamentos que mantenham os estrangeiros afastados.
Muitas pessoas de esquerda acham difícil entender o porquê eu fiz campanha pela “permanência” depois que os líderes da União Europeia me vilipendiaram pessoalmente e aplacaram a “primavera de Atenas” grega em 2015. É claro, nenhuma agenda verdadeiramente progressista pode ser feita através das instituições da União Europeia. O movimento DiEM25 foi fundado na convicção de que apenas contra as instituições da União, mas de dentro dela, que uma política progressista tem chance na Europa. A esquerda apenas entendeu que a boa sociedade pode ser atingida entrando nas instituições prevalecentes para superar sua função regressiva. “Dentro e contra” costumou ser nosso leitmotiv. Deveríamos retomá-lo.
Outra crítico do DiEM25, Thomas Fazi, acredita que, “dado o cenário atual do Parlamento Europeu”, a Grécia ainda teria sido destroçada, mesmo se houvesse um parlamento mais democrático. Mas o ponto de vista do DiEM25 não é simplesmente de que a União Europeia sofre de um déficit democrático; mas sim de que o Parlamento Europeu não é propriamente um parlamento. Ao criar um parlamento adequado, capaz de enfrentar o executivo, se destruiria o “cenário atual” do Parlamento Europeu e traria uma política democrática que preveniria que credores oficiais pudessem arrasar países como fizeram com a Grécia.
O amigo economista de Fazi, Heiner Flassbeck, argumenta da mesma forma que o estado-nação, não um conto de fadas pan-europeu, como o DiEM25 sugere, é que é o lugar certo para forçar uma mudança. De fato, o DiEM25 se foca em ambos os níveis e além. A esquerda, alguma vez, entendeu a importância de operar simultaneamente no nível municipal, regional, nacional e internacional. Porque nós, subitamente, sentimos a necessidade de priorizar o nacional sobre o europeu?
Talvez a crítica mais severa de Flassbeck ao pan-europeísmo do DiEM25 é a acusação de que temos a desprezível NHA da esquerda: “Não Há Alternativa” para se operar no nível da União Europeia. Enquanto o DiEM25 advoga por uma união democrática, certamente rejeitamos tanto a inevitabilidade como o desejo por uma “união ainda mais fechada”. Hoje, o establishment europeu está trabalhando para construir uma união política que consideramos uma austera gaiola de ferro. Nós declaramos guerra a esta concepção de Europa.
Ano passado, quando os credores oficiais da Grécia nos ameaçaram com a expulsão da eurozona, mesmo da União Europeia, eu estava sem medo. O DiEM25 está imbuído com esse espirito de desafio: não seremos forçados pelo prospecto de desintegração da União Europeia a concordar com uma União escolhida pelo establishment. Na verdade, acreditamos que é importante estar preparado para o colapso da União Europeia sob o peso da arrogância de seus líderes. Mas que não é o mesmo que fazer da desintegração da União nosso objetivo e que convidar as forças progressistas da Europa para se juntarem com neofascistas para fazer campanha por isso.
O filosofo Slavoj Zizek, um subscritor do DiEM25, recentemente disse que o nacionalismo socialista não é uma boa defesa contra o nacional socialismo pós-moderno que a desintegração da União Europeia traria. Ele está certo. Agora mais do que nunca, um movimento humanista pan-europeu para democratizar a União Europeia é a melhor aposta da esquerda.
2 comentários em “A esquerda certa para a Europa”